Dentre os combustíveis fósseis, o carvão é um dos mais utilizados em todo o mundo – e, consequentemente, um dos que gera maior impacto em termos de emissões de gases de efeito estufa (GEE). A queima de carvão é responsável por 1/3 das emissões globais de GEE e representa quase 70% das emissões associadas à geração de energia elétrica.
Além das emissões de GEE, a queima desse combustível também libera milhões de toneladas de dióxidos de nitrogênio e de enxofre na atmosfera, substâncias que resultam na precipitação de chuva ácida, com efeitos negativos diretos sobre o meio ambiente e a saúde humana. Pior: segundo estudo recente de organizações ambientalistas europeias, a poeira gerada por usinas de energia movidas a carvão na Europa tem provocado a morte de cerca de 23 mil pessoas por ano e consumido dezenas de milhões de euros em gastos de saúde.
Ainda assim, para o Partido Republicano norte-americano, o uso de carvão pode ser “limpo”. Na sua plataforma para as eleições gerais de novembro, que vem sendo discutida desde o começo do mês, lideranças republicanas se esforçaram para incluir uma citação ao “carvão limpo” como um compromisso do partido com setores econômicos que dependem desse combustível, em particular as empresas de exploração e venda de carvão e os produtores de energia elétrica (33% da eletricidade produzida nos Estados Unidos é gerada pela queima de carvão).
“Eu gostaria de incluir o adjetivo ‘limpo’ junto com a palavra carvão, particularmente por causa da tecnologia que temos agora. Assim, [o texto da plataforma ficaria] ‘o Partido Democrata não entende que o carvão é uma fonte abundante, limpa, acessível e confiável de energia doméstica'”, recomendou David Barton, delegado republicano do Texas, durante sessão para debate e elaboração da plataforma política que o partido defenderá nas eleições para o Congresso norte-americano e para a Presidência, com o bilionário Donald Trump como seu candidato à sucessão de Barack Obama na Casa Branca.
O setor do carvão em geral sofre uma crise histórica nos Estados Unidos. Nos últimos quatro anos, os preços do combustível caíram quase 75%, precipitando o fechamento de centenas de empresas de exploração e comércio de carvão no país. Em abril passado, a Peabody Energy, líder global no mercado, entregou à Justiça norte-americana pedido de insolvência. Em cinco anos, o valor de mercado da Peabody desabou de US$ 20 bilhões para meros US$ 38 milhões.
“A indústria americana do carvão é um doente terminal”, sentenciou a consultoria Carbon Tracker Initiative em relatório publicado no começo do ano passado. Em grande parte, a crise do carvão nos Estados Unidos está diretamente relacionada com a disponibilidade de outras fontes competitivas de energia, como gás de xisto, e a maior participação de fontes renováveis de energia, como solar e eólica. Além disso, regulações editadas pelo governo federal norte-americano também afetaram a operação de usinas de energia elétrica movidas a carvão, que foram forçadas a adotar tecnologias para reduzir significativamente suas emissões de GEE.
Considerando as questões ambiental, de saúde pública e de competitividade econômica, por que o Partido Republicano se amarra de forma tão firme ao carvão como combustível para a economia norte-americana?
Primeiro, por uma questão prática: com a decadência do setor, comunidades que dependem da exploração do carvão estão inseguras quanto ao seu futuro. Em 2008, as minas de carvão dos Estados Unidos produziram o recorde de 1,17 bilhões de toneladas de carvão; no ano passado, a produção do setor não passou de 986 milhões de toneladas. Com a queda nos preços e o incentivo menor para a exploração de carvão, diversas minas foram fechadas nos últimos anos, desempregando milhares de pessoas em todo o país – muitas trabalharam na exploração dessas minas por décadas, o que significa que não possuem treinamento e capacitação para realizar outro tipo de trabalho além da mineração. Em tempos eleitorais, esse contingente de pessoas descontentes com o momento atual (e, consequentemente, com a condução do governo federal sob o democrata Barack Obama) pode ser interessante para os republicanos conseguirem apoio político para seus candidatos na eleição de novembro.
E, segundo, por uma questão conceitual: ainda que a base republicana comece a manifestar preocupação com a mudança do clima gerada pelas atividades humanas, a questão climática está muito distante de ter relevância política dentro do Partido Republicano. Historicamente, os republicanos são reticentes a agendas ambientais em geral, principalmente a climática.
Os republicanos foram o principal obstáculo que inviabilizou a participação dos Estados Unidos no Protocolo de Quioto. No final do governo Bill Clinton (1993-2001), o partido rejeitou ratificar a assinatura do acordo climático pelo Congresso norte-americano. Com a eleição de George W. Bush (2001-2009), o governo dos Estados Unidos praticamente congelou todos os seus esforços para contenção de emissões no país.
Nos últimos anos, o partido caminhava para um entendimento sobre o desafio da mudança do clima, pressionado principalmente por suas bases eleitorais no setor privado e nas grandes cidades. Entretanto, a emergência de Donald Trump como candidato republicano à Presidência em 2016 reverteu essa tendência e reforçou o preconceito político do partido com a questão climática.
Em maio passado, Trump afirmou que deseja renegociar o Acordo de Paris caso ele seja eleito presidente no final do ano. Segundo Trump, o tratado atual prejudica propositadamente os interesses norte-americanos e favorece países como a China. Pouco antes, seu principal assessor em matéria de energia, o deputado Kevin Cramer, causou polêmica ao defender o estabelecimento de uma taxa “muito modesta” de carbono para financiar pesquisa em “energia fóssil limpa”.
Em contraposição à reticência republicana, o Partido Democrata se prepara para colocar a questão climática dentro do debate político nas eleições de novembro. Nas discussões sobre a plataforma eleitoral do partido para 2016, os democratas encaminharam compromissos em torno do estabelecimento de taxação sobre emissões (carbon tax) e de regras mais duras para o fracking hidráulico (método que possibilita a extração de combustíveis líquidos e gasosos do subsolo, bastante difundido para a exploração de gás de xisto) – resultado da pressão de aliados do senador independente e ex-candidato democrata Bernie Sanders sobre representantes da ex-senadora e ex-secretária de Estado Hillary Clinton, candidata democrata presuntiva à Presidência dos Estados Unidos.
Nos dois partidos, a plataforma final para as eleições será definida apenas nas convenções nacionais, no final de julho, quando Trump e Clinton serão oficializados como candidatos à sucessão de Barack Obama.