O desmantelamento e a fragilização das instâncias de gestão participativa, como pretende o governo, vão exatamente na contramão do que propõe o Acordo, que prevê acesso pleno à informação, à participação e à justiça ambiental
Os 100 dias do governo Bolsonaro mostraram um país ainda sem rumo, com problemas sérios na economia, na educação, na saúde, e falta de uma política clara para a retomada do crescimento econômico. Mas uma das áreas mais importantes para o Brasil e para a imagem nacional no exterior – o meio ambiente – pode sofrer um grave retrocesso caso não haja uma gestão competente e técnica dos órgãos ambientais. Passados mais de três meses do novo governo, o que se viu no Ministério do Meio Ambiente (MMA) e de seu titular, Ricardo Salles, foi uma série de equívocos, pouca transparência e tentativa de deixar de lado a participação da sociedade civil.
O Brasil demonstra ter perdido a bússola, ou o GPS, na área ambiental. O maior exemplo foi a reunião extraordinária do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), no final de março, presidida por Ricardo Salles, que culminou em ações fora do regimento interno e em restrições à participação de suplentes dos conselheiros nos debates. Fora as agressões a um suplente pelos seguranças.
A reunião teve um claro propósito de controlar a instância e tirar o poder de articulação dos conselheiros no Conama, um dos órgãos mais importantes criados pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981. Um possível desmonte e desvirtuamento do Conama, como sugeriu mais recentemente um ofício da Casa Civil enviado aos ministros, com o pedido de análise para possível extinção ou alterações nos conselhos participativos, é outro exemplo da perda de rumos dessa nova gestão no meio ambiente (leia mais aqui e em quadro abaixo).
Perde-se o rumo quando deixamos de ter referências corretas. Os fatos demonstram que o governo está na contramão de recentes decisões em todo o mundo – e particularmente dos países da América Latina e Caribe, incluindo o Brasil, que em setembro de 2018 ratificou o Acordo Regional sobre o Acesso à Informação, à Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais, também conhecido como Acordo de Escazú. O documento oferece aos países e sociedades uma plataforma pioneira para avançar rumo ao acesso pleno à informação, à participação, além da consulta e justiça ambiental.
O desmantelamento e fragilização das instâncias de gestão participativa, como pretende o governo Bolsonaro, são exatamente o oposto do que propõe o acordo e destruirão os meios de controle social e a transparência administrativa. O acordo “busca assegurar que todas as pessoas tenham acesso a informação oportuna e confiável, possam participar de maneira efetiva nas decisões que afetam suas vidas e seu ambiente e tenham acesso à justiça em assuntos ambientais, contribuindo assim para o cumprimento da Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, afirmam as Nações Unidas.
O Acordo de Escazú é um marco para a gestão do meio ambiente e precisa ser respeitado também pelo Brasil, um dos signatários. Mediante a aprovação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, os Estados Membros das Nações Unidas traçaram, por meio desse novo acordo, o caminho para uma maior dignidade, prosperidade e sustentabilidade para as pessoas e o planeta, e se comprometeram a não deixar ninguém para trás. É lamentável que o Brasil possa demonstrar perspectivas de perdas na gestão participativa, o que é, considerando-se a proibição do retrocesso em matéria ambiental, inconstitucional.
*Presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam) e conselheiro do Conama
Ambientalistas criticam extinção de conselhos determinada pelo governo
A decisão do governo de revogar a maior parte dos conselhos federais, conforme decreto assinado pelo presidente Bolsonaro nesta semana, está causando grande preocupação entre ambientalistas, que participam de vários órgãos como representantes da sociedade civil. A intenção do governo é passar um pente-fino nos cerca de 700 conselhos hoje existentes, reduzindo para no máximo 50, tendo como justificativa a necessidade de contenção de gastos e a inoperância, porque teriam sido criados pelo os governos do PT.
O Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que trabalha na definição de políticas públicas para o setor, é um dos que está ameaçado de extinção. Segundo o ambientalista Carlos Bocuhy, conselheiro do Conama, “com essa medida, o governo está entrando no pântano da insegurança jurídica, porque é uma forma de tentar revogar a Constituição por decreto”. Ele lembra que as garantias de participação popular, por meio dos conselhos, são constitucionais e estão contempladas no capítulo 225 da Carta Magna.
Além disso, Bocuhy afirma que “a medida do governo carece de motivação e justificativa, apresentando-se de forma superficial e ideológica, sem apresentar dados, números, muito menos critérios para uma efetiva avaliação do funcionamento dos conselhos”.