Ao invés de destinar recursos para fontes renováveis de energia, o governo brasileiro desperdiça dinheiro e atenção com combustíveis fósseis
Para quem buscava um papel de liderança na luta contra a mudança do clima, o Brasil parecia ser um bom aluno até pouco tempo atrás. Enquanto o resto do mundo se desdobrava para reduzir suas próprias emissões e investir em fontes renováveis de energia, o Brasil aproveitava as Conferências do Clima para apresentar seus resultados bem sucedidos.
Entre 2004 e 2015, decorrente em parte fundamental da redução significativa do desmatamento na Amazônia, o Brasil cortou mais de 41% de suas emissões de gases de efeito estufa (GEE), num contexto em que o país não tinha compromissos obrigatórios internacionais. Além do combate ao desmatamento, o Brasil também era favorecido pela grande representatividade da fonte hidrelétrica na matriz elétrica nacional, o que garantia ao país um impacto reduzido em um setor tradicionalmente problemático em termos de emissões.
Esses resultados permitiam ao governo brasileiro buscar um protagonismo na agenda climática internacional, em sintonia com os esforços do país de se projetar como um player global relevante. Isto foi mais evidente e intenso nos últimos anos do governo Lula, no final dos anos 2000, mas se manteve de modo bem mais suave na gestão de sua sucessora e ex-ministra, Dilma Rousseff, na primeira metade dos anos 2010.
No entanto, a despeito das declarações contundentes e dos compromissos assinados, a conduta do governo brasileiro na agenda climática sempre foi ambígua, o que refletia uma dificuldade tremenda em definir explicitamente quais eram as prioridades do país nas agendas políticas e econômicas relacionadas à questão climática. O caso da matriz elétrica nacional é um exemplo notável de como essa dificuldade custou ao país não apenas recursos financeiros e materiais, mas também oportunidades de avançar para fontes energéticas mais limpas e modernas.
A política energética das eras Lula e Dilma (formulada basicamente sob a liderança da última, que serviu como ministra de Minas e Energia e da Casa Civil do primeiro), seguida pela atual administração de Michel Temer, baseou-se na expansão da capacidade instalada de fontes termelétricas a carvão e gás natural e na construção de grandes usinas hidrelétricas na bacia amazônica, aproveitando seu enorme potencial hídrico.
Em contraposição, a despeito do enorme potencial da geração de eletricidade a partir do vento e da luz solar no Brasil, o investimento em eólica e solar foi basicamente protocolar no período.
No caso da solar, a situação é dramática. O Brasil começou a investir (e de maneira contida) em painéis fotovoltaicos apenas em 2011. Estimativas apontavam que o Brasil poderia gerar mais de 100 mil MW de energia solar. No entanto, em 2015, o Brasil tinha míseros 21 MW de potência instalada de geração solar. Até a Guiana Francesa, nossa vizinha do norte, consegue produzir mais energia solar do que o Brasil.
A expansão significativa da fonte eólica no país (em dez anos, a potência instalada de eólica foi de 200 MW em 2006 para mais de 8 mil MW em 2016) foi mais resultado das circunstâncias do mercado, como barateamento dos preços internacionais dos equipamentos, do que de incentivos planejados do governo brasileiro. Ainda assim, mesmo os resultados do Brasil na geração eólica de eletricidade estão bem abaixo daqueles apresentados por países que até pouco tempo atrás patinavam nesta questão, como a China.
Um estudo recente publicado pela ONG Germanwatch pouco antes da cúpula do G20 na Alemanha, no começo de julho, aponta que o Brasil gastou em 2014 mais de US$ 25 bilhões (cerca de R$ 76 bilhões) na promoção de combustíveis fósseis, entre apoio orçamentário direto para a produção e consumo destes combustíveis, incentivos fiscais para infraestrutura, regime tributário especial para equipamentos de exploração e produção de petróleo e gás, além da geração elétrica a carvão.
Para efeito de comparação, no mesmo ano, ainda sob o governo Rousseff (e antes da fase mais aguda da crise econômica pela qual o Brasil passa nos últimos anos), o Brasil destinou R$ 50 bilhões para financiar o Bolsa Família, um dos maiores programas de redistribuição de renda do mundo, que beneficia mais de 12 milhões de famílias de baixa renda no país.
Um desafio fundamental na luta contra a mudança do clima está na continuidade do investimento público e privado em projetos que favorecem a geração e o consumo de energia fóssil. O mesmo estudo da Germanwatch aponta que o ritmo de transição da economia global para o baixo carbono está bastante lento para dar conta da necessidade de conter o aquecimento global médio dentro dos limites estabelecidos pelo Acordo de Paris. Em grande parte, isto decorre exatamente da persistência dos fluxos de recursos financeiros de governos, empresas e instituições financeiras para os combustíveis fósseis.
No Brasil, já podemos ver efeitos do investimento dos últimos 15 anos na construção e operação de usinas termelétricas, com o aumento das emissões associadas ao setor elétrico. No auge da crise hídrica no Sudeste brasileiro, entre 2014 e 2015, as fontes termelétricas representaram mais de 30% da geração de eletricidade do Brasil, um contraste tremendo com os 4,5% de três anos antes. Além de ser uma energia elétrica mais cara para o consumidor final, a eletricidade produzida por fontes termelétrica traz consigo impactos ambientais e de saúde pública, principalmente no entorno das usinas geradoras.
O direcionamento dos investimentos em renováveis para grandes e extremamente caros projetos de usinas hidrelétricas no interior do Brasil também teve o seu custo estratégico para o Brasil. Instaladas em regiões de alta vulnerabilidade socioambiental, usinas como a de Belo Monte no rio Xingu e a de Jirau no rio Madeira poderão ampliar a capacidade instalada de geração elétrica do país, mas com graves impactos para seu entorno – sem falar no custo associado à corrupção, algo que vem sendo revelado pela Operação Lava Jato.
Um argumento frequente do governo brasileiro para canalizar os investimentos em hidrelétricas e termelétricas é a necessidade de garantir “energia de base” para a matriz nacional – ou seja, assegurar que o sistema elétrico nacional tenha fonte instalada capaz de gerar eletricidade de acordo com a demanda da economia nacional. Isto seria possível com as fontes acima citadas, que possuem uma capacidade de “armazenamento” da fonte, o que não é o caso da eólica e da solar – daí o célebre comentário da ex-presidente Dilma Rousseff de que “não dá para estocar vento”.
A questão é que este argumento já não faz mais sentido. Um relatório recente da Ren21, organização que monitora as tendências globais em renováveis, aponta para casos de países europeus que foram capazes de oferecer grande parte de sua eletricidade gerada a partir de fontes eólica e solar. Em 2016, a Dinamarca conseguiu fornecer a totalidade de sua eletricidade por fontes renováveis num pico de demanda 140% maior que a geração, e a Alemanha teve um pico de 86% alimentado apenas com eólica e solar. A solução destes países foi apostar em sistemas interligados e grandes redes de geração e fornecimento, que permitem compensar a intermitência de uma fonte com a geração elétrica de outra.
Ou seja, é possível ampliar de modo significativo a capacidade instalada de eólica e solar no Brasil e atender a demanda de energia elétrica do país sem recorrer excessivamente (e mesmo sem recorrer efetivamente) a fontes fósseis e sem a necessidade de construir mais usinas hidrelétricas em regiões sensíveis do interior brasileiro – e a um custo-benefício muito mais vantajoso para o país. Se o Brasil quer ser um player relevante no esforço global contra a mudança do clima, ele precisará enfrentar os paradigmas que orientaram a política energética nas últimas décadas e olhar para os desafios do futuro de maneira aberta e ativa.