Em média, cada família brasileira joga no lixo quase 130 quilos de comida por ano, informa pesquisa
Crise financeira, desemprego e empobrecimento escancarado de uma boa parcela da população não fazem diminuir o desperdício de alimentos no Brasil. Ao contrário, a redução do poder de compra das famílias contribui para o aumento das refeições preparadas em casa que, paradoxalmente, resulta em mais desperdício ainda, dado que os brasileiros tem uma arraigada propensão pela fartura à mesa – a famosa cultura do “é melhor sobrar do que faltar”. Ou seja, a economia pretendida acaba sendo mitigada por esse tipo comportamento, mais comum entre os povos latinos.
Uma pesquisa recém lançada sobre hábitos de consumo e desperdício de alimentos dentro do projeto Diálogos Setoriais União Europeia – Brasil, liderado pela Embrapa, com o apoio da Fundação Getulio Vargas (FGV), apurou entre as 1.764 famílias consultadas que as sobras de refeições anteriores são consideradas “comida dormida”, e o apreço à “comida fresquinha” contribui para o descarte de alimentos ainda próprios para o consumo.
Segundo o estudo, ter a despensa sempre abastecida é um traço cultural presente nas famílias brasileiras, mesmo as de classe média baixa, em cujo orçamento é dada prioridade à compra de alimentos. “O estoque abundante dá tranquilidade para essas famílias mas também pode contribuir para mais desperdício se as compras não forem bem planejadas”, diz o estudo.
As projeções sobre o tema também não são animadoras. Elas apontam que o desperdício tende a aumentar, principalmente em países em desenvolvimento, em função das mudanças nos padrões de consumo. “Se ações urgentes não forem colocadas em prática, até 2030 o desperdício global tende a aumentar para o equivalente a US$ 1,5 trilhão ante os atuais US$ 1,2 trilhão. Segundo o Boston Consulting Group (BCG) este montante equivale a 1,6 bilhão de toneladas de alimentos, o que corresponde a dez vezes a ilha de Manhattan (Nova York-EUA).
Essas projeções dão uma ideia do tamanho da dificuldade que será cumprir a meta do ODS 12.3, lançada pelo Desafio 2030 das Nações Unidas, de redução pela metade do desperdício de alimentos per capita mundial no período.
O relatório final da pesquisa, que pode ser acessado aqui, traz alguns casos europeus de combate ao desperdício de alimentos. Embora Holanda, Dinamarca, França e Inglaterra, países observados pelos pesquisadores, não tenham a mesma complexidade da cadeia agroalimentar brasileira, suas ações têm pontos em comum que podem ser adequados à realidade brasileira.
Entre observações nesse sentido, eles citaram a expansão de novos modelos de negócio, baseados em economia circular, que estão sendo estimulados pelo crescimento das start-ups e foodtechs. “Na Holanda, as indústrias estão transformando em produtos inovadores partes dos alimentos que seriam descartados no início da cadeia produtiva”, dizem os pesquisadores.
É o chamado upcycling, termo resultante da junção da partícula em inglês up com reciclagem, que significa gerar novos usos para matérias-primas que iriam para o lixo. “É um exemplo de solução ganha-ganha, pois reduz o impacto ambiental do descarte de alimentos, gera receita para o produtor e atende aos anseios do mercado consumidor por produtos sustentáveis”.
Veja os principais números levantados pela pesquisa:
- As famílias brasileiras desperdiçam, em média, 353 gramas de comida por dia. Ao final de um ano, cada família terá jogado fora 128,8 quilos de alimentos.
- Em termos per capita, esse desperdício representa 114 gramas diários. Ou seja, cada brasileiro põe no lixo, em média, 41,6 quilos de comida por ano.
- Das 1.764 famílias que participaram da pesquisa, 52% consideram importante ter fartura em casa; 77% consideram importante que a comida seja fresca; e 68% consideram importante que a despensa esteja cheia.
- No ranking dos alimentos com os maiores percentuais relativos ao total desperdiçado pela amostra pesquisada aparecem o arroz (22%), a carne bovina (20%), o feijão (16%) e o frango (15%). As hortaliças (4%) e as frutas (4%) estão entre os alimentos menos desperdiçados em relação à mesma amostra.
- Para 25% dos respondentes da pesquisa o importante na alimentação é “ter comida suficiente para todos na mesa”; para 22%, ter comida gostosa/saborosa; para 15%, evitar o desperdício; e para 14%, ter comida saudável. Os demais citaram: comida fresca, alimento não muito processado, preços baixos, baixas calorias, entre outras escolhas.
- 59% não dão importância se houver comida demais, mas por outro lado 94% afirmam ser importante evitar o desperdício.
- 77% das famílias preparam comida em casa duas ou mais vezes por dia.
- 61% das famílias fazem uma grande compra mensal de alimentos.