Saneamento básico é um sonho distante de qualquer realidade para mais da metade do Brasil: mais de 100 milhões de brasileiros não têm acesso a esgoto, especialmente nas áreas rurais. Como a edição 103 da PÁGINA22 (agosto/2016) destacou, o poder público enfrenta muitas dificuldades estruturais e circunstanciais para conseguir atingir a meta da universalização da coleta e tratamento de esgoto no país nas próximas décadas – segundo estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) publicado no ano passado, no ritmo atual de investimento, o saneamento será universal no Brasil somente no distante ano de 2054.
As dificuldades enfrentadas pelo poder público nesta tarefa incentivou o surgimento de campanhas envolvendo pesquisadores, sociedade civil e iniciativa privada em torno de soluções inovadoras que pudessem superar esta situação. Uma delas é a campanha “Metade de Nós”, uma iniciativa liderada pela Kimberly-Clark Brasil desde 2016, que reuniu um grupo de jovens universitários para desenvolver uma solução de banheiro seco para ser instalado em localidades sem estrutura de captação e tratamento de esgoto. No começo de 2017, as primeiras unidades desse banheiro foram instaladas na cidade de Milagres (MA), município com o menor número de banheiros do Brasil.
O trabalho começou há quase um ano, quando a empresa, através de sua marca de papel higiênico Neve, lançou um desafio para selecionar oito estudantes universitários de todo o país para formar um grupo capaz de ajudar a reinventar o banheiro e desenvolver uma solução inovadora adaptada à realidade das regiões sem tratamento de esgoto. Para facilitar o contato com essa realidade, um jovem de Milagres também foi chamado para compor o grupo e ajudar no desenvolvimento da solução.
A solução segue cinco premissas: uso de recursos locais (inspirado pela permacultura, para garantir empoderamento e sustentabilidade a longo prazo), independência de água, ser autossustentável (que permita à comunidade apropriar-se da solução e replicá-la), de baixo custo (mais barato do que a construção de fossas tradicionais), e correção ambiental (não poluir solo e água. O modelo escolhido pelo grupo para a solução é o bason (banheiro seco compostável).
De acordo com a Kimberly-Clark Brasil, o diferencial dessa solução é que ela não utiliza o sistema de esgoto e descarga com água, justamente para ser autossustentável em regiões onde não há estrutura de abastecimento de água potável ou esgotamento sanitário. Assim, a descarga convencional foi substituída pela serragem, garantindo a eficácia na compostagem dos dejetos sólidos e uma experiência de uso, evitando o mau odor. Outro diferencial é que, com a incidência de sol no compartimento que armazena os dejetos, a matéria orgânica é transformada em adubo natural após seis meses. Já a urina desce por outra parte do bason, sendo conduzida para o circuito de plantação de bananeiras, que absorve o líquido por meio da evapotranspiração, responsável por eliminar os componentes químicos da urina.
“Além de mais privacidade, os banheiros estão ajudando as pessoas a adquirirem novos hábitos de higiene pessoal e informação sobre os efeitos positivos dessa prática”, afirma Bruna Coletti, gerente da marca Neve. “A conquista do banheiro se mostrou mais do que uma necessidade, mas a realização de um sonho”.
As primeiras unidades foram construídas a partir de um mutirão organizado pela Neve na própria cidade de Milagres, envolvendo toda a população nesse esforço. Além de engajar toda a comunidade, houve a preocupação de capacitar a mão de obra local para replicar o banheiro tanto em outros povoados como nas regiões próximas.
A Neve também desenvolveu uma cartilha de orientação para a construção dessa solução de banheiro sustentável, disponível no endereço www.banheirosmudamvidas.com.br