De Marrakech – Desde sempre, a questão do financiamento de ações de mitigação e adaptação em países mais pobres é um ponto de conflito político dentro das negociações multilaterais sobre mudança do clima. Afinal, sem recursos extra, esses países não têm condições de implementar as medidas necessárias para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa e para instalar uma infraestrutura capaz de lidar com os impactos presentes e garantidos da mudança do clima. A questão é: de onde viriam esses recursos extra?
Há sete anos, durante a malfadada Conferência de Copenhague (COP 15), os países desenvolvidos concordaram em prover esses recursos de maneira escalonada nos anos seguintes, comprometendo-se a destinar a partir de US$ 100 bilhões anuais a partir de 2020. Esse compromisso deu origem ao Fundo Climático Verde (GCF, sigla em inglês), criado pelas Nações Unidas para gerenciar esses recursos. No ano passado, durante a Conferência de Paris (COP 21), essa promessa foi renovada, com os países ricos concordando em tornar essa cifra em piso mínimo para destinação de recursos para o GCF a partir do começo da aplicação plena do Acordo de Paris.
A cifra em si é pequena quando comparada com a necessidade efetiva de recursos por esses países mais pobres para facilitar sua transição para uma economia de baixo carbono e resiliente à mudança do clima. No entanto, ela representa um primeiro compromisso dos países mais ricos com o financiamento da ação climática no mundo em desenvolvimento.
O problema é que, sete anos depois, os governos ricos não conseguiram apresentar à mesa de negociação um plano para tornar essa promessa uma realidade. A incerteza sobre a concretização desse compromisso político ameaça a viabilidade das contribuições nacionalmente determinadas (NDC, sigla em inglês) dos países em desenvolvimento no Acordo de Paris. Agora, com a perspectiva de os Estados Unidos sob a liderança de Donald Trump abandonarem as negociações sobre clima, essa incerteza ganhou tons dramáticos para os negociadores das nações pobres neste ano, durante a Conferência do Clima de Marrakech (COP 22).
Onde está o dinheiro?
A discussão sobre financiamento de ações climática escancara a falta de coordenação dos diferentes fundos que existem com esse propósito sob a égide das Nações Unidas. Além do GCF, o Fundo para Adaptação, o Fundo para os Países Menos Desenvolvidos e o Global Environmental Facility (GEF) também provêm recursos para nações em desenvolvimento para projetos em clima.
Cada um desses fundos possui diferentes dotações orçamentária, critérios para desembolso, e escopo para aplicação dos recursos. Mas, no geral, todos eles estão aquém da necessidade de financiamento dos países pobres em matéria de mudança do clima.
O GCF, mais recente deles, trabalha hoje com um capital inicial de US$ 10 bilhões – bem distante dos US$ 100 bilhões prometidos para daqui a quatro anos. Além do dinheiro “curto”, outro problema do GCF é o baixo desembolso: até o momento, menos de 10% desse montante foi liberado para projetos de ação climática. Nesse ponto, um problema adicional é a demanda ainda baixa por esses recursos, por falta de projetos desenhados de maneira adequada para atender aos critérios do GCF.
O Fundo para Adaptação, criado há quase dez anos, sofre o contrário nesse último ponto: sobram projetos submetidos, mas falta dinheiro. Nesta COP 22, os países em desenvolvimento pedem que os recursos destinados para adaptação – seja por este Fundo ou por outros mecanismos financeiros – quadruplique nos próximos anos.
Um fator que explica a falta de dinheiro nos fundos destinados para adaptação é o baixo apelo financeiro de projetos desse tipo. Ao contrário dos projetos de mitigação, que podem oferecer retorno financeiro, os projetos de adaptação são mais rígidos nesse sentido, sem oferecer possibilidade de ganho financeiro imediato decorrente da sua implementação.
Isto é ainda mais problemático quando consideramos que os recursos públicos são insuficientes para dar conta das necessidades financeiras dos países pobres em mitigação e adaptação. O financiamento privado é fundamental para atender a essa demanda por recursos – e, sem contrapartidas financeiras interessantes, é muito difícil atrair esse tipo de recurso para projetos de adaptação.
O problema “Trump”
A complicada conta do financiamento da ação climática ficará ainda mais problemática a partir de janeiro de 2017, quando Donald J. Trump assume a presidência dos Estados Unidos. Durante a campanha eleitoral, o magnata republicano repetiu diversas vezes que considera abusivos os compromissos assumidos pela administração Obama na agenda climática da ONU, tanto no corte de emissões quanto no volume de recursos destinados para financiamento externo nesse tema.
Dias antes da votação de 08 de novembro, Trump manifestou interesse em cancelar os compromissos financeiros de Washington com a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês) para utilizar esses recursos para “consertar o meio ambiente” de seu próprio país.
No decorrer desta semana, Marrakech foi tomada por rumores de que o novo presidente poderia declarar publicamente sua pretensão de retirar os Estados Unidos da UNFCCC no próximo ano, o que cancelaria unilateralmente todos os compromissos políticos e financeiros do país em matéria climática.
Por ora, o discurso público é de cautela, mesmo para aqueles que podem ser diretamente impactados por um recuo formal dos Estados Unidos na agenda climática. “Precisamos ser otimistas sobre o futuro. Os Estados Unidos fizeram uma escolha e nós acreditamos que o novo governo honrará seus compromissos no Acordo de Paris”, assinala Enele Sopoaga, primeiro-ministro de Tuvalu, um pequeno arquipélago de ilhas atol no Oceano Pacífico, uma das regiões mais susceptíveis à mudança do clima devido ao aumento do nível do mar. “Não precisamos ser críticos neste momento”.
Mas a cautela pública contrasta com a demanda crescente dos países pobres e vulneráveis por definições sobre financiamento já nesta Conferência de Marrakech – ainda com os Estados Unidos nas conversas diplomáticas. “Nós precisamos manter o momentum do Acordo de Paris e avançar em decisões aqui em Marrakech, pois as vidas nas pequenas ilhas estão sob risco cada vez maior”, defende Sopoaga.
A principal demanda desses países na COP 22 é a antecipação das discussões sobre financiamento. No cronograma original de implementação do Acordo de Paris, definido no ano passado, essa conversa aconteceria a partir de 2018. Porém, com o adiantamento da entrada em vigor do Acordo (que aconteceu no último dia 04, três anos antes do previsto), os países pobres querem antecipar as negociações nesse ponto para antes de 2018, o que vem sendo contestado pelos países ricos. Essa demanda já existia antes da vitória de Trump nos Estados Unidos, mas ganhou força decisiva depois da confirmação do resultado eleitoral norte-americano.
Para aliviar a tensão, alguns países desenvolvidos apresentaram promessas de financiamento relacionado a clima durante a COP 22. Alemanha, Estados Unidos e Reino Unido anunciaram apoio de US$ 50 milhões junto ao GEF para apoiar os países pobres no monitoramento de suas emissões de carbono nos próximos anos. O governo alemão também anunciou a destinação de 50 milhões de euros ao Fundo para Adaptação.
No entanto, para irritação dos países pobres, a falta de clareza quanto ao cumprimento desses compromissos financeiros persiste. “Baseado em nossa experiência passada, não podemos ser confiantes de que as promessas apresentadas vão gerar os níveis esperados de financiamento no tempo necessário”, lamenta Anwar Manju, ministro do meio ambiente de Bangladesh.