[Presidente da República, Jair Bolsonaro, e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, durante solenidade do Programa Lixão Zero da Agenda Nacional de Qualidade Ambiental Urbana. Foto: Carolina Antunes/PR/ Fotos Públicas]
Retrocessos atingem o acesso à informação sobre as políticas ambientais e as possibilidades de participação da sociedade civil, mostra estudo das organizações Artigo 19, Imaflora e Instituto Socioambiental
Pesquisadores das organizações Artigo 19, Imaflora e Instituto Socioambiental realizaram uma análise sobre o nível da transparência e o status da participação social em políticas ambientais, comparando os períodos 2017-2018 e 2019-2020. O estudo revelou uma série de retrocessos que restringiram o acesso à informação sobre as políticas ambientais e as possibilidades de participação da sociedade civil nas decisões dessas políticas.
O estudo está dividido em duas partes: uma dedicada ao tema da transparência pública, outra, ao da participação social. Entre os principais achados da primeira parte, estão: alterações nos protocolos de comunicação dos órgãos ambientais, ameaças a servidores, elevação do sigilo de documentos públicos, apagões em bases de dados ambientais e deslegitimação de órgãos públicos responsáveis pela produção de dados ambientais. O objetivo do documento é obter um panorama amplo dos retrocessos no acesso à informação sobre as políticas ambientais, para que a sociedade civil tenha um monitoramento mais efetivo e possa se organizar para reverter a situação.
Entre os resultados mais preocupantes encontrados pelos pesquisadores está a dificuldade nos pedidos de informações sobre políticas ambientais a órgãos federais. Entre 2017 e 2019, os realizadores do estudo enviaram 321 pedidos via Lei de Acesso à Informação. O levantamento aponta uma redução de 78% no número de respostas satisfatórias em 2019, em comparação com o período 2017-2018. Enquanto em 2017-2018, a qualidade de 71,6% das respostas oferecidas pelo Executivo foram consideradas satisfatórias, em 2019, apenas 15,5% atenderam os requisitos de qualidade.
Segundo Antônio Oviedo, pesquisador do ISA, as dificuldades na abertura e divulgação de dados contribuem para que retrocessos na política ambiental não sejam devidamente acompanhados pela sociedade. “Em um ano em que estamos verificando recordes de desmatamento, dados como esses, ocultos durante tanto tempo, são imprescindíveis para que uma política efetiva de combate ao desmatamento e outras ilegalidades sejam efetivamente implementadas”, reforça.
Além disso, em 2020, o número de Planos de Dados Abertos (PDA) vigentes caiu drasticamente. De 10 órgãos federais que gerenciam bases de dados relevantes para as políticas ambientais, apenas três possuem PDAs com vigência atual: Banco Central, Ministério do Meio Ambiente e Ibama. Trata-se de uma diminuição de 70% em relação ao número de órgãos com PDAs vigentes em 2019.
“Qualquer política pública deve ser baseada em conhecimento empírico, pesquisas científicas e dados comprovados por pesquisadores e organizações que tenham um trabalho sério e consolidado”, defende Ana Gabriela Ferreira, coordenadora da área de Acesso à Informação da Artigo 19. “Por meio de iniciativas de governo aberto, a sociedade pode acompanhar o andamento de políticas e também produzir análises e estudos que possam contribuir com o aperfeiçoamento dessas políticas”.
Participação social
Ao construir uma linha do tempo das ações do governo associadas à participação social nas políticas ambientais, o estudo identifica um desmonte da estrutura participativa da sociedade desde os primeiros meses de 2019. Os retrocessos incluem a extinção de colegiados voltados à inclusão da sociedade civil na tomada de decisão e a redefinição de regras que reduzem sua representação e dificultam sua atuação.
De 22 colegiados nacionais associados às políticas socioambientais levantados no estudo, mais da metade foi diretamente impactada por extinções ou reestruturações, enquanto apenas 9 se mantiveram inalterados. Entre os colegiados extintos, estão a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf), o Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa) e o Comitê Diretor da Plataforma ABC.
O Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) e a Comissão Nacional da Biodiversidade (Conabio) são dois colegiados de referência internacional na pauta ambiental que sofreram uma reestruturação. No Conama, as alterações sofridas facilitaram ao governo federal realizar alterações em resoluções que definem regras de proteção ambiental. Como exemplo, em setembro de 2020, quatro resoluções foram revogadas, envolvendo a preservação de mananciais, mangues e restingas, a necessidade de licenciamento ambiental para projetos de irrigação e restrições para a incineração de resíduos sólidos.
Já na Conabio, as alterações reduzem a representatividade das organizações ambientalistas no colegiado. Enquanto as alterações restringem a participação das organizações ambientalistas, as regras se mantêm as mesmas para a definição dos representantes de outros setores, como o agronegócio. Na prática, essas medidas reduzem a participação da sociedade civil na condução e gestão do Programa Nacional da Diversidade Biológica e a coloca em posição de desvantagem em relação a outros grupos. Além disso, a perda de competências minimiza o potencial do colegiado de tomar decisões que fortaleçam as políticas socioambientais.
“O estudo indica que retrocessos nas políticas ambientais vistos ao longo dos últimos anos são acompanhados também por mudanças que dificultam o monitoramento e a participação da sociedade nas decisões tomadas pelo Executivo”, ressalta Bruno Vello, analista de Políticas Públicas do Imaflora. “Sem acompanhamento de diversos segmentos da sociedade, as políticas não podem ser avaliadas e suas eventuais falhas, corrigidas”, conclui.
Acesse a íntegra do estudo e confira o resumo com as principais informações.