Se estivéssemos no campo das Ciências Naturais, poderíamos definir “território” como escreveu o geógrafo Milton Santos: “A área de influência de uma espécie animal, que exerce o domínio de forma mais intensa no centro e que perde esta intensidade ao se aproximar da periferia, onde passa a concorrer com domínios de outras espécies”. Mas, como estamos no campo das Ciências Sociais, o conceito é bem mais abrangente e, de novo, a melhor concisão é de Milton Santos:
“O território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais e da vida, sobre os quais ele flui. Quando se fala em território, deve-se, pois, de logo, entender que se está falando em território usado, utilizado por uma dada população.”
O uso político do termo território, ou territorialidade, segundo o próprio geógrafo, teria sido adotado a partir do século XIX para tratar do papel desempenhado pelo Estado no controle das relações entre as classes sociais e os espaços ocupados. Pelo tamanho e pelo enraizamento da desigualdade social hoje no Brasil, é possível deduzir que o Estado ainda faça esta leitura de território, e não aquela, mais moderna.
Em entrevista nesta edição, a socióloga Maria Alice Setubal explica por que o território exerce papel importante no combate à desigualdade: “As políticas públicas não podem ser políticas homogêneas. Estamos falando de pessoas diferentes, biomas diferentes, realidades sociais e econômicas completamente diferentes. Então, quando a gente fala que o território importa, estamos se referindo a espaços diferenciados, e as políticas públicas têm de estar de acordo com aquelas realidades”.
Territórios também remetem a questões fundiárias, que, por sua vez, também remetem à desigualdade. Nas grandes cidades brasileiras crescem dois tipos de periferia: a dos bairros populares ocupados pelas camadas mais pobres da população; e outra, meramente geográfica, dos grandes condomínios exclusivos, cercados, policiados e dotados de uma ampla gama de serviços, de modo que a camada mais rica não precise necessariamente ir às ruas, aos centros urbanos.
Segundo a socióloga holandesa Saskia Sassen, esse modelo de uso do território contribui para perenizar ainda mais as desigualdades, não só no Brasil, mas em outras grandes cidades como Londres e Nova York. Em palestra no “Seminário Internacional Cidades e Territórios: Encontros e fronteiras na busca da equidade”, realizado no ano passado na Fecomercio, em São Paulo, ela disse que esses megaprojetos de condomínios representam a negação do espaço urbano , uma vez que são territórios totalmente controlados. As pessoas que não têm poder podem, no máximo, trabalhar ali. O território urbano, ao contrário, são espaços “onde os que não têm poder também conseguem criar uma história, uma cultura e uma economia”.