Para organizações da sociedade civil, as medidas recentes aprovadas pelo governo polonês, anfitrião da próxima Conferência do Clima, poderão impedir manifestações públicas e submeter ativistas ambientais à vigilância policial
Faltando pouco menos de nove meses para a Conferência do Clima de Katowice (COP 24), na Polônia, organizações da sociedade civil internacional afirmam estar bastante preocupadas com o ambiente potencial no qual as negociações em torno da implementação do Acordo de Paris acontecerão. Segundo essas organizações, o governo polonês busca formas de restringir possíveis manifestações públicas durante o encontro e, para isso, está ameaçando os direitos civis de ativistas ambientais nativos e estrangeiros.
No final de janeiro, o presidente polonês Andrzej Duda sancionou uma lei que determina uma série de medidas para “garantir a segurança e a ordem pública” durante a Conferência de Katowice. Dentre as medidas, a legislação inclui a proibição de reuniões públicas na cidade anfitriã da COP 24 durante a realização da Conferência.
A lei determina que apenas manifestações previamente registradas e autorizadas pela administração local poderão ser realizadas na cidade. Para tanto, as autoridades policiais terão o poder de coletar, obter, processar e usar informação, incluindo dados pessoais sobre as pessoas registradas como participantes da COP 24, ainda que sem seu conhecimento e consentimento efetivo. No entanto, a legislação não aponta claramente como as autoridades poderão realizar essas operações.
Uma possível fonte de informações seria o sistema de credenciamento da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês), no qual os participantes precisam informar seus nomes completos, data de nascimento, nacionalidade, número de passaporte e e-mail. No entanto, o sistema informa que as informações pessoais dos participantes não serão disponibilizadas para ninguém fora da Convenção.
Para a coalizão Asia Pacific Forum on Women, Law and Development (APWLD), a legislação aprovada pelo governo polonês abre um precedente perigoso que debilita direitos humanos básicos e liberdades fundamentais garantidas por compromissos regionais e internacionais, como a Convenção Europeia de Direitos Humanos, a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas.
“Um passo como este dá licença legal com impunidade a atores estatais e não estatais para intimidar e minar o trabalho de ativistas ambientais e de direitos humanos”, afirma a coalizão em nota, assinada por mais de 110 organizações da sociedade civil de todo o mundo.
“Eu participei e protestei em COPs no passado e nunca me senti tão ameaçada”, afirma Alma Sinumlag, membro da Cordillera Women’s Education Action Research Center (CWEARC), das Filipinas. “Estou profundamente preocupada com os riscos que ativistas ambientais, especialmente os defensores dos direitos das mulheres pobres no campo e na cidades e dos povos tradicionais, poderão enfrentar na COP 24 na Polônia”.
“Tememos que as negociações climáticas virem uma farsa se forem conduzidas em uma atmosfera de medo, ameaça e intimidação”, afirma Noele Nabulivou, ativista da Pacific Partnership on Gender, Climate Change and Sustainable Development, de Fiji. “Os povos do Pacífico já sofrem com as perdas e danos [decorrentes da mudança do clima]. Assim, a última coisa que queremos ver agora é um retrocesso nos compromissos governamentais no que diz respeito à liberdade cívica e ação climática”.
Em resposta ao portal Climate Home, o porta-voz da UNFCCC, Nick Nuttall, afirmou que desde os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 o compartilhamento de informação entre o Secretariado e o governo anfitrião da COP é prática comum por questões de segurança. Ele também reconheceu que o sistema de credenciamento da UNFCCC para as Conferências está defasado e não informa aos participantes o compartilhamento de informações pessoais com o governo anfitrião. Além disso, Nuttall reafirmou o apoio da UNFCCC ao direito a protestos e manifestações pacíficas dentro e fora dos espaços de conferência, sem comentar especificamente o caso polonês.
Conflito entre ambientalistas e governo
Desde o anúncio de que a Polônia sediaria a COP 24, a tensão entre organizações ambientalistas e o governo vem aumentando. No ano passado, os dois lados se enfrentaram na justiça europeia por causa da exploração comercial da floresta Bialowieza, localizada na fronteira com a Bielorússia. Patrimônio Natural pela Unesco, Bialowieza é uma das poucas florestas nativas na Europa, habitat natural de espécies como o bisão europeu.
No final de 2016, o governo polonês triplicou a cota de exploração madeireira na floresta. De acordo com as autoridades, a medida se justificaria pelo risco de infestação de um tipo de abelha e para reduzir a possibilidade de potenciais incêndios florestais. Entretanto, para alguns ambientalistas, o argumento oficial mascara interesses políticos e comerciais do PiS por trás da exploração madeireira de Bialowieza: a atividade poderia trazer recursos financeiros para a região, uma das mais pobres do país, o que facilitaria o apoio dos eleitores locais ao partido governista.
Ambientalistas desafiaram o governo polonês ao longo de 2017, com manifestações e ações diretas em Bialowieza para interromper o corte de árvores. Em julho passado, a pedido da Comissão Europeia, a Corte Europeia de Justiça (ECJ, sigla em inglês) ordenou liminarmente que a Polônia interrompesse imediatamente a exploração madeireira na floresta.
No mês passado, o advogado-geral da ECJ afirmou que a ampliação da exploração madeireira em Bialowieza por Varsóvia foi ilegal, já que ela ameaça o status de patrimônio natural da floresta, e pediu à Corte que rejeite o argumento do governo polonês. A decisão final deve sair nos próximos meses.
Liberdades civis sob risco na Polônia
Esta não será a primeira vez que a Polônia restringe a mobilização e os direitos de grupos não-governamentais. Um relatório recente da Human Rights Watch (HRW) aponta que as autoridades polonesas vêm modificando a legislação para apoiar manifestações favoráveis ao partido governista “Lei e Justiça” (PiS, sigla em polonês) e proibir demonstrações públicas contrárias. Nesse contexto, as agências estatais de segurança ganharam amplos poderes de vigilância sobre a população sem qualquer tipo de monitoramento ou autorização judicial.
No poder desde 2015, o partido vem implementando uma série de reformas no judiciário, no serviço civil, na mídia estatal e em outras áreas da vida pública, como direitos das mulheres – uma tentativa de restringir totalmente o aborto despertou protestos com milhares de pessoas em diversas cidades do país em janeiro passado.
Segundo a Anistia Internacional, as ações do governo liderado pelo PiS reflete um ambiente no qual o espaço para livre expressão pública é cada vez menor por conta de medidas repressivas (e, muitas vezes, ilegais) do Estado polonês.