O Snuc e os sistemas estaduais de conservação ainda não mobilizaram proprietários privados para conservar suas áreas além do que prevê o Código Florestal. Se fosse possível reunir em corredores de biodiversidade apenas algumas das APP e RL das propriedades da região, alcançaríamos um conjunto maior que as áreas públicas
É insignificante o número de propriedades privadas com áreas protegidas na Amazônia, registradas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc). Além das obrigações legais estabelecidas no Código Florestal – Reservas Legais (RL) e Áreas de Proteção Permanente (APP) –, há somente 47 propriedades, totalizando menos de 50 mil hectares, como Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) federais. Diante das dimensões do bioma Amazônia (419 milhões de hectares) esta área é um grão de pólen (0,011%).
Somente os estados do Amazonas e de Mato Grosso preveem RPPNs estaduais, e o Pará discute há anos o seu Sistema Estadual. Entre os mais de 755 municípios da região, apenas Manaus possibilita RPPNs municipais.
No Snuc há outras categorias para áreas privadas, como a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) também criada no Amazonas; e a Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie). As Arie foram criadas antes do Snucs e, após sua regulamentação, somente a de Japiim-Pentecostes foi criada pelo Acre – aliás, a única Arie estadual.
Amazonas e Mato Grosso criaram mecanismos alternativos – a Reserva Privada de Desenvolvimento Sustentável (RPDS), permitindo comunidades tradicionais e o manejo de recursos naturais não madeireiros, tanto por comunidades como por empresas e famílias. Mas somente um proprietário no Amazonas se interessou por esta modalidade.
Conclui-se que, até hoje, o Snuc e os sistemas estaduais não foram suficientes para mobilizar proprietários privados para conservar suas áreas além do que prevê o Código Florestal, por meio das Reservas Legais (RL) e Áreas de Preservação Permanente (APPs).
Entretanto, estamos diante do maior desafio de conservação do planeta, considerando que Amazônia reúne um conjunto de florestas tropicais do planeta com mais de 224 tipos de ecossistemas diversos, além de distintos territórios aquáticos, com altos índices de endemismo, ou seja, com espécies só encontradas naquele local. Para William Overal, mais de 70% das espécies amazônicas de invertebrados ainda não possuem nome científico. E os invertebrados (vermes, insetos, moluscos etc.) representam 95% das espécies animais.
Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o bioma amazônico tem 20% de sua área protegida por UCs federais, estaduais e municipais. Área equivalente é protegida por reservas indígenas, ou seja, cerca de 40% está protegida, pelo menos no papel. Porém, nem sempre as áreas públicas protegem de forma adequada os diferentes ecossistemas. A questão mais crítica está na Amazônia Maranhense e Nordeste Paraense, que compõem o Centro de Endemismo Belém.
O Museu Paraense Emílio Goeldi e a Conservação Internacional dividiram a Amazônia em oito Centros de Endemismos (ver mapa abaixo). Segundo Arlete Almeida, o Centro de Endemismo Belém, com 24,3 milhões de hectares – o equivalente ao estado de São Paulo – possui menos de 27,98% de cobertura vegetal original, e é a região mais impactada pela ação humana, onde se corre sério risco de colapso da biodiversidade.
Centros de Endemismo da Amazônia:
Fonte: Conservação Internacional, 2005
Centenas de espécies de flora demandam proteção, 70% das espécies de mamíferos de médio e grande porte estão ameaçados, e das 46 espécies de aves ameaçadas de extinção na Amazônia, mais de 50% estão presentes. Entre as recomendações de Arlete Almeida e outros pesquisadores, está a proteção dos fragmentos existentes nas áreas endêmicas.
As Unidades de Conservação de proteção integral e as Terras Indígenas juntas não alcançam 3 milhões de hectares , enquanto os poucos fragmentos de floresta primária e secundária estão em propriedades privadas. Certamente, se reunirmos em corredores de biodiversidade apenas algumas das APP e RL das propriedades da região, alcançaríamos um conjunto maior que as áreas públicas.
Esta parceria seria de importância global e grande impacto para a conservação da biodiversidade e a sustentabilidade, unindo esforços de proprietários de diferentes dimensões.
A parceria também seria altamente vantajosa para as grandes e médias propriedades estabelecerem compromissos de conservação em pactos conjuntos e, na medida do possível, alinhados ao que propõe o Snuc. Afinal, declara-se publicamente o propósito, além de permitir incorporar o valor da biodiversidade e outros serviços ambientais como parte de seu patrimônio permanente, tal qual demonstram o Instituto Life, Biofílica e outros.
A recomendação é unir esforços de empresas, academia e poder público do Maranhão e Pará para parcerias em prol de corredores de biodiversidade e outras iniciativas, protegendo ecossistemas críticos do Centro de Endemismo Belém (mapa abaixo). Entre os primeiros passos está o de criar um grupo de trabalho público-privado e iniciar um cadastro voluntário de propriedades, de diferentes portes, especialmente nas regiões mais críticas.
* João Meirelles Filho, escritor e diretor do Instituto Peabiru. Coordenou com Clóvis Borges a obra Patrimônio Natural Privado do Brasil (Editora Metalivros) e tratou desta questão no capítulo sobre a Amazônia.