Hoje, poucas áreas no mundo estão em situação tão delicada como a bacia do Lago Chade, no interior da África subsaariana. Localizada entre Niger, Nigéria, Camarões e Chade, esta bacia concentra mais de 17 milhões de habitantes, que dependem de sua água para viver nesta região empobrecida do continente africano.
Até meados dos anos 1960, o Lago Chade se destacava como um dos maiores corpos d’água do mundo. No entanto, de acordo com o Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (PNUMA), o lago africano encolheu de 90% a 95% entre 1963 e 1998.
Geologicamente, o Lago Chade passa por ciclos periódicos de cheia e seca, que se refletem na extensão de suas águas no decorrer do tempo. Quando o lago foi descoberto pelos romanos, ainda na Antiguidade, ele era um vasto espelho d’água, abrangendo uma grande porção do território de seu homônimo atual, a República de Chade. Quase dois mil anos depois, em 1899, o futuro primeiro-ministro britânico Winston Churchill, em livro de lembranças sobre suas experiências militares na região do Sudão, citou que o Lago Chade parecia estar perdendo água e diminuindo de tamanho, “mudando rapidamente de um lago para um imenso brejo”.
Ainda assim, o que está acontecendo no Lago Chade atualmente é fora de qualquer ciclo normal. Acredita-se que uma combinação de fatores acelerou a degradação do Lago Chade nos últimos 50 anos. Primeiro, o excesso de pastagens no entorno do lago causou desertificação e declínio na vegetação por conta da erosão do solo. Segundo, o consumo humano da água do Chade, que se intensificou bastante no mesmo período, seja para uso doméstico como também para uso econômico, principalmente para irrigação de plantações.
E terceiro, as alterações nas condições climáticas na região decorrentes da mudança do clima; por exemplo, nas últimas décadas, o cinturão de chuva tropical que incidia sobre a região do Chade se moveu para o sul, resultando em menor precipitação sobre o lago e seus arredores.
O resultado disso tudo é nítido: nas últimas décadas, o volume de água do lago foi reduzido entre 90% e 95%. Sua bacia, que chegou a se estender por mil quilômetros, hoje não passa dos 200 quilômetros. Em área total, a redução é ainda mais significativa: em 1963, o Lago Chade tinha cerca de 25 mil km²; em 2007, sua área cobria meros 1,3 mil km².
O impacto do colapso ecológico do Lago Chade é profundo em seu entorno e não se limita apenas à questão ambiental. Ao mesmo tempo em que a água ficou mais rara, a região do lago teve sua população triplicada desde os anos 1980. Hoje, quase 20 milhões de pessoas vivem na área e dependem diretamente dos cada vez mais parcos recursos do lago para subsistir. Por causa da falta de água, milhões de pessoas sofrem com desnutrição crônica na região, sendo que muitas delas sofrem efetivamente com a fome.
A escassez hídrica aprofunda a pobreza generalizada na região do Lago Chade, o que tem servido como combustível para grupos armados arregimentarem pessoas empobrecidas e desesperançosas para sua causa. O principal deles é o Boko Haram, um grupo fundamentalista islâmico com conexões com a Al-Qaeda e, mais recentemente, o Estado Islâmico. Desde 2009, quando iniciou sua campanha insurgente atual, o Boko Haram causou a morte de mais de 20 mil pessoas na Nigéria e desalojou 2,3 milhões de pessoas de suas casas, que se refugiaram majoritariamente nos países da região do Lago Chade.
No ano passado, apenas Monguno, uma cidade com 60 mil habitantes localizada no estado nigeriano de Borno, recebeu mais de 140 mil refugiados. Para efeitos de comparação, a Europa inteira recebeu 130 mil refugiados vindos do norte da África e do Oriente Médio no mesmo período.
Sem o suporte efetivo dos países ocidentais, os governos do entorno do Lago Chade sofrem para conseguir recepcionar os milhões de refugiados que vivem dentro de suas fronteiras. Para piorar, com as atenções internacionais voltadas para cenários igualmente catastróficos, como na Síria e na Líbia, a crise no Lago Chade é parcamente registrada na imprensa global. Um levantamento feito por organizações humanitárias aponta que o desastre humanitário no Lago Chade como a crise mais negligenciada pela mídia e pela comunidade internacional no ano passado, atrás das guerras civis no Iêmen e no Sudão do Sul.
Nesse cenário extremamente delicado e complexo, os esforços para recuperação do Lago Chade são tímidos por parte dos governos da região. O ciclo vicioso de conflito – mudanças climáticas e práticas abusivas de consumo de água agravam tensões sobre terra e recursos, que, por sua vez, empobrece a população e facilita o surgimento de grupos armados violentos como o Boko Haram, que gera mais tensões e mais dificuldades no entorno – dificulta bastante qualquer medida de preservação do lago e de seus recursos naturais vitais para a subsistência da população local.
Para as Nações Unidas, o esforço de pacificação na região precisa caminhar junto com o de recuperação da bacia do Lago Chade, o que demanda atenção especial da comunidade internacional e dos governos locais. “Esta não é apenas uma crise humanitária, mas também uma crise ecológica”, afirmou o brasileiro José Graziano da Silva, diretor-geral da FAO. “Este conflito não pode ser resolvido apenas com armas. Esta é uma guerra contra a fome e a pobreza nas zonas rurais da bacia do Chade”.
Assim, junto com o esforço para eliminar ameaças à paz regional, a comunidade internacional e os governos da região precisam promover práticas agrícolas sustentáveis no longo prazo, que apoiem as comunidades rurais na adaptação de suas atividades econômicas às mudanças do clima e à escassez crescente de recursos naturais, como água e floresta. Para isso, é necessário que se invista mais em agricultura, principalmente na melhoria do desempenho dos sistemas de irrigação, na conservação da água, e em políticas de transferência de renda para famílias afetadas pela insegurança alimentar.