Nas discussões sobre mitigação da mudança do clima nos fóruns internacionais, muito se fala sobre reduzir as emissões de gases de efeito estufa associadas às atividades industriais, à geração de energia, ao transporte, entre outros setores da economia. Mas, curiosamente, pouco se fala sobre reduções maiores na agricultura e na pecuária – isso a despeito dessas atividades representarem juntas quase 1/4 das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE).
Um motivo para isso é a preocupação de que iniciativas de mitigação nesse campo possam afetar negativamente a segurança alimentar humana, particularmente nos países mais pobres. No entanto, as projeções sobre o consumo global de carne bovina e laticínios para as próximas décadas indicam um aprofundamento do impacto desses setores sobre o clima terrestre, o que poderá dificultar a implementação de qualquer meta de redução de emissões nas próximas décadas.
Assim, para avançar na redução das emissões globais de GEE nas próximas décadas, é fundamental que as políticas públicas de mitigação enfoquem os setores relacionados à alimentação humana. Um caminho para isso pode ser uma velha conhecida do contribuinte brasileiro: a taxação.
Um estudo conduzido pela Universidade de Oxford analisou como a taxação de produtos relacionados à pecuária poderia auxiliar nos esforços para reduzir emissões e conter a mudança do clima, ao mesmo tempo em que melhora a saúde e a qualidade de vida humana. A conclusão central desse estudo é que a taxação poderia evitar a emissão de mais de um bilhão de toneladas de dióxido de carbono equivalentes (tCO2e), o equivalente ao total de emissões da aviação civil mundial.
“Precificar as emissões dos alimentos poderia gerar uma contribuição importante do sistema alimentar para a redução dos impactos da mudança global do clima”, apontou Marco Springmann, pesquisador que liderou o estudo. “Esperamos que isso seja considerado pelos tomadores de decisão na Conferência do Clima de Marrakech“.
De acordo com o estudo, grande parte da redução das emissões se daria pelo aumento do preço médio dos produtos alimentares de origem animal, de tal maneira que esse preço passaria a refletir também os custos ambientais da produção do alimento. Os pesquisadores de Oxford descobriram que a carne bovina teria que ser 40% mais cara globalmente para pagar os danos causados pela sua produção ao clima global. O preço do leito e de outras carnes deveria aumentar em até 20%. Estima-se que esses preços sozinhos poderiam reduzir o consumo desses alimentos em 10%, o que se refletiria em menos produção e, naturalmente, menos emissões.
“Se você tem que pagar 40% a mais pelo seu bife, você pode optá-lo por tê-lo uma vez por semana, em vez de duas vezes”, diz Springmann.
Na pesquisa, a equipe de Oxford modelou as emissões geradas pela produção de diferentes alimentos, os danos climáticos que elas podem causar, as mudanças no consumo que resultariam da inclusão do custo dos danos climáticos no preço dos alimentos, e as mudanças na probabilidade de morte por doenças crônicas relacionadas à dieta, como diabetes tipo 2, doença arterial coronária, acidente vascular cerebral e câncer.
Em seguida, os pesquisadores compararam diferentes esquemas de preços, incluindo um em que todos os preços dos alimentos foram ajustados para incluir impostos sobe emissões de GEE e um em que as receitas fiscais foram usadas para compensar os consumidores por preços mais altos de alimentos e subsidiar o consumo de frutas e vegetais.
Os resultados indicam que a precificação das emissões dos alimentos poderia, se devidamente concebido, ser uma política de mitigação com potencial de contribuir positivamente para a saúde humana, reduzindo custos associados a doenças crônicas relacionadas à alimentação.
“Nós abordamos a concepção de políticas climáticas para o sistema alimentar e agrícola a partir de uma perspectiva de saúde para descobrir se as emissões da produção de alimentos poderia ser precificada sem pôr em risco a saúde das pessoas”, explica Springmann.
No entanto, a implementação de políticas dessa natureza em países mais pobres, que vivem situações frequentes de insegurança alimentar, precisaria ser mais cuidadosa. Um caminho apontado pelo estudo seria utilizar parte dos recursos arrecadados com a aplicação da taxa sobre produtos alimentares de origem animal para subsidiar o consumo de outros tipos de produto e para facilitar o acesso de populações em situação de insegurança alimentar aos estoques de alimento.
Em nível global, a taxação evitaria a perda de meio milhão de vidas por ano em 2020 por causa da redução do consumo de carne vermelha, do aumento do consumo de frutas e legumes e da diminuição no número de pessoas com excesso de peso ou obesas.
“Neste estudo, apontamos que precificar os alimentos de acordo com seus impactos climáticos não resultaria apenas numa redução das emissões do setor, mas também a uma dieta mais saudável em quase todos os países do mundo”, conclui Springmann.
O estudo pode ser encontrado na edição recente da Nature Climate Change.