Diversitywashing são ações que as empresas realizam para transparecer ao público geral que têm práticas sólidas de diversidade, mas sem promover sua efetiva gestão e valorização. Saiba como reconhecer essa prática
Cada vez mais, novas parcelas da população têm sido representadas em produtos e peças de comunicação. Ainda está longe do ideal, mas já é possível vermos casos de publicidade com negros, pessoas com deficiência, casais LGBTs, mulheres e homens em papéis que extrapolam o paradigma comum, entre outros.
Este ano, uma empresa do segmento de beleza lançou, em TV aberta, um comercial disruptivo com um casal de mulheres homossexuais, cujo tom foi excelente, pois tratou o tema com naturalidade, o que ajuda a romper preconceitos. Nas vésperas da Parada do Orgulho LGBT, empresas de segmentos de bebidas e de alimentos também lançaram produtos com a bandeira do arco-íris, símbolo dessa militância.
Em 2016, uma empresa do segmento de higiene íntima fez uma belíssima propaganda fortalecendo o empoderamento feminino em todas as faixas etárias. Negros e negras estão cada vez mais presentes em campanhas relacionadas à moda e aos produtos de beleza. Gostaria de ver mais representação em serviços bancários e no mercado de luxo, mas sei que o avanço acontece um dia de cada vez. Em algumas empresas do segmento de saúde já é possível ter representatividade de pessoas com Síndrome de Down.
Eventos de valorização da diversidade liderados por empresas têm surgido aos montes. Todas essas iniciativas são fantásticas, pois geram sensibilização e colocam o tema na pauta. No entanto, será que são sinais de avanço efetivo na sociedade e principalmente na estrutura de governança dessas grandes empresas?
O termo diversitywashing – em analogia ao termo greenwashing, que significa “maquiagem verde” referindo-se a empresas que se posicionam de forma subestimada em relação ao que realmente realizam nas temáticas socioambientais – é aqui aplicado para questionar se as empresas têm uma efetiva gestão para diversidade, ou apenas estão se posicionando em comunicação e marketing, fazendo parecer que levam a diversidade em seus planos estratégicos.
As empresas que realizam o diversitywashing comunicam bem, mas escorregam em 7 pecados contra a valorização da diversidade humana:
1 – Adotam somente um grupo de diversidade para atuar
Diversas empresas são referência em um dos grupos de diversidade. No setor de varejo e beleza, por exemplo, é comum ter um percentual mais equânime de mulheres. O risco aqui é esquecer dos outros grupos de diversidade e, ainda pior, colocar a diversidade como um tema que diz respeito somente a alguns de nós e não a todos, como é de fato.
Você, por exemplo, vê aquela propaganda linda de mulheres, mas a empresa não tem negros, LGBTs, pessoas com deficiência ou qualquer outro grupo diverso no seu quadro de funcionários.
2 – Faltam com a transparência
Não divulgam no Relatório de Sustentabilidade, e muito menos no site da empresa, os reais percentuais de grupos diversos em seus quadros e na alta liderança da empresa. Você nunca saberá se o que viu na comunicação realmente acontece na prática.
3 – Mantêm o funil para contratação de diversos
De que adianta se posicionar em favor da diversidade, mas não contratar esta parcela da população para contribuir com os processos da empresa?
Estas empresas nunca terão clareza dos ganhos reais que a diversidade traz para as relações humanas e para o negócio.
4 – Mantêm o teto para ascensão de diversos
Não adianta contratar diversos e deixá-los na geladeira. É fundamental que estas pessoas tenham a possibilidade de concretizar seu potencial e seus objetivos profissionais, ascendendo nas empresas; neste caso, a empresa reproduz, ainda que de forma inconsciente, preconceitos latentes na sociedade.
5 – Esquecem da governança
Elaborar um Programa de Diversidade é fundamental. Ter foco, planos e metas de curto, médio e longo prazos é a única forma de garantir avanços consistentes no tema.
6 – Permitem que práticas discriminatórias ocorram
É fundamental que a cultura organizacional da empresa respalde grupos diversos contra práticas discriminatórias. Hoje em dia, infelizmente, ainda é comum empresas bem posicionadas demitirem mulheres durante a licença-maternidade; não promoverem homossexuais que expressem a sua orientação sexual; ou contratarem negros, mas até um certo tom de pele.
7 – Deixam de investir em canais seguros de escuta dos funcionários
A valorização da diversidade se constrói a cada dia. É fundamental que as empresas assegurem canais de escuta, tais como ouvidoria interna, para que os funcionários se sintam estimulados e seguros a comunicar ocorrências discriminatórias.
Um dos claros indícios que temos de que há muito a avançar é o Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 maiores empresas brasileiras, do Instituto Ethos. Analisando 2007, 2010 e 2016, vemos o seguinte cenário:
Mulheres em 2007 eram 35% no quadro funcional e 11,5% no quadro executivo. Em 2010, respectivamente, 33,1% e 13,7%. E, em 2016, 35,5% e 13,6%.
- Negros em 2007 representavam 25% do quadro funcional e 3,5% do quadro executivo. Em 2010, respectivamente, 31,1% e 5,3%. E, em 2016, 31,1% e 5,3%.
- As pessoas com deficiência em 2007 eram 1,9% no quadro funcional e 0,4% no quadro executivo. Em 2010, respectivamente, 1,5% e 1,3%. E, em 2016, 2,3% e 0,6%.
Ou seja, houve avanços, mas são lentos e, de 2010 para 2016, praticamente estagnaram. Quando olhamos para a alta liderança das empresas, na qual a tomada de decisão realmente ocorre, os diversos somem.
A única forma de apurar a realidade é conhecer melhor as empresas que você admira – pesquisando o site, o Relatório de Sustentabilidade, fazendo buscas no Google sobre processos discriminatórios. Esse caminho é fundamental para avançarmos na agenda da diversidade, pois garante que possamos cobrar das empresas coerência em relação a “como são”, “como aparentam ser” e “como se posicionam”. Assim, realmente poderemos fazer deste momento o ponto de virada por um mundo mais equânime para todos.
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* É diretora executiva da Gestão Kairós – consultoria especializada de Sustentabilidade e Diversidade. Responsável da área de Responsabilidade Social e Diversidade América Latina na Votorantim Metais, Walmart Brasil, Banco Real-Santander, Philips, entre outras. Mestranda em Políticas Públicas pela FGV, MBA Executivo em Gestão da Sustentabilidade na FGV, Especialização em Gestão Responsável para Sustentabilidade pela Fundação Dom Cabral, MBA em Coaching pela Sociedade Brasileira de Coaching.
Criou o termo diversitywashing com base em 13 anos de experiência em sustentabilidade e diversidade empresarial. O termo diz respeito às ações que as empresas realizam para transparecer ao público geral que têm práticas sólidas de diversidade, sem realizar uma real gestão e valorização da diversidade internamente. Principalmente no que diz respeito a captação, retenção e plano de carreira de grupos diversos.