Levantamento aponta que, por conta da queima de combustível pesado nos navios de cruzeiro, a concentração de material particulado no ar durante as viagens marítimas é bem maior do que em uma rua movimentada – o que afeta diretamente a saúde de quem trabalha e viaja nesses verdadeiros “palácios” sobre a água
Luxo, beleza natural, culinária requintada, sol e mar. Para muitas pessoas, um bom cruzeiro marítimo é um sonho de consumo para as férias de verão, uma opção de lazer e turismo que vem se tornando cada vez mais popular, com trechos e passagens acessíveis, além de novas opções de navio.
No entanto, a sofisticação das viagens de cruzeiro não se reflete necessariamente na tecnologia utilizada para fazer os navios funcionarem em alto-mar. De acordo com levantamento feito pela ONG alemã União de Conservação da Natureza e Biodiversidade (Nabu, na sigla em alemão), o uso predominante de combustível fóssil pesado pelas embarcações resulta em impactos ambientais significativos com efeitos diretos sobre a qualidade de vida daqueles que viajam e trabalham nos “palácios flutuantes”.
O levantamento apontou que a concentração de material particulado no ar em viagens de cruzeiro pode chegar a 380 mil partes por metro cúbico, muito acima do que pode ser observado em ruas movimentadas nas grandes cidades do mundo (20 mil).
Um navio de porte médio, que queima até 150 toneladas de combustível por dia, emite a mesma quantidade de material particulado que um milhão de automóveis diários.
Como o combustível queimado por esses navios é um óleo pesado, que libera 100 vezes mais partículas de dióxido de enxofre (SO2) do que o diesel marinho e 3,5 mil vezes mais do que o diesel para carros, as emissões de SO2 decorrentes da operação de um grande navio de cruzeiro equivalem a 376 milhões de carros.
Resposta tímida das empresas
De acordo com a ONG, boa parte desse impacto poderia ser mitigada se a indústria de cruzeiros marítimos passasse a utilizar combustíveis mais limpos e instalassem filtros de partículas ou catalisadores SCR, tecnologias que já são padrão nos escapamentos de caminhões ou automóveis comuns.
No entanto, mesmo grandes empresas do setor, como a Costa, MSC e Royal Caribbean, respondem de maneira tímida ao desafio de reduzir os efeitos negativos de sua operação sobre o meio ambiente e a saúde de seus clientes e profissionais.
“O desempenho ambiental das empresas de cruzeiro é ruim, assim como sua atitude em relação à transparência”, aponta Dietmar Oeliger, chefe de política de transportes da Nabu. “No ano passado, o setor afirmou que 23 navios operariam com filtros de fuligem, mas até hoje não temos sequer um deles instalado e operando”.
No levantamento realizado pela NABU, apenas as empresas de cruzeiro Hapag-Lloyd e TUI receberam avaliação positiva de combate à poluição, por conta de avanços na instalação de catalisadores de óxido de nitrogênio. Este resultado é pouco para um setor que cresceu bastante nos últimos anos.
Segundo a Associação Internacional de Linhas de Cruzeiro (Clia, na sigla em inglês), o total de passageiros dos cruzeiros marítimos em todo o mundo aumentou 38,7% nos últimos sete anos, chegando a mais de 24 milhões de viajantes em 2016. Hoje, essa indústria mobiliza quase um milhão de trabalhadores diretos e indiretos e movimenta S$ 117 bilhões em todo o mundo.
Os impactos ambientais desse setor da indústria naval não são pequenos. Um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 2014 revelou que comunidades próximas ao porto de Long Beach, em Los Angeles, nos Estados Unidos, tinham taxas mais altas de asma, doenças cardíacas e depressão do que a média nacional, e relacionou as emissões portuárias com a ocorrência anual de 3,7 mil mortes na Califórnia.
Mais recentemente, um estudo conduzido por um grupo de pesquisadores do Finnish Meteorological Institute calculou que a operação naval é responsável por 3% das mortes anuais por poluição do ar nos Estados Unidos.
Poluentes como o dióxido de enxofre e o dióxido de nitrogênio podem causar sérios problemas ao sistema respiratório, além de resultar em impactos ambientais graves, como a acidificação do solo e da água, a eutrofização dos lagos e das áreas costeiras, além de danos aos ecossistemas marítimos.
Além dos impactos diretos sobre a saúde, a queima de combustível fóssil pelos navios de cruzeiro também contribui para o aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e, consequentemente, a mudança do clima global.
A indústria mundial de transporte marítimo de cargas e passageiros é uma das mais intensas em emissões de GEE, sendo responsável por entre 2% a 3% dos gases acumulados na atmosfera terrestre a cada ano. Estima-se que as emissões associadas a este setor possam crescer entre 50% e 250% até 2050. No entanto, a despeito de seu impacto, os compromissos para redução de emissões de carbono no setor são inócuos, já que as empresas continuam reticentes a qualquer ação.
“Apesar das mais variadas alegações de que os navios de cruzeiro estão mais ecológicos, a atitude da indústria em relação ao meio ambiente continua fraca”, argumenta Leif Miller, CEO da Nabu. “A falta de ação de empresas como Costa, MSC e Royal Caribbean para limpar suas operações ameaça seus clientes, os moradores das regiões portuárias e o clima global”.
Em resposta aos apontamentos feitos pelo levantamento, a Clia afirmou que a indústria investe crescentemente em tecnologia para proteger os oceanos e o ar. “A indústria reconhece a importância de investir em tecnologia naval inovadora para preservar o meio ambiente e providenciar uma experiência de viagem ecológica para nossos clientes”, disse Cindy D’Aoust, presidente e CEO da Associação, que reúne as principais empresas internacionais do setor de cruzeiros marítimos.
De acordo com a Clia, seus membros estão investindo mais de US$ 1 bilhão em tecnologia para reduzir as emissões de gases poluentes e de efeito estufa, aperfeiçoar os sistemas de tratamento de efluentes, instalar painéis solares para geração de energia limpa, além de sistemas mais eficientes de aquecimento, ventilação e refrigeração.