Os mercados aceitarão cada vez menos o poder concorrencial dos baixos preços. E exigirão cada vez mais as informações detalhadas das bases socioambientais de nossa produção agropecuária e mineral
Por Ricardo Abramovay*
A mais importante consequência da Revolução Digital sobre a vida econômica é que os preços são substituídos pelos dados como vetores fundamentais de funcionamento dos mercados. Basta pensar nas corporações mais valiosas do mundo como Facebook, Google, Netflix e Spotify. No caso do Facebook e do Google, não é dinheiro que seus bilhões de usuários oferecem como contrapartida aos serviços que recebem. E mesmo que o Spotify e a Netflix possuam modalidades pagas, seu funcionamento depende da capacidade de conhecer de forma minuciosa as preferências de seus usuários.
Nesses casos, o produto oferecido dissocia-se do preço pago. Diferentemente do que ocorria nas transações convencionais dos mercados, essas preferências não se exprimem naquilo que se compra e se vende. Elas estão contidas na própria utilização das plataformas de acesso aos serviços e o valor dessas plataformas aumenta conforme crescem as informações sobre seus consumidores.
Mas essa característica não atinge apenas o mundo da cultura e da comunicação. É o conjunto dos mercados de bens e serviços contemporâneos que está operando e vai operar cada vez mais com base no gigantesco conjunto de informações que cada um de nós produz, nas mais diferentes e corriqueiras atividades cotidianas.
A Technology Quarterly da revista The Economist, publicada em setembro, prevê: “A Internet das Coisas vai levar o modelo de negócios da internet para o resto do mundo”. O mundo real (os automóveis, os televisores, os domicílios, as aeronaves) opera voltado à produção de dados, tanto quanto o fizeram até aqui as plataformas digitais. Nas empresas de aviação, mostra a Economist, os programadores têm papel tão importante quanto os engenheiros.
Para Viktor Mayer-Schönberger e Thomas Ramge, está aberto o caminho pelo qual, como sugere o título de seu livro, o capitalismo poderá ser reinventado. A opacidade característica de uma economia mercantil, em que as informações que usamos para tomar decisões estão condensadas em uma métrica que esconde mais que revela – os preços –, pode ser substituída por informações precisas não só sobre o que o consumidor deseja, mas sobre os métodos de produção daquilo que ele vai comprar.
[Reinventing Capitalism in the Age of Big Data. New York. Basic Books, 2018]
Os mercados ricos em informação estão moldando todas as modalidades de mercado. Com a chegada da Internet das Coisas, com a conexão dos mais elementares objetos da vida cotidiana (da frigideira ao ar condicionado, do automóvel à câmera de segurança dos imóveis), a massa de dados passível de oferecer perfis precisos sobre as demandas das pessoas e, por vezes, até de antecipar essa demanda, será cada vez maior. Mais importante que a estonteante rapidez da informação é que os dados vão alimentando sistemas que aprendem a identificar nossas preferências e a oferecer o que desejamos. Na economia de dados, as preferências são conhecidas diretamente, e não deduzidas a partir dos preços e das compras.
Isso significa que, diferentemente dos mercados convencionais, os mercados do século XXI vão operar cada vez mais com base em informações detalhadas não só sobre as preferências dos consumidores, mas também sobre as condições em que os produtos são oferecidos. Em vez de vender o mais barato possível, a concorrência vai no sentido de oferecer precisamente aquilo que o comprador deseja e se exprime na massa de informações que sua vida cotidiana expõe pelo uso de dispositivos digitais.
Os líderes dos mercados globais deste século não serão os campeões de produtos baratos e sim aqueles que conseguirem vincular o que vendem a informações que os preços, por si só, não revelam, mas que a profusão de dados vinculada aos avanços tecnológicos atuais torna disponível.
Países como o Brasil, cuja inserção no comércio internacional depende fundamentalmente de commodities, enfrentam, neste contexto, um duplo desafio. O primeiro consiste em ampliar as exportações de produtos com alto valor agregado. O segundo refere-se à própria exportação de commodities. Os mercados aceitarão cada vez menos o poder concorrencial dos baixos preços como o fator decisivo para que nossos produtos sejam comprados.
Os boicotes já anunciados aos produtos brasileiros em virtude dos incêndios e do desmatamento ilegal na Amazônia não podem ser vistos como formas disfarçadas de barreiras não tarifárias. Os compradores de commodities vão tornar-se ainda mais exigentes, requerendo um conhecimento pormenorizado das bases socioambientais de nossa produção agropecuária e mineral. Para a criminalidade esta é uma péssima notícia. Para empresários, organizações da sociedade civil e a cidadania em geral, representa um caminho para vencer o atraso e colocar o Brasil na economia da informação em rede.
*Professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP – Twitter: @abramovay – www.ricardoabramovay.com