O RenovaBio, programa que prevê a descarbonização do setor de biocombustíveis, sofre os efeitos da pandemia de Covid-19 antes mesmo de decolar. Com o isolamento social e menor circulação, a demanda caiu e as metas estabelecidas para o ano de 2020 deverão ser revistas
O RenovaBio, instituído pela Política Nacional de Biocombustíveis (Lei nº 13.576/2017), possui como objetivo central a renovação da matriz energética brasileira, por meio da regulamentação da expansão da produção de biocombustíveis no Brasil, bem como o cumprimento das metas de redução de emissão de gases causadores do efeito estufa assumidas pelo Brasil no Acordo de Paris.
O funcionamento operacional do programa consiste, em suma, no estabelecimento de metas anuais compulsórias de descarbonização para os distribuidores de combustíveis, que deverão ser cumpridas por meio da compra dos chamados Créditos de Descarbonização – CBIOs. Os CBIOs, por sua vez, serão emitidos e negociados na Bolsa de Valores pelos produtores ou importadores de biocombustíveis, mediante aprovação no sistema da Certificação da Produção ou Importação Eficiente de Biocombustíveis.
Mas o programa, que entrou em vigor na última semana do ano de 2019, já sofreu as consequências da crise mundial ocasionada pela pandemia da Covid-19, antes mesmo de decolar.
Para o setor dos combustíveis, com o avanço da pandemia e a prorrogação das medidas de distanciamento social, a consequente diminuição da circulação de pessoas e padrão de consumo se traduzem em uma alteração expressiva na demanda, o que já vem sendo sentido pelas distribuidoras, assim como pelas produtoras e importadoras de biocombustíveis, diante dos reflexos em toda a cadeia produtiva, desde a fabricação até a comercialização de tais insumos.
Diante deste cenário, já foi possível notar a movimentação do mercado, sendo pleiteadas junto ao Ministério de Minas e Energia (MME) a suspensão ou redução das metas individuais das distribuidoras de combustíveis fósseis para o ano de 2020. Por consequência, o MME já se posicionou por meio de nota própria publicada em 24 de abril, comprometendo-se a promover uma rediscussão das metas de descarbonização estabelecidas para o ano de 2020.
Entretanto, ainda não foi publicada nenhuma alteração. Até por isso, a comercialização dos CBios foi iniciada pela Brasil, Bolsa, Balcão (B3) em 27 de abril, conforme anúncio feito pelo MME. Dessa forma, embora exista a probabilidade de que o RenovaBio venha a sofrer alterações em decorrência da crise no setor, tal fato permite que as distribuidoras já possam começar a aquisição de seus CBios.
Apesar do anseio gerado pelo início da comercialização dos CBios, segundo informações disponibilizadas pela B3, até a presente data, nenhum dos 582.912 títulos registrados chegou efetivamente a ser comercializado, o que demonstra não apenas o período de crise sofrido pelas distribuidoras, mas também a expectativa do setor com a promessa de revisão das metas, conforme anúncio do MME.
Na nossa visão, o programa passará por alguns desafios nos próximos meses, quando deverá ser conciliada a implantação do RenovaBio e de suas metas de descarbonização junto à retomada do setor, pois, considerando o atual cenário, manter a obrigação de aquisição de CBios para as distribuidoras de combustíveis tal qual estava previsto poderá representar uma carga onerosa excessiva, capaz de desestabilizar ainda mais a saúde econômica destas empresas e de colocar em risco o próprio sucesso do programa a longo prazo.
Da mesma forma, por parte dos produtores e importadores de biocombustíveis, mesmo que o RenovaBio signifique possível aumento da receita para estes agentes, a baixa na produção e no consumo dos biocombustíveis, bem como a incerteza quanto aos reais impactos da pandemia na economia nacional e mundial, impossibilitam estimar se haverá produção suficiente de biocombustíveis para que sejam gerados créditos suficientes para atender à demanda de CBios, necessária para o cumprimento do programa.
Portanto, na hipótese de o programa ser mantido em seus termos atuais, suas barreiras serão enormes, pois, além dos aspectos relacionados às questões de mercado, as distribuidoras terão de prever investimentos para a aquisição de CBios ou arcar com sanções em decorrência do não atendimento das metas; e, de outro lado, deverá haver a garantia que a produção de biocombustíveis não seja reduzida ou interrompida, possibilitando a contínua emissão de CBios.
*Renata Castanho possui 20 anos de atuação no Direito Ambiental, desenvolvendo atividades de assessoria jurídica e institucional nas áreas contenciosa e consultiva, nas esferas cível e administrativa. Também é docente na disciplina Direito Ambiental do curso de pós-graduação em Gestão Ambiental promovido pela Poli/USP
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