É fundamental a participação maior do setor empresarial nessa questão, dotando a moto de um catalisador com durabilidade de no mínimo 60 mil km. Esse equipamento tem o custo de apenas 7% do valor da moto e poderá salvar vidas
Está em jogo no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) uma resolução que diz respeito à saúde dos brasileiros: a durabilidade dos catalisadores de motocicletas. Depois de decidir de forma insuficiente sobre os padrões de qualidade do ar no Brasil, onde ocorrem 51 mil mortes anuais em virtude da poluição, e de chancelar a demora das indústrias na alteração tecnológica de motores de veículos pesados à diesel, que só ocorrerá em 2023, o Conama passou a discutir agora a nova fase do Promot P5, que trata da atualização tecnológica das motocicletas.
Diante do atual perfil do Conama, com a maioria de membros do governo, e de um setor empresarial assíduo nas portas de gabinetes “choramingando” por benesses e pela tutela pública a seus interesses comerciais, mais uma vez a sociedade encontra-se em risco.
As motos poluem até cinco vezes mais que os automóveis, emitindo especialmente os compostos orgânicos voláteis, os hidrocarbonetos. Estes reagem na atmosfera com a insolação e provocam o “ozônio troposférico”, que em concentrações elevadas provocam sérios danos ao sistema respiratório. São Paulo e outras grandes cidades brasileiras apresentam com frequência altas concentrações desse poluente tóxico, maléfico à saúde pública e causador de internações hospitalares e mortes, especialmente em crianças e idosos.
Mesmo com catalisadores no escapamento das motos, que reduzem a emissão dos poluentes, os impactos continuam a ocorrer. Os fabricantes têm sido omissos ao utilizar nas motos os catalisadores baratos, de vida curta. Conseguiram aprovar em 2011, no Conama, uma norma que permitiu a adoção de durabilidade de catalisadores para apenas 18 mil km, sem levar a realidade brasileira de rodagem das motos, muito superior a isso.
Uma moto roda 12 mil km por ano, em média. Em 18 meses, a moto já gastou o catalisador, que perde sua função, e estará lançando toda a poluição na atmosfera. Os motoboys rodam muito mais, de 40 mil a 60 mil km por ano, ou seja, em menos de seis meses os catalisadores de vida curta já deixaram de funcionar.
A poluição decorrente é altíssima e quem paga a conta é a saúde pública. Para se ter uma ideia do volume do problema, o Brasil tem uma frota circulante de 26,5 milhões motocicletas, sendo 5,7 milhões no Estado de São Paulo, com 1,2 milhão na capital – e destas mais de 200 mil são utilizadas por profissionais de moto-frete.
Os fabricantes vêm entregando ao usuário e ao mercado brasileiro essas máquinas mal equipadas, que se tornam rapidamente muito poluidoras. Este sistema de obsolescência economiza, no processo de fabricação, um valor que vai para os bolsos da indústria. Se fizermos a conta do passivo ambiental gerado, os prejuízos à sociedade brasileira são incalculáveis – e foram ocasionados com o aval do Conama.
Depois de muitos alertas do Proam ao Conama, a matéria voltou à pauta da entidade com uma proposta insuficiente da ampliação de durabilidade para os catalisadores de 18 mil para 20 mil km. Se for aprovada, a poluição continuará e os problemas de saúde pública também.
O escapamento, onde fica o catalisador, dura em média 60 mil km. Sem a inspeção veicular para as motos, estamos fadados a assistir ao deterioramento relâmpago do sistema de controle de poluição, enquanto o escapamento exterior continua reluzente.
Não há inspeção regular, anual, para as motocicletas. O ideal é que os catalisadores saíssem de fábrica com uma durabilidade de no mínimo 60 mil km, ou seja, cinco anos para uso normal (12 mil km) e 1,5 ano para moto-frete (considerando aí a obrigatoriedade de inspeção para motos, visando controlar a reposição do conjunto catalisador-escapamento, onde os motoboys teriam um custo adicional de reposição obrigatória). Com isso, as mortes e as internações por poluição certamente diminuiriam em todas as áreas saturadas.
Em 2011, quando a resolução Conama 423/2011, que estabelecia a durabilidade dos catalisadores para motos, foi aprovada, apontamos a distorção da quilometragem que tomou por referência a mesma durabilidade do frio clima europeu – e, por assim dizer, sem motoboys.
Agora os fabricantes estão propondo no Conama, como pacote solução, uma espécie de alarme para a atual obsolescência, oferecendo aos usuários o “on board diagnosis”, ou OBD, que avisa sobre a deterioração dos equipamentos. A tecnologia é boa e necessária, mas não resolverá, na prática, o problema. Teremos que contar com o compromisso do usuário de que não fará o desligamento do sistema e de que deixará sua moto parada até regularizar o problema.
É improvável que isso ocorra. Segundo a Polícia Rodoviária Federal, 1 a cada 5 motoristas de caminhão com motor de tecnologia Euro 5 coloca dispositivos “piratas” ou desliga a chave geral para um “reboot”, enganando o sistema. Além disso, é preciso considerar que, quando a inspeção veicular funcionava para motos, a evasão era de aproximadamente 50%.
É ótimo que o OBD esteja a bordo e cumpra sua função. Mas é fundamental que haja uma participação maior do setor empresarial, dotando a moto de um catalisador com durabilidade para 60 mil km. Esse equipamento tem o custo de apenas 7% do valor da moto e poderá salvar vidas e poupar muito sofrimento às pessoas. Dessa forma, os fabricantes cumpririam com seu dever em proteger a saúde pública.
É preciso romper com esta velha fórmula, sem responsabilidade socioambiental, de transferir os custos para a sociedade. É preciso instituir a inspeção veicular de forma urgente para solucionar o problema da poluição veicular. Também é preciso romper com este modelo industrial ineficiente e que não pode ser tutelado por um Conama leniente e parcial, mas que responda aos comandos constitucionais em respeito aos direitos fundamentais da população.
*Membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)