Dois anos depois de ser dominada por grupos armados do infame Estado Islâmico, a cidade iraquiana de Mossul vem sendo palco de combates violentos nas últimas semanas entre terroristas e forças da coalizão internacional liderada por Estados Unidos e Iraque.
A ofensiva militar pelo controle de uma das maiores cidades do Iraque envolve quase 50 mil combatentes dos dois lados, ameaçando a segurança de mais um milhão de pessoas que permanecem na região de Mossul, sob controle do Estado Islâmico. Até este momento, as forças iraquianas apoiadas pela coalizão internacional avançam lentamente sobre Mossul, encontrando terra arrasada pelos terroristas – e, ironicamente, a tática de “terra arrasada” vem sendo mais mortal para os civis do que os combates em si.
De acordo com o Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (PNUMA), civis na região de Mossul estão sofrendo com problemas respiratórios decorrentes do incêndio de 19 poços petrolíferos promovido pelo Estado Islâmico para dificultar o avanço das forças iraquianas em solo e a visualização do terreno da região por parte das forças norte-americanas e turcas no ar. A queima do petróleo cru produz uma série de poluentes, incluindo fuligem e gases que causam problemas de saúde, como irritação da pele e falta de ar.
Na semana passada, estoques de dióxido de enxofre armazenados em uma fábrica de sulfato em Mishraq foram incendiados pelo Estado Islâmico, causando uma grande nuvem tóxica que se espalhou por dezenas de quilômetros. A Organização Mundial da Saúde (OMS) confirmou o atendimento de mais de mil casos de sufocamento decorrente dessa nuvem tóxica em cidades nos arredores de Mossul, como Qayyarah, Ijhala e Makhmour.
“Tristemente, este é apenas o episódio mais recente do que vem sendo a destruição generalizada do meio ambiente iraquiano nas últimas décadas – desde a drenagem dos pântanos à contaminação da terra e ao colapso dos sistemas de gerenciamento ambiental”, apontoa Erik Solheim, diretor-executivo do PNUMA. “Este ecocídio em curso é uma receita para um desastre prolongado que tornará as condições de vida na região perigosas e miseráveis, senão impossíveis. Isso vai empurrar inúmeras pessoas para o contingente global de refugiados. É por isso que o meio ambiente precisa ser colocado no centro da resposta à crise, na prevenção de conflitos e na sua resolução”.
O PNUMA vem trabalhando junto com outras agências e órgãos das Nações Unidas para atender à população local afetada pelos combates. O Escritório da ONU para Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, sigla em inglês) criou um grupo conjunto de ação para lidar com problemas e ajudar as agências humanitárias em campo, composto por PNUMA, OMS, Instituto da ONU para Treinamento e Pesquisa (UNITAR, sigla em inglês) e o Programa Operacional da ONU para Utilização de Satélite (UNOSAT, sigla em inglês). Este grupo auxilia as agências humanitárias a mapear nuvens tóxicas e a minimizar seus impactos prejudiciais sobre a população local e sobre os profissionais em missão.
Envolto em conflitos armados desde os anos 1980, o Iraque vem sendo palco de sucessivos desastres ambientais decorrentes da tática de incendiar poços petrolíferos para criar obstáculos terrenos e aéreos para o avanço inimigo.
Na Guerra do Golfo (1990-1991), forças iraquianas lideradas pelo ditador Saddam Hussein (1937-2006) destruíram mais de 700 poços petrolíferos no Kuwait, gerando nuvens tóxicas de quase quatro quilômetros de altura, capazes de bloquear a luz solar em algumas localidades do Kuwait. A fumaça tóxica chegou a afetar países como os Emirados Árabes Unidos e o Irã e causou chuva ácida em países como Afeganistão, Síria e Turquia. Estima-se que o total de petróleo cru queimado durante o conflito chegue a um bilhão de barris – equivalente ao consumo global do produto por quase 11 dias. Junto com o petróleo queimado, as forças iraquianas também despejaram óleo sobre o solo, criando uma crosta seca no deserto que eliminou as espécies de plantas características da região, e sobre o mar, contaminando centenas de quilômetros quadrados do Golfo Pérsico e matando milhares de animais aquáticos.
De certo modo, o drama do Estado Islâmico no Oriente Médio também está associado com impactos de uma crise ambiental (essa questão foi explorada em post publicado na Página22 em julho de 2015). Em artigo publicado em setembro de 2014, Charles Strozier, professor de história da City University of New York, e Kelly Berkell, pesquisadora da John Jay College of Criminal Justice, lembraram que a situação econômica na Síria começou a declinar a partir de 2006, com o começo de uma seca histórica que perdurou até meados de 2010. Na ocasião, a resposta do governo de Bashar Al-Asad foi bastante limitada, o que serviu para alimentar os primeiros descontentamentos, que resultariam depois na instabilidade política que seu regime enfrenta desde o começo desta década.
No Iraque, o período de seca coincidiu com o auge da insurgência contra as tropas norte-americanas e o governo iraquiano controlado pelos xiitas. Aproveitando as dificuldades enfrentadas por Estados Unidos e Iraque em absorver os impactos dessa seca ao longo da fronteira ocidental do país, diversas facções insurgentes ganharam terreno e jogaram o país em uma guerra civil violenta. A pacificação veio em meados de 2010, junto com o retorno das chuvas – mas não resistiu às desconfianças entre xiitas e sunitas e à retirada dos Estados Unidos do país, em 2012. Com isso, os grupos que posteriormente formariam o Estado Islâmico ganharam território e a adesão de milhares de combatentes.
Em uma região marcada pela escassez de recursos naturais vitais, como água, a degradação ambiental causada pela guerra e pela intensificação de eventos climáticos extremos, como a estiagem, as condições atuais parecem cada vez mais propensas para o conflito do que para a paz.