Como fazer para sermos mais altruístas, como nos colocarmos no lugar do outro e como pensar em interesses coletivos e não apenas individuais, ou que defendam apenas alguns grupos? Este é o mais complexo desafio do nosso quarto ato enquanto humanidade
A história humana qual como conhecemos pode ser descrita de duas maneiras: na forma de um drama, geralmente formado por quatro atos, onde o último, quase sempre culmina em tragédia; ou na forma de comédia, em que há um quinto ato e as coisas terminam, por assim dizer, de forma mais amena, ou não terminam e há espaço para imaginarmos um “final feliz”.
O primeiro ato é o próprio surgimento da espécie Homo sapiens, cerca de 200 mil ou 300 mil anos atrás, e sua evolução cognitiva e capacidade de atuar em rede, que culminou na extinção de outros hominídeos sem essas capacidades e de muitas outras espécies animais. A comunicação e organização social foi essencial para o desenvolvimento de nossa espécie.
O segundo ato ocorre no após a última Era do Gelo, há 10 mil anos, quando nossa espécie domina a agricultura e pecuária e deixa de ter comportamento nômade. Literalmente fixamos raízes e conseguimos então, acessar proteína e outros nutrientes, conforme nos convém.
O terceiro ato é quando executamos as grandes revoluções no planeta, especialmente a científica e a industrial, entre os séculos XIV e XIX. Após a descoberta de vacinas, antibióticos e da Revolução Industrial, menos de 200 anos atrás, éramos apenas 1 bilhão de habitantes. Atualmente, somos em quase 7,7 bilhões, com projeções de chegarmos a quase 10 bilhões em 2050. Mesmo com as grandes guerras e epidemias vivenciadas no século XX, explodimos demograficamente. Vivemos atrocidades onde o ser humano, em alguns momentos, acreditou ser necessário exterminar algumas raças dentro de sua própria espécie.
Alguns cientistas que estudam a capacidade biótica da Terra apontam que o planeta suportaria entre 300 milhões e os mais otimistas falam que a Terra comportaria até 2 bilhões de seres humanos. Há ainda os que acreditam que as tecnologias que serão aprimoradas ou ainda estão por surgir, como nanotecnologia, biotecnologia, bioengenharia, física quântica, entre outras, podem ajudar a trazer recursos para atender a toda atual população humana. O assunto é controverso.
É inegável que nossa espécie superou qualquer outra que tenha surgido no planeta em termos de proliferação, adaptação e capacidade de transformar o meio ambiente às nossas necessidades ou melhor comodidade. Esses três primeiros atos foram essenciais e cruciais para fazer com que nossa espécie seja o que se tornou.
Ainda nos dias atuais, essas características estão intrínsecas em nosso DNA. Do mesmo modo que fizemos há 200 mil anos, ainda tentamos exterminar os seres que julgamos nocivos, ou nos trazem pavor, como serpentes, insetos, vírus e bactérias. Protegemos tendenciosamente a propriedade privada e somos contrários a grupos que usam a terra como bem comum que não delimitam suas posses. Obviamente, as revoluções tecnológicas ainda nos são essenciais e necessárias e nosso futuro depende de tecnologias e avanços inovadores, sobretudo para enfrentar novos desafios, como pandemias e impactos econômicos da mudança climática.
Considero que vivemos agora o quarto ato: a era da informação. Nunca se teve tanto acesso ao conhecimento. Mesmo pessoas com poucos recursos têm milhares de vezes mais informações hoje do que tinha um presidente americano há 50 anos. Assim como todos os outros três atos (cognição e organização social, domínio da agricultura e conquistas revolucionárias na ciência e indústria), as atividades e ações humanas nesse quarto ato também podem ser geradas para o mal ou para o bem. Depende de quem manipula os dados e quais os interesses.
Historicamente, temos a tendência de agir conforme nossos interesses privados ou individuais. Talvez isso esteja ligado aos nossos instintos mais primitivos de perpetuação de nossos genes. Isso nos leva ao egocentrismo, à exploração desordenada e situações denominadas como “Tragédia dos Comuns”, onde um indivíduo quer ter mais vantagem sobre outro e acaba por agir de modo a esgotar os recursos mais rapidamente.
Isso, por exemplo, foi a causa do colapso e desaparecimento de sociedades humanas no passado, como os povos que habitavam a Ilha de Páscoa, entre outras civilizações. Aliás, ecologicamente, sabemos que a eficiência de uma espécie gira em função de sua capacidade de crescimento e reprodução, e que o declínio de tais populações é associado à falta de alimento devido ao alto consumo de seus recursos naturais causado pela superpopulação, dando espaço ao surgimento de predadores oportunistas.
Agir em interesses pontuais, individualistas ou egocêntricos, tem sido o modus operandi de nossa espécie. E isso parece estar refletido em grupos sociais e políticos. É comum grupos (grandes ou pequenos) se defenderem, polarizarem e transformarem tudo que lhes é contrário em inimigos. É como se fosse assim: “Se você não pensa como eu, é meu inimigo!”, ou: “É óbvio que os dados que vocês apresentam foram manipulados para atender o seu próprio interesse! Claro que esses dados não são confiáveis!”.
Esse me parece ser o real e mais complexo desafio do nosso quarto ato enquanto humanidade: como fazer para sermos mais altruístas, como nos colocarmos no lugar do outro e como pensar em interesses coletivos e não apenas individuais, ou que defendam apenas alguns grupos?
Temos informação, temos história e aprendizado do passado, temos ciências. O fato é que nossa espécie tem a oportunidade única de reunir todo esse aprendizado adquirido e agir de forma coordenada, em rede, coletivamente, que aliás, foi uma das características que nos fez prevalecer em detrimento a outras espécies, como já dito.
No gênero drama, ao contrário da comédia, não há um narrador, cada personagem fala por si. Nem todos são protagonistas e nem todos tem a chance de mostrarem sua própria voz e visão de maneira igual, porém, todos agem de forma individual. Claro, que devido ao nosso espírito julgador, tendemos a concordar com os personagens que nos trazem situações familiares. Porém, para os imparciais e altruístas, é impossível julgar e apontar quem está certo e quem está errado.
Cabe a nós decidir se acabaremos dramaticamente em uma tragédia, tal qual civilizações do passado, ou se nos daremos a chance de ir de encontro a um quinto ato, permitindo-nos, quem sabe, uma comédia, em busca de um final feliz.
*Rubens Benini é engenheiro florestal, mestre em Engenharia Ambiental pela USP. Membro do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica e da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura
[Foto: John Noonan/Unsplash]