O período de isolamento social explicitou vulnerabilidades nas cadeias de valor, tais como a dependência por commodities, produtos ou serviços no mercado externo, as externalidades sociais e ambientais, e o impacto causado pela redução ou interrupção da produção em alguns setores. Tudo isso em um contexto de maior vigilância dos consumidores mais engajados
Não é de hoje que se discute a incorporação de boas práticas de sustentabilidade na gestão da cadeia de valor. Após a Rio 92, já tivemos diversas ações que impactaram positivamente o tema, por exemplo, a assinatura do Protocolo de Kyoto, a criação do Pacto Global pelas Nações Unidas e o conceito do Triple Botton Line (Tripé de Sustentabilidade: pessoas, planeta e lucro), liderada pelo consultor britânico John Elkington, como uma tentativa de aplicação no ambiente empresarial. Entre essas citações, destaco a seguir dois referenciais importantes para as discussões empresariais.
A primeira é a publicação da ONU Pacto Global Sustentabilidade da cadeia de suprimentos que, em 2015, já reforçava a existência de externalidades ambientais e sociais ao longo do ciclo de vida de um produto e ainda salientava que é por meio de ações de sustentabilidade na cadeia de valor que “as empresas protegem a viabilidade a longo prazo de seus negócios e garantem uma licença social para operar”.
A segunda é a publicação da ISO 20400. Realizada em 2017, a publicação apresenta diretrizes para o estabelecimento de programas de compras sustentáveis de forma que as empresas compreendam este processo como algo muito mais complexo do que um relacionamento comercial pautado no tripé: preço, prazo e qualidade. Isso tudo salientando que a estratégia de negócios na cadeia deve gerar benefícios não só para a organização, mas também para a sociedade, e ainda minimizar danos ambientais.
Mesmo com esses avanços, ações para incorporar a sustentabilidade na estratégia dos negócios e estabelecer relacionamentos na cadeia de valor de forma sustentável ainda caminham timidamente. Algumas iniciativas setoriais e individuais são muito focadas em auditorias e avaliações de seus fornecedores e há pouco apoio para seu desenvolvimento. Com isso, fica a pergunta: quais os desafios das empresas a partir de agora para que este relacionamento suba de patamar?
Por diversos anos consecutivos, o risco de interrupção das cadeias de valor esteve entre os três riscos mais significativos no mundo segundo o Barômetro do Risco, pesquisa realizada anualmente pela empresa de produtos financeiros e de seguros Allianz, para estabelecer os principais riscos aos negócios. Até então, a interrupção era cogitada por conta de algum desastre natural ou falência de elos importantes da cadeia. A pandemia evidencia o quão interconectados estão os negócios globais e trouxe à tona um risco não previsto até então: uma paralisação global. Possivelmente, este deve entrar na lista dos riscos aos negócios mais relevantes nos próximos anos.
Além disso, o período de isolamento social explicita vulnerabilidades nas cadeias de valor que antes não estavam sob os holofotes, tais como a dependência por commodities, produtos ou serviços no mercado externo; as externalidades sociais e ambientais; e o impacto causado pela redução ou interrupção da produção em alguns setores além dos elos diretos de uma cadeia. Tudo isso em um contexto de maior vigilância dos consumidores mais engajados, que demandam produtos que entreguem mais do que sua função.
Se temos desafios grandiosos para uma mudança de mentalidade na gestão de cadeias de valor, há vários exemplos de grandes empresas que, de forma muito ágil, adaptaram-se e promoveram inovações para apoiar a cadeia. Os exemplos vão desde a antecipação de pagamentos e treinamentos à criação de fundos de crédito com taxas mais atrativas do que as bancárias para apoiar pequenos fornecedores, e o desenvolvimento de plataformas colaborativas de e-commerce para inclusão de pequenas empresas.
Outro aspecto positivo do momento é o despertar da sociedade para o espírito de urgência. Empresas de todos os portes e setores se uniram e fomentaram muitas ações, como, por exemplo, produção e doação de álcool em gel, conserto de equipamentos médicos, produção e distribuição de máscaras, apoio a pesquisas e doações aos mais vulneráveis (para citar apenas algumas delas). Esse esforço veio como uma ação para tentar minimizar os impactos deste problema de saúde na vida de todos, gerando valor para a sociedade, mas será que este espírito de colaboração permanecerá após a pandemia?
Para que as mudanças aconteçam de fato, é preciso, mais do que nunca, ter resiliência, mas não com a perspectiva de que tudo volte a ser como era antes, e sim com um olhar de resiliência transformadora, que sai de um papel de expectador para protagonista de ações duradouras e consistentes.
Embora acredite que este é um caminho sem volta, será que um maior número de empresas passará a compreender que a sustentabilidade, é condição estratégica para a perenidade dos negócios? Espero que um maior número de empresas desperte para as oportunidades e se antecipem aos novos desafios que este cenário nos apresenta. O que você pensa a respeito?
*Taísa Cecília de Lima Caires é coordenadora de Sustentabilidade Aplicada da Fundação Espaço ECO, criada e mantida pela Basf
[Foto: Clint Adair/ Unsplah]