Pesquisadores quantificam pela primeira vez pegada climática global do setor de viagens e descobrem que o turismo emite 8% do carbono do mundo; Brasil tem sexta maior participação
A imagem de sustentável do setor de viagens e turismo acaba de sofrer um golpe. Um grupo internacional de pesquisadores publicou nesta segunda-feira (7) o primeiro cálculo global da pegada de carbono desse ramo da economia, e traçou um quadro pouco edificante: o turismo responde por nada menos do que 8% das emissões de gases de efeito estufa da humanidade. Em apenas cinco anos, as emissões do setor cresceram 15%, de 3,9 bilhões para 4,5 bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente (CO2e).
Considerando o impacto no ciclo de vida e todas as atividades associadas, o turismo é proporcionalmente pior que a indústria para o clima. O chamado “multiplicador de carbono” da atividade, ou a quantidade de CO2 por dólar de consumo final, é de 1 kg para o turismo, contra 0,8 kg para a indústria e 0,7 kg para a construção civil.
“Existe uma noção popular de que o turismo é uma opção de desenvolvimento de baixo impacto e sem consumo”, escreveram os autores, liderados por Arunima Malik, da Universidade de Sydney, na Austrália. “Essa crença tem levado países a buscar projetos de desenvolvimento do turismo rápidos e em grande escala, em alguns casos tentando dobrar o número de visitantes num período curto. Nós mostramos que essa busca (…) vem com um ônus de carbono significativo, uma vez que o turismo é mais intensivo em carbono do que outras áreas.”
O que torna a conta climática das viagens tão salgada são, para começo de conversa, as próprias viagens: os transportes aéreos e terrestres têm um peso grande nas emissões do setor. Mas o que é emitido na produção da comida que alimenta os turistas e até das quinquilharias feitas na China que eles compram nas lojinhas de suvenir também entra na contabilidade.
Como esperado, os EUA são o gigante carbônico do setor, com cerca de 1 bilhão de toneladas de CO2 de pegada em 2013 – a maioria devida a viagens de americanos dentro do próprio país. Em seguida vem a China, cuja classe média em expansão tem viajado mais, mas que também se tornou um destino importante, em especial para o turismo de negócios. O Brasil ficou em sexto, com cerca de 200 milhões de toneladas de CO2 equivalente, obra e graça também das viagens domésticas da classe média (os dados são de antes de o país naufragar e a classe média voltar a andar de ônibus).
A maior pegada per capita, porém, é das insuspeitas Maldivas, um dos países mais vulneráveis do mundo ao aquecimento global. Com uma população pequena e um PIB quase inteiramente calçado no turismo internacional de luxo, o arquipélago emite por pessoa no setor mais do que os EUA.
Malik e colegas reconhecem no estudo, publicado no periódico Nature Climate Change, que o setor faz esforços para reduzir sua intensidade de carbono. O problema, dizem, é que o turismo se expande tão rápido no mundo (30% de crescimento nos gastos entre 2009 e 2013) que acaba atropelando as reduções na intensidade de carbono (da ordem de 13%).
Pior: a chamada elasticidade de PIB da pegada de carbono do turismo é maior do que 1. Traduzindo do economês para o português, o turismo é um bem demandado pela parcela mais rica da população e essa demanda não é saciada à medida que a renda cresce.
Os autores usam o exemplo do consumo de combustíveis no Brasil para ilustrar esse conceito: à medida que a classe média se expandiu, antes da recessão, o consumo de combustíveis – reflexo da compra de carros e motos – cresceu de forma desproporcional. Com as viagens um fenômeno análogo aparentemente está acontecendo, com economias emergentes assumindo porções crescentes da pegada de CO2.
“Uma vez que o turismo deve crescer mais do que outros setores da economia, a comunidade internacional pode considerar sua inclusão no futuro nos compromissos climáticos como o Acordo de Paris, alocando os voos internacionais a nações específicas”, disse Sun Ya-Yen, da Universidade Nacional Cheng Kung, em Taiwan, coautora do estudo.
Os pesquisadores também sugerem que as pessoas paguem mais por viagens aéreas de forma a neutralizar o carbono dos voos. Uma péssima ideia, na visão do ministro do Turismo do Brasil, Vinicius Lummertz.
“Aumentar o custo do transporte aéreo como forma de minimizar o impacto ambiental do setor não me parece um caminho correto. A medida pode tornar o setor de viagens um privilégio das camadas mais ricas da população sendo que lutamos por décadas para popularizar o avião como meio de transporte. Mais correto seria defender práticas de incentivo à pesquisa por soluções de transportes ou formas de propulsão alternativas que permitam minimizar o impacto do turismo na natureza.”
Ainda segundo Lummertz, o estudo “deixa de lado questões fundamentais”, como a contribuição do setor para a proteção ambiental por meio do ecoturismo e do turismo de aventura em áreas protegidas. “O turismo é um grande aliado na conservação do meio ambiente e na preservação de grandes áreas que ajudam a neutralizar o carbono.”
* Texto publicado originalmente no site do Observatório do Clima (OC)