A tentativa sumária de liquidar com os conselhos participativos foi um cochilo da razão, mas os elementos de reflexão estão consolidados em nossos instrumentos do Estado Democrático de Direito.
Nos últimos dois milênios, o conceito sobre democracia participativa tem avançado. Em nossa sociedade estão consolidados os valores éticos e constitucionais sobre a participação social, como elemento de controle público e de transparência sobre as políticas setoriais estatais.
Mesmo com esses avanços sobre democracia e gestão pública, o governo Bolsonaro vem agindo com o intuito de eliminar os instrumentos democráticos nesse campo, instaurados ao longo de décadas no Brasil. O exagero e generalização cometidos pelo governo são notórios. Ao pregar o controle de uma ideologização que não existe na participação social, defende uma postura ditatorial, ideologicamente perniciosa e inconstitucional.
O fato é que os conselhos federais com a participação social hoje existentes já sofrem de insuficiência democrática. O discurso do governo não se respalda na prática, ao usar de forma exagerada, autoritária e irresponsável, um golpe de caneta para decretar a extinção genérica da incipiente gestão participativa instaurada no Brasil.
O fortalecimento e a capacitação dos conselhos é que trarão mais eficácia e transparência para a gestão pública.
A postura atual do governo só levará a um mal maior. Por exemplo, quem conhece o modus operandi dos conselhos ambientais sabe que o equilíbrio das decisões depende da justa contraposição entre os interesses difusos e os interesses econômicos. Sem este equilíbrio, os danos ambientais ocorrerão para favorecer o lucro, sem componentes sociais essenciais, desguarnecendo a saúde pública e a proteção do meio ambiente. O mesmo deve ocorrer em outras áreas setoriais, onde a participação social deve priorizar o público sobre o privado.
A tentativa sumária de liquidar com os conselhos participativos foi um cochilo da razão, rechaçado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que demostrou como nossos instrumentos democráticos estão maduros. Demonstrou ainda que, se o governo continuar nessa esteira, estará fadado a uma maior fragilização perante a lei e a opinião pública.
O cochilo da democracia produz monstros, mas os elementos de reflexão estão consolidados em nossos instrumentos do Estado Democrático de Direito. Assistimos na decisão do STF a demonstração de que a participação social e a transparência são fundamentais, sendo respaldadas pela nossa Constituição e em acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário, como o recente Acordo de Escazú.
Não é só a extinção dos conselhos que preocupa, mas também as manobras para sua neutralização. Ao reduzir proporcionalmente a pequena participação da sociedade civil no Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) e aumentar os votos governamentais, o governo produziu notório retrocesso, excluindo atores importantes como a comunidade científica e os movimentos sociais. Além disso, fragilizou a representação social com mandatos-relâmpago de um ano e com eleições por sorteio, impossibilitando o segmento da sociedade civil de se organizar e decidir sobre quem serão seus representantes. Eliminou assim os meios democráticos de representação e articulação.
É inaceitável submeter a democracia a uma letargia estatal, com a eliminação, manipulação e retrocesso nos meios de participação social. Nesse sentido, é muito importante que a sociedade brasileira possa contar com o eficaz antídoto do STF para a garantia de seus direitos fundamentais.
*Presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam) e membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama)