Este artigo integra o “Especial 10 anos da PNRS”,
uma série de conteúdos produzida pela Página22
em parceria com a Coca-Cola
A Política Nacional de Resíduos Sólidos é uma lei moderna e avançada, mas as dificuldades de implementação persistem. A definição de instrumentos econômicos será decisiva para ampliar o parque reciclador nacional e aumentar a reciclagem no País
Faz 10 anos que a sociedade brasileira dispõe de um marco legal para fazer frente a um dos maiores problemas do planeta: o lixo urbano. Só no Brasil, em 2018, foram geradas 79 milhões de toneladas de resíduos, ou seja, mais de 1 quilo por habitante, por dia. Mas, depois de uma década de vigência, quais as lições aprendidas que nos auxiliarão a impulsionar a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS)?
A primeira delas, sendo mais uma reafirmação de nossa convicção, é que a PNRS é uma lei moderna, que foi aprovada após amplo debate com governo, universidades, setor produtivo e entidades civis. É revolucionária em termos ambientais, pois tem como foco a diminuição do uso de recursos naturais – totalmente alinhada aos preceitos da economia circular.
Há nela conceitos que à época eram considerados muito avançados, mas que o tempo foi consolidando, dando a certeza de que fizemos a escolha certa ao adotar determinados princípios. O da Responsabilidade Compartilhada, que distribui a obrigação de fazer entre o estado, a sociedade e o setor produtivo. O da coleta seletiva, que além de alimentar a cadeia da reciclagem, funciona como um processo de educação ambiental, sensibilizando a comunidade sobre o problema do desperdício de recursos naturais. O do viés social da reciclagem, com participação formal dos catadores organizados em cooperativas e o da Logística Reversa, que se baseia no ciclo de vida dos produtos e impulsiona, por meio dos acordos setoriais, o retorno dos produtos às indústrias após o consumo.
A segunda lição está relacionada com a necessidade do contínuo engajamento e da implantação de políticas públicas, em nível federal, estadual e municipal, voltadas ao desenvolvimento do mercado de reciclagem, com mais investimentos e inovações.
Na sequência à aprovação da Lei, o engajamento do setor produtivo se consolidou com a articulação em torno da chamada Coalizão Embalagens, o acordo setorial assinado, em 2015, entre Ministério do Meio Ambiente e Setor de Embalagens, propondo e estruturando a logística reversa desses materiais de largo consumo no cotidiano. Os resultados da primeira fase do acordo, concluída no final de 2017, comprovaram que é possível fazer a coisa certa.
Da valorização do trabalho dos catadores à maior conscientização ambiental dos consumidores, as ações empresariais permitiram ganhos que fortaleceram o modelo brasileiro de logística reversa para ingresso em uma nova etapa. Entretanto, impactada pela crise econômica e fiscal que o País atravessou, a Política Nacional de Resíduos Sólidos não conseguiu avançar na velocidade esperada.
Somente após as discussões mundiais relativas ao lixo no mar, a implementação da lei voltou aos trilhos, avançando muito por meio dos novos acordos setoriais e da implementação de políticas públicas para o fechamento dos lixões. Precisamos de engajamento. De conciliação. De confiança e de vontade para fazer a coisa certa, que nesse caso é tratar o lixo de forma adequada.
A recente aprovação do novo marco legal do saneamento com certeza ajudará a acelerar a implementação da Lei de Resíduos, bem como as novas propostas de logística reversa apresentadas, baseadas nos conceitos da economia circular, que trazem a oportunidade de diminuição de resíduos através da recuperação própria de embalagens e do aumento do conteúdo reciclado em novos produtos.
A última lição, mas não menos importante, é a certeza de que ainda temos grandes desafios para consolidar a Política Nacional de Resíduos Sólidos. A definição de instrumentos econômicos talvez seja o principal deles e sem os quais não será possível ampliar o parque reciclador nacional e aumentar a reciclagem no País.
Ainda enfrentamos a situação na qual fabricar um produto com matéria-prima virgem é mais barato do que a fabricação com material reciclado. O setor de embalagens de alumínio aparentemente conseguiu encontrar a fórmula da sustentabilidade econômica do seu ciclo produtivo, o que tem garantido índices de reciclagem na ordem dos 98% ao ano. Todavia, esta é uma exceção. Somente o equilíbrio entre a oferta e demanda de materiais é que garantirá a sustentabilidade da reciclagem no Brasil. Os instrumentos econômicos com certeza serão fundamentais para esse objetivo.
A oportunidade agora aberta pelas discussões de reforma tributária não pode ser desperdiçada. É preciso que o Congresso Nacional e o Governo Federal vejam a relevância desse segmento para o crescimento econômico e a preservação do meio ambiente.
Temas como educação ambiental, implantação da infraestrutura para a coleta de resíduos, formalização da cadeia da reciclagem e um maior comprometimento pela disposição adequada de resíduos por todos os atores da chamada responsabilidade compartilhada são alguns dos itens da agenda a ser enfrentada.
Parabéns a todos que ajudaram a construir a Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos e àqueles que lutam diariamente para sua implementação.
*Arnaldo Jardim é deputado federal (Cidadania-SP) e relator da Política Nacional de Resíduos Sólidos
**Victor Bicca é diretor de Relações Governamentais da Coca-Cola
[Foto: Nick Fewings/ Unsplash]
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