O fogo
Noite de sexta-feira, 11 de agosto. Charlottesville, Estados Unidos. Um grupo de cem pessoas, composto majoritariamente por homens, todos brancos, marcham pelas ruas do campus da Universidade da Virginia, uma das mais antigas instituições de ensino do país, criada por Thomas Jefferson, um dos “pais fundadores” da República norte-americana.
Mesmo de longe, era impossível ignorar a cena. Rostos de expressão forte e agressiva, que refletiam o teor duro dos slogans cantados a plenos pulmões. Nas mãos, tochas tiki acesas, daquelas vendidas em lojas de material de construção, davam um tom ainda mais soturno. Blood and soil, sangue e solo, gritavam enquanto agitavam as tochas incendiadas no ar.
O fogo carrega um simbolismo dramático para o Homem. Poucas descobertas foram tão importantes para a evolução humana: o ser humano superou seu instinto natural – tão impregnado em nós que até hoje temos o reflexo nato de nos afastarmos de qualquer fonte de calor abrasivo – para controlar esta força natural.
Com o fogo, o homem começou a moldar o ambiente de acordo com suas necessidades de sobrevivência. A noite não era mais tão escura. O frio não era mais tão intenso. Os predadores, que também compartilham o medo do fogo, não mais ameaçavam os homens; as presas, igualmente medrosas, passaram a ser caçadas com mais facilidade. O alimento ficou mais saudável e saboroso, com a calor do fogo eliminando as bactérias que decompunham rapidamente os restos mortais da presa.
A importância do fogo está refletida de modo notável nas crenças religiosas e culturais da humanidade ao longo do tempo. Como poucos símbolos da linguagem humana, o fogo carrega significados que refletem diferentes sentimentos e experiências da vida humana: destruição e salvação, ódio e paixão, morte e vida, castigo e purificação, guerra e paz.
“Do atrito de duas pedras chispam faíscas; das faíscas, vem o fogo; do fogo, brota a luz”. Esta frase popularmente creditada ao grande mestre da literatura francesa Victor Hugo (1802-1885) expõe o único aspecto presente em todos os significados relacionados ao fogo: a luz. Em cada chama, um feixe de luz explode e ilumina as coisas ao seu redor, expondo-as ao nosso olhar.
A estátua
As chamas de Charlottesville no último sábado (12/8) explicitaram como nunca antes a situação política dramática que os Estados Unidos vivem atualmente. Esta cidade do estado da Virginia foi palco de violentos choques entre grupos de extrema-direita e contra-manifestantes, que resultaram no assassinato de uma mulher, vítima de atropelamento intencional.
A marcha Unite the Right foi convocada por movimentos supremacistas brancos, neonazistas e milícias armadas para protestar contra a retirada de uma estátua de Robert E. Lee, comandante do exército dos Estados Confederados da América durante a Guerra Civil (1860-65). Em abril passado, a administração local aprovou um pedido para remover a peça do Emancipation Park, no centro de Charlottesville. Dois meses depois, quando a retirada estava para ser programada, uma liminar judicial paralisou o processo por 180 dias, e uma decisão final sobre o caso ainda está pendente.
Para grupos de defensores dos direitos civis, o enaltecimento público de figuras associadas à Confederação representa um acinte à comunidade negra norte-americana, já que os Estados do Sul se rebelaram contra o governo central, liderado então por Abraham Lincoln, para manter a escravidão de negros africanos, elemento vital para a economia rural da região na época.
Já para os descendentes dos antigos confederados, junto com grupos de extrema-direita, Lee e outras figuras confederadas são símbolos da honra dos estados sulistas derrotados na guerra e da defesa da raça e da religião da população branca norte-americana, em contraposição à miscigenação racial e ao cosmopolitismo dos estados do Norte – os Yankees. Hoje, existem mais de 12 mil monumentos públicos que celebram personalidades confederadas nos Estados Unidos, particularmente naqueles que compunham o grupo rebelde.
Desde maio, grupos de extrema-direita vêm organizando protestos contra a retirada da estátua de Lee em Charlottesville. Energizados pela presença de Donald J. Trump na Casa Branca, assessorado por diversos nomes amigáveis ao movimento, estes grupos programaram uma grande manifestação para o dia 12 de agosto, com a presença de personalidades como Richard Spencer, defensor da supremacia branca, e de David Duke, veterano do grupo terrorista Ku Klux Klan (KKK). Grupos com pautas racistas, anti-imigração, anti-direitos LGBT e antissemitas também se mobilizaram para participar da marcha em Charlottesville.
Durante algumas semanas, os organizadores da marcha e grupos contrários à realização do evento se enfrentaram na justiça para definir se a manifestação poderia efetivamente acontecer. Para os organizadores, o argumento central era o da livre expressão, garantida pela Primeira Emenda da Constituição norte-americana, que lhes reservava o direito de realizar a marcha e defender as ideias que quisessem. Para os opositores, a marcha daria espaço para o discurso de ódio contra minorias e outros grupos sociais, violando os direitos civis destas pessoas.
No final do dia 11, faltando algumas horas para o horário programado para começar a marcha, os organizadores conseguiram uma autorização parcial para realizar o ato, concentrado basicamente nos arredores do Emancipation Park. Os grupos opositores também foram autorizados a realizar uma contra-manifestação, num ponto mais distante do epicentro da marcha.
Entretanto, muitos manifestantes não esperaram pela autorização judicial para tomar as ruas de Charlottesville. Na noite de sexta, cerca de 100 pessoas marcharam pelo campus da Universidade da Virginia, cantando slogans da supremacia branca e do neo-nazismo, como “vidas brancas importam” (alusão ao movimento Black Lives Matter, que surgiu em 2015 como resposta aos episódios de violência policial contra negros em diversas cidades norte-americanas), “vocês não irão nos substituir” e “judeus não irão nos substituir”.
Além dos slogans raciais, muitos portavam tochas tiki acesas, marchando de modo ensaiado. A cena era carregada de um simbolismo inescapável. O fogo da marcha de tochas que tomou conta de Berlim na noite de 30 de janeiro de 1933 para celebrar a indicação de Hitler para a chefia do governo alemão, imortalizada pela máquina de propaganda nazista nos anos seguintes. O fogo da cruz incendiada que o KKK montava para impor o medo às comunidades negras no Sul dos Estados Unidos durante a era do Jim Crow, no auge da segregação racial.
A marcha
Logo pela manhã, manifestantes de extrema-direita se endereçaram para o Emancipation Park, ponto central da marcha. Repetindo os slogans cantados na madrugada, muitos deles portavam armas, facas e objetos que faziam alusão à parafernália das forças nazistas durante o Terceiro Reich alemão – entre eles, a infame bandeira vermelha com uma suástica preta sobre um círculo branco no meio. A saudação nazista, com o braço direito esticado e levantado para a frente do corpo, era feita sem qualquer reserva por alguns dos manifestantes, na frente das lentes das câmeras de televisão. Blood and soil, um slogan comum do nacionalismo alemão da virada dos séculos XIX para o XX (Blut und Boden) incorporado pelo nazismo nos anos 1930, também era repetido à exaustão.
Além dos uniformes e capacetes militares, outro item parecia fazer parte do código de vestimenta dos manifestantes: o hoje icônico boné vermelho com a frase Make America Great Again bordado de branco na frente. Alguns inclusive estavam vestidos ao estilo de Donald Trump nos (muitos) dias de folga que o presidente norte-americano tira para visitar seu resort em Mar-a-Lago, na Florida: calça caqui bege, camisa polo branca e o boné de sua campanha presidencial.
Contra-manifestantes também se mobilizavam perto de McGuffey Park e Justice Park, os dois pontos definidos pela justiça norte-americana para reunião pública dos opositores à marcha da extrema-direita. Sua composição era variada: desde defensores dos direitos civis e líderes dos movimentos negro e LGBT até anarquistas e anti-capitalistas. Muitos deles também exibiam armas brancas, como facas, barras de ferro e tacos de beisebol, preparados para possíveis confrontos com os participantes da marcha.
O primeiro choque aconteceu por volta do meio dia, pouco antes do início oficial do ato. Cerca de 1,5 mil pessoas se enfrentaram nas ruas do centro da cidade, com pelo menos 19 pessoas feridas. Em seguida, tanto o governo de Charlottesville quanto o do estado da Virginia declaram estado de emergência na cidade, temendo pela situação de segurança na região.
Poucas horas depois, o pior aconteceu: James Fields, um jovem de 20 anos de Ohio, jogou seu carro sobre um grupo de contra-manifestantes, ferindo quase duas dezenas e matando Heather D. Heyer, uma paralegal de 32 anos. Detido pelas autoridades logo após o atropelamento, Fields era conhecido pelos seus colegas de escola pelas visões simpáticas que nutria pelo nazismo alemão e Adolf Hitler.
No sábado pela manhã, ele foi fotografado portando um escudo com o logo da Vanguard America, uma organização supremacista branca que apoiou ativamente a marcha de Charlottesville. Posteriormente, o grupo divulgou nota lamentando a morte de Heyes e rejeitando qualquer conexão com Fields.
A reação
Os eventos em Charlottesville chocaram todo o país. Nas horas seguintes à morte de Heyer e de H. Jay Cullen e Berke Bates, dois policiais que sofreram um acidente de helicóptero durante a operação de segurança na cidade, líderes políticos democratas e republicanos, empresários e personalidades expressaram consternação pela manifestação aberta de símbolos e slogans neonazistas e pela violência que resultou em perda de vidas.
“Não podemos clamar que somos o partido de Lincoln se não condenarmos a supremacia branca”, defendeu Jeff Flake, senador republicano pelo Arizona. Para o também senador John McCain, veterano do Vietnã e candidato presidencial republicano em 2008, os “supremacistas brancos não são patriotas, mas sim traidores”. Outro republicano importante do Congresso, o presidente da Câmara Paul Ryan tweetou que “a supremacia branca é um flagelo” que aflige a democracia norte-americana. “Preconceito racial, ódio, discurso repugnante, marcha repulsiva, e assassinato – não é supremacia, é barbarismo”, tweetou Mitt Romney, outro republicano ex-candidato presidencial.
Do lado democrata, as manifestações contra a violência e o ódio em Charlottesville foram ainda mais contundentes. No Twitter, o ex-presidente Barack Obama lembrou uma famosa frase do ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela para condenar os supremacistas brancos e a extrema-direita. “Ninguém nasce odiando outra pessoa por causa da cor de sua pele, sua origem ou religião. As pessoas aprender a odiar, e se elas podem aprender a odiar, elas também podem ser ensinadas a amar”, escreveu Obama, em tweet que ganhou destaque nas horas seguintes e tornou-se o mais popular da história desta rede social.
A ex-secretária de Estado e candidata democrata derrotada à presidência no ano passado, Hillary Clinton, também se manifestou no Twitter. “Cada minuto que permitimos isto através do encorajamento tácito ou a inação é uma desgraça que corrói nossos valores”, escreveu Clinton. Seu marido, o ex-presidente Bill Clinton (1993-2001), disse que “mesmo que defendamos a livre expressão e reunião, nós devemos condenar o ódio, a violência e a supremacia branca”.
Os eventos em Charlottesville poderiam ter servido como catalisadores de uma concertação nacional, com os partidos políticos e a sociedade se unindo em torno da rejeição à barbárie da supremacia branca. Para os Estados Unidos, recém-saído de um processo eleitoral traumático e desgastante, isto poderia ter sido um bálsamo para a política nacional.
No entanto, poucas vezes se viu uma nação tão dividida e conflagrada como nos últimos dias. O motivo para isto tem nome, sobrenome e um vício inexplicável por manifestações bombásticas no Twitter: Donald J. Trump.
O presidente
Sempre afoito a se manifestar sobre praticamente tudo no Twitter, Trump manteve um distanciamento incomum de sua conta na rede social nas primeiras horas de crise em Charlottesville. No começo da tarde de sábado, o presidente pediu a união nacional contra o ódio. “Não existe espaço para este tipo de violência nos Estados Unidos. Vamos nos unir como um só”, disse Trump.
Horas depois, após a confirmação da morte de Heyes, o presidente norte-americano voltou à carga condenando, “nos termos mais fortes possíveis, este ato nefasto de ódio, intolerância e violência – em muitos lados. Em muitos lados”. A ênfase nos “muitos lados” e o fato de ele não citar nominalmente a responsabilidade de supremacistas brancos e neonazistas abriram margem para que Trump recebesse críticas pesadas de todos os lados. Mesmo na Fox News, emissora de notícias notória pela associação com os republicanos e pela simpatia ao presidente dos Estados Unidos, jornalistas e analistas criticaram a incapacidade de Trump condenar nominalmente os grupos responsáveis pela violência na Virginia.
Na segunda (14/8), após sofrer pressão de assessores e aliados republicanos no Congresso, Trump fez um pronunciamento mais contundente na Casa Branca. Dessa vez, ao invés de declarações ambíguas, o presidente condenou o racismo e chamou os grupos responsáveis pela violência – como o KKK, neonazistas, supremacistas brancos e outros – de “criminosos e bandidos” que são repugnantes ao espírito norte-americano.
A contundência de Trump durou menos de 24 horas. No dia seguinte, em uma coletiva improvisada no saguão da Trump Tower, em Nova York, que deveria ter servido para falar sobre os planos de infraestrutura do governo, o presidente afirmou que existiam “pessoas boas” entre os manifestantes de extrema-direita e distribuiu a culpa novamente entre os dois lados. “Ninguém quer dizer isto, mas eu digo agora mesmo: você tinha um grupo em um lado que veio pressionar sem permissão para isso e eles eram muito, muito violentos”, acusou Trump contra os opositores da marcha de supremacistas brancos.
Na coletiva, Trump condenou a pretensão de defensores de direitos civis e movimentos negros de se desfazer dos monumentos em homenagem aos líderes confederados nos estados do Sul. O presidente comparou Lee, comandante das forças rebeldes contra a União, com George Washington e Thomas Jefferson, dois dos principais “fundadores” dos Estados Unidos. Para Trump, não faz sentido destruir estátuas de líderes confederados só porque eles defendiam a escravidão, já que outras figuras históricas também tiveram escravos. Seria o caso então de também destruir as estátuas de Washington e Jefferson?
As declarações de Trump foram recebidas com consternação entre os partidos políticos, a imprensa e a maior parte do público norte-americano e com alegria pelos partidários de extrema-direita que ajudaram na sua eleição presidencial em 2016. “Agradeço ao presidente Trump pela sua honestidade e coragem de dizer a verdade sobre Charlottesville e condenar os terroristas de esquerda do Black Lives Matter e Antifa [grupo anti-fascistas]”, disse David Duke, o ex-líder do KKK que participou da marcha na Virginia.
A divisão
Muitos apontam Donald Trump como um vetor importante da divisão política dos Estados Unidos. No entanto, a vitória de Trump e sua emergência ao poder são sintomas de uma crise profunda entre os cidadãos norte-americanos, não o seu motivo.
Trump pavimentou seu caminho para a Casa Branca aproveitando um estado de tensão política, social e econômica que marca a vida norte-americana desde, pelo menos, a desastrosa campanha militar dos Estados Unidos no Iraque (2003-2011), liderada pelo ex-presidente George W. Bush na esteira da “Guerra contra o Terror”. A guerra dissipou o sentimento de união coletiva forjado depois dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001.
A crise financeira de 2008 agregou o aspecto econômico ao estado de desconforto coletivo no país. A corrosão do centro político, campo costurado pelos consensos econômicos entre republicanos e democratas a partir do começo dos anos 1990, permitiu que um jovem senador em primeiro mandato, praticamente um outsider da política norte-americana, obtivesse uma vitória histórica nas eleições presidenciais daquele ano – Barack Obama, o primeiro negro a ser eleito presidente dos Estados Unidos.
A vitória de Obama e a crise financeira deram vida a um debate que parecia adormecido desde meados dos anos 1970: a condição dos negros na sociedade norte-americana. Para muitos nos Estados Unidos, a eleição do primeiro presidente negro (que, durante a campanha, utilizou pouco este ponto retórico) parecia sinalizar que o país havia entrado num momento pós-direitos civis, de superação dos obstáculos ao progresso dos cidadãos negros.
No entanto, a era Obama deixou claro que os negros norte-americanos continuam sofrendo com o acesso desigual a oportunidades econômicas, amplificado pela crise, e a falta de atenção do poder público a suas necessidades. Pior, os episódios de violência policial desnecessária contra cidadãos negros em diversas cidades dos Estados Unidos e a impunidade das autoridades responsáveis reforçou a impressão de muitos na comunidade negra do país de que, aos olhos da polícia, eles são cidadãos de “segunda classe”, com vidas descartáveis. Daí a revolta dos últimos anos, representada pelo movimento Black Lives Matter.
Por outro lado, a presença de um negro de ascendência muçulmana na Casa Branca mexeu com os brios da parcela da população branca que ainda professa visões de natureza racial. Grupos de extrema-direita ganharam força, particularmente entre setores sociais afetados pela ansiedade da crise econômica, o que se refletiu nos caminhos do Partido Republicano – que, durante os anos Obama, enveredou-se numa oposição intransigente e radical contra o presidente democrata.
Grupos mais alienados sequer reconheciam que Obama fosse cidadão norte-americano nato. Os birthers, como foram chamados, defendiam que o ex-presidente teria nascido no Quênia ou na Indonésia e que era um muçulmano. Num exercício de contorcionismo lógico, buscavam conexões entre Obama e a Al-Qaeda, setores mais radicais do movimento negro (como os Panteras Negras), e os “globalistas”, líderes e instituições internacionais que teriam como propósito criar um governo mundial.
Entre os conspiracionistas, uma figura destacada – e bastante vocal, especialmente no Twitter – era um empresário bem-sucedido no setor imobiliário e de entretenimento dos Estados Unidos: Donald Trump. Em diversas ocasiões, Trump prometeu nas redes sociais revelar a “verdade” sobre Obama e cobrou publicamente o então presidente a apresentação de sua certidão de nascimento. Cada medida de Obama era recebida com críticas ácidas de Trump no Twitter, que por sua vez eram replicadas por seus seguidores.
Aos poucos, Trump foi se posicionando no tabuleiro político republicano, aproveitando sua experiência de comunicação e sua capacidade de autofinanciamento, sustentado principalmente pelas franjas mais radicais do partido. Acéfalo desde a derrota de 2008, sem lideranças claras que oferecessem alguma alternativa, o partido não teve outro caminho que não fosse abraçar Trump e tudo o que ele representava. O resto é história.
A dor e a superação
Manhã de quarta-feira, 16 de agosto, Charlottesville. Mais de mil pessoas participaram de uma cerimônia religiosa para celebrar a memória de Heather Heyer. Em meio à dor e à revolta, a mãe de Heyer, Susan Bro, fez o discurso que poucos líderes políticos conseguiram fazer – um chamamento genuíno para o diálogo e o entendimento.
“A verdade é que sempre teremos nossas diferenças. Nós vamos nos irritar uns com os outros. Mas precisamos canalizar essa raiva não para o ódio, a violência ou o medo, mas canalizar esta diferença e esta raiva para a ação justa”, disse Bro. “Não temos todos que sacrificar nossas vidas. Eles tentaram matar minha criança para silenciá-la. Bem, adivinhe? Vocês apenas a magnificaram”.
À noite, milhares de pessoas tomaram novamente as ruas da cidade – dessa vez, para uma marcha diferente. As expressões faciais agressivas deram espaço para lágrimas e sorrisos. Nas mãos, ao invés de bandeiras da Confederação e do Partido Nazista, retratos de Heyer e de outras vítimas do ódio racial.
Ao fundo, no lugar dos slogans de ódio, ouvia-se os versos de um dos hinos marcantes da luta contra a segregação racial e pelos direitos civis nos Estados Unidos nos anos 1960, We shall overcome.
(…) We are not afraid, today
Oh, deep in my heart
I do believe
We shall overcome, some day…
A cena melancólica era completada pela luz singela de velas acesas nas mãos das pessoas. Novamente, a dualidade do fogo: a chama que expõe o ódio cego é a mesma que representa a esperança de que, um dia, todos nós superaremos a dor e a divisão.