A atual pandemia traz ao menos quatro aprendizados para governos, empresas e sociedades que podem ser aplicados para a crise climática: implicações do desequilíbrio ecossistêmico, consciência de que compartilhamos um mundo comum, necessidade de instituições e governança fortes, e capacidade de adaptação
Desequilíbrio ecossistêmico por trás de pandemias
Diversos estudos científicos relacionam o aumento de epidemias e pandemias com o desequilíbrio dos ecossistemas, decorrente da intensificação da agricultura, desmatamento e crescente urbanização que aproximam as pessoas dos animais. Outros fatores impulsionados pela atividade humana, incluem redução e fragmentação de habitats, poluição, e mudanças climáticas.
Cerca de 70% das doenças infecciosas emergentes em humanos são de origem zoonótica – o que significa que são transmitidas de animais para pessoas – e quase 1,7 milhão de vírus não descobertos podem existir na vida selvagem. O novo coronavírus, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), é prova disso, sendo decorrente da degradação ambiental.
Hábitats degradados podem levar a processos evolutivos mais rápidos e propagação de vírus e bactérias em rebanhos e seres humanos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que há indícios científicos de que os morcegos são os prováveis transmissores do Covid-19, possivelmente por meio de um hospedeiro intermediário (animal doméstico ou selvagem).
Consciência de que compartilhamos um mundo comum
A crise sanitária do Covid-19 mostra que a busca por soluções para gerir o risco global de saúde demanda cooperação, ciência, tecnologia e inovação. A complexidade do problema, baseado em incerteza e sem solução no curto prazo por meio da criação de uma vacina, requer evidências científicas e cooperação de diversos atores nas esferas governamental e privada, incluindo universidades, mercado e sociedade civil organizada.
Em mudança climática não é diferente. Trata-se de um problema complexo, global, baseado em incertezas, e que requer evidências científicas e cooperação nos diversos níveis (internacional, regional, nacional, e local) para o enfrentamento das consequências do aquecimento global. Inovações disruptivas e novos padrões de produção e consumo são necessários para reduzir as emissões dos gases causadores do efeito estufa.
A governança frágil desencadeia várias crises
A pandemia mostra que é preciso governança e arranjos de implementação sólidos em políticas públicas para garantir o bem-estar humano. Países que têm governança e instituições fortes estão superando melhor os desafios da crise sanitária, como é o caso da Alemanha e da Nova Zelândia. Já no Brasil, estamos vivendo várias crises simultaneamente: sanitária, política, geopolítica, econômica, moral e de direitos humanos.
Embora o Congresso Brasileiro tenha empreendido esforços para aprovar medidas econômicas para ajudar indivíduos, empresas, estados e municípios, estas são insuficientes para assegurar a geração de renda de milhões de indivíduos e o bem-estar humano.
O “apartheid social” fica mais evidente ainda com as desigualdades no acesso a serviços de saúde, educação e saneamento básico na ausência de um sólido Estado de Bem-estar Social. A crise climática tem suas similaridades, pois se trata de um problema com implicações econômicas, ambientais e sociais, em que os mais vulneráveis serão os mais impactados. Ações de mitigação e adaptação são necessárias.
A “normalidade” pode ser alterada rapidamente
A crise do Covid-19 mostra que o despertar da consciência pode acontecer rapidamente quando nos deparamos com uma crise. A necessidade de distanciamento social trouxe uma nova realidade nas relações de trabalho e pessoais, que tem sido benéfica para reduzir as emissões e melhorar a qualidade do ar. Nossa rápida adaptação aos meios de comunicação virtuais no trabalho e ensino remotos trazem benefícios para a qualidade de vida e mitigação da mudança climática com a redução da queima de combustíveis fósseis.
O Covid-19 nos leva a um mundo mais coletivo, possivelmente mais solidário e empático. Isso é evidenciando por meio de doações empresariais para o enfrentamento da crise, como é o caso da doação de R$ 1 bilhão do Itaú Unibanco, e da mobilização de coletivos em comunidades de baixa renda, e o fomento e valorização do comércio local. Uma vida mais frugal, com menos consumo e emissões.
A crise do novo coronavírus deve durar alguns anos; a crise climática, séculos. Ambas vão transformar radicalmente economias, e demandar cooperação internacional, ciência, tecnologia e inovação. Precisamos de instituições fortes, protocolos internacionais e governança para lidar com suas incertezas.
Espera-se que os novos paradigmas da sociedade levem a humanidade a um novo patamar de equilíbrio e bem-estar baseado nos princípios do desenvolvimento sustentável.
*Vanessa C. Pinsky, coordenadora adjunta e professora doutora na FIA, é pesquisadora associada ao Programa de Pós-graduação em Administração na FEA-USP
[Foto Aaron Burden/ Unsplash]