A área ambiental tem a tarefa essencial de imprimir transformações positivas de forma multissetorial. Se a proposta prosperar, a sociedade vai conviver com um caos ainda maior, limitando as possibilidades futuras de manutenção e alcance dos patamares de qualidade de vida preconizada na Constituição Federal
A proposta de Jair Bolsonaro (PSL), favorito nas eleições presidenciais do próximo domingo (28), para o meio ambiente pode significar um enorme retrocesso em relação aos avanços obtidos pelo setor nas últimas décadas. Uma das ideias defendidas por Bolsonaro, como forma de reduzir o número de ministérios no país, é que a pasta de Meio Ambiente se transforme em um braço da Agricultura, tendo o status de uma secretaria.
Do ponto de vista de planejamento e gestão, é como se o condutor do veículo fosse privado da direção e se tornasse parte dos acessórios. A área ambiental tem a tarefa essencial de imprimir transformações positivas de forma multissetorial. O MMA tem sido, ao longo de décadas, sustentáculo independente para os limites ecológicos voltados a agricultura, indústria, ambientes marinhos e urbanos.
O desafio da transição para a sustentabilidade já é extremamente árduo no atual cenário e, por vezes, tem perdido o necessário timing para acompanhar novas diretrizes protetivas, de caráter científico e de avanços sociais, acordados pelo Brasil internacionalmente, no acompanhamento dos avanços civilizatórios sobre clima, direitos humanos, biodiversidade e ecossistemas.
A questão ambiental possui caráter multidisciplinar, com atuação de forma transformadora sobre os demais setores. Construir uma política de sustentabilidade é muito mais do que as atuais atribuições do Ministério da Agricultura. O meio ambiente tem papel no planejamento e gestão, interferindo nos fluxos econômicos com vistas à sustentabilidade. Deve atuar de forma autônoma e independente, já que seu foco é um novo paradigma, trazendo princípios de essência para a transformação do modelo civilizatório.
A proposta de Bolsonaro carece de motivação. É justificada por um conflito existente entre duas áreas ministeriais. Ora, o conflito é inerente à transformação, ao processo de adequação às premissas da sustentabilidade, sejam estas da agricultura, indústria, mineração, infraestrutura ou economia.
Trata-se de um processo de transformação permanente, onde o novo paradigma não é apenas o crescimento, mas sim sua qualificação como desenvolvimento, com sustentabilidade.
A Constituição Federal do Brasil determina a proteção do meio ambiente e a saudável qualidade de vida. Propor que conflitos sejam resolvidos tornando a lógica da sustentabilidade subalterna à lógica econômica do agronegócio é colocar a carroça na frente dos burros, serra abaixo. É o que comumente chamamos de dumping ambiental.
O Brasil não pode voltar atrás em suas conquistas sociais, perdendo um departamento governamental de status ministerial. O MMA cumpre imprescindível função de driver impulsionador dos processos de transição de um velho e desgastado modelo do business as usual para um modelo de responsabilidade socioambiental – o que exige seu fortalecimento e maior capacidade de interlocução em todos os setores do governo.
A pretensão de submeter à agricultura o meio ambiente, sufocando-o em vez de fortalecê-lo, seria fator contraditório à defesa dos bens públicos, elevando o número de conflitos e trazendo consequentemente a insegurança jurídica. É inaceitável para a sociedade brasileira o enfraquecimento do Ministério do Meio Ambiente. Se a proposta prosperar, a sociedade brasileira vai conviver com um caos ainda maior, limitando as possibilidades futuras de manutenção e alcance dos patamares da saudável qualidade de vida preconizada em nossa Constituição Federal.
*Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam) e conselheiro do Conama