O timing não poderia ter sido mais perfeito: menos de um ano após a conclusão de suas negociações, o Acordo de Paris entrou em vigor na última sexta-feira (04/11), três dias antes da realização de mais uma Conferência do Clima, a de Marrakech (COP 22), que começa na próxima segunda (07/11). Isso significa que os trabalhos para a implementação do Acordo, que será aplicado plenamente apenas a partir de 2020, já começam nesta semana – e a tarefa dos negociadores no Marrocos não é pequena.
A Conferência de Marrakech será a primeira etapa para uma série de definições que precisarão ser feitas pelos governos nacionais nos próximos quatro anos, de maneira a viabilizar os instrumentos e o atingimento dos objetivos do Acordo de Paris – principalmente, o de limitar o aumento da temperatura média da Terra neste século entre 1,5 a 2 graus Celsius com relação aos níveis pré-Revolução Industrial.
Ambição e financiamento
Um ponto central nas decisões a serem tomadas até 2020 é a lacuna entre os compromissos de redução assumidos pelos países durante a Conferência do Clima de Paris (COP 21), no ano passado, e as necessidades práticas de redução para limitar o aquecimento do planeta até 2100. Segundo estudo publicado na revista Nature em junho passado (saiba mais), os números propostos pelos países durante a negociação do Acordo de Paris podem efetivamente reduzir o potencial de aquecimento entre 2,6 e 3,1 graus Celsius, bem acima da meta definida pelo texto final do Acordo.
No ano passado, os negociadores concordaram com a realização de uma revisão das contribuições nacionalmente determinadas (NDC, sigla em inglês) submetidas por cada governo para o Acordo de Paris até 2020. Essa revisão deverá ser feita a partir da publicação do novo relatório de avaliação do Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (IPCC, sigla em inglês), que deverá acontecer entre 2017 e 2018. No entanto, ainda não existe um procedimento definido de revisão dessas metas de maneira a garantir que elas venham a adquirir maior ambição nas reduções de emissões, o que preocupa cientistas e representantes da sociedade civil que acompanham as negociações internacionais em clima.
“Todas as grandes economias precisam desde agora ampliar radicalmente suas políticas climáticas já para 2020 e anunciar o aumento da ambição de suas NDCs já em 2018”, aponta Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede de organizações da sociedade civil brasileira dedicada à questão climática. “Se esperarmos até 2020 para agir com ambição, fecharemos a porta para o objetivo de 1,5 grau Celsius – e condenaremos vários países e ecossistemas à extinção”.
Na agenda de Marrakech, além da definição sobre o processo de revisão dos compromissos nacionais para 2020, os negociadores precisarão se debruçar em outros pontos cruciais para o sucesso do Acordo de Paris, como financiamento para ações de mitigação e adaptação nos países em desenvolvimento.
Sete anos após a realização da promessa, durante a malfadada Conferência do Clima de Copenhague (COP 15), os países desenvolvidos ainda não conseguiram apresentar um “mapa do caminho” para viabilizar a capitalização do Fundo Climático Verde (GCF, sigla em inglês) em pelo menos US$ 100 bilhões anuais a partir de 2020. Para nações mais pobres, sem a garantia desses recursos, ações para reduzir emissões e para adaptar sua infraestrutura aos impactos presentes da mudança do clima serão difíceis de sair do papel.
Para Manuel Pulgar-Vidal, ex-ministro do meio ambiente do Peru e atual líder de clima e energia do WWF-Internacional, a COP 22 deve marcar a mudança de um período de promessas para uma era de ação. “As decisões tomadas nos próximos anos determinarão em grande parte se seremos capazes de atingir o limite de aquecimento de 1,5 grau Celsius acordado em Paris ou se tomaremos a inimaginável opção de passar acima dele”.
A ameaça “Trump”
A despeito da agenda intensa de negociação nesta primeira semana em Marrakech, as atenções de negociadores e observadores na COP 22 estarão voltadas nos primeiros dias para o outro lado do oceano Atlântico. Na próxima terça (08/11), os Estados Unidos vão às urnas para definir a sucessão de Barack Obama na presidência do país a partir de janeiro de 2017.
De um lado, a democrata Hillary Clinton, ex-secretária de Estado da administração Obama, que promete manter as medidas tomadas pelo atual presidente no enfrentamento à mudança do clima nos últimos oito anos e aprofundar o engajamento do país na agenda de energias renováveis. Do outro, o republicano Donald Trump, empresário e ex-apresentador de reality show, um notório “cético” da mudança do clima que já se comprometeu a renegociar o Acordo de Paris por entender que ele favorece países como a China em detrimento dos Estados Unidos (saiba mais).
De acordo com pesquisas de intenção de voto, Clinton mantém-se como a favorita para vencer a votação da próxima terça, mas Trump vem reduzindo a vantagem de sua adversária nos últimos dias, favorecido pelo noticiário negativo da candidata democrata por conta da investigação federal sobre o uso de servidores privados de e-mails para comunicação de informações confidenciais sensíveis para a segurança dos Estados Unidos. Por isso, a despeito do favoritismo de Clinton, persiste o temor de que Trump consiga reverter a situação nos últimos dias de campanha e superar sua adversária na votação de terça-feira.
A possibilidade de Trump vencer a eleição presidencial levanta dúvidas e críticas sobre o papel dos Estados Unidos em um hipotético governo republicano a partir do próximo ano. Nesta semana, o diplomata Xie Zhenhua, principal negociador da China na agenda climática, alertou que um recuo dos Estados Unidos do processo de negociação do Acordo de Paris seria imprudente.
“Eu acredito que um líder político sábio deve assumir políticas que estejam em conformidade com as tendências globais”, argumentou Zhenhua ao ser perguntado sobre como ele trabalharia com um governo Trump. “Se ele resiste a essa tendência, eu não acredito que ele venha a ganhar o apoio de seu povo, já que o progresso econômico e social de seu país também será afetado”.
Para Patricia Espinosa, secretária-executiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês), da qual faz parte o Acordo de Paris, uma possível vitória de Donald Trump não afeta a legitimidade do regime internacional em clima. “O Acordo de Paris é apoiado não só como resultado de negociações, mas em muitos aspectos como resultado de um amplo movimento global”, apontou Espinosa.