O desperdício de comida é um dos fatores da fome no Brasil e no mundo, que foi agravada pela pandemia. Entre as soluções para combater as perdas, está o aumento da vida útil dos alimentos. A emulsão com cera de carnaúba, inovação que a Embrapa acaba de desenvolver com uso da nanotecnologia, eleva em até 15 dias o tempo de prateleira
O Dia Mundial da Alimentação é celebrado em 16 de outubro desde 1981. De lá para cá, o Brasil avançou muito em produtividade agropecuária e já somos capazes de exportar acima de US$ 100 bilhões ao ano em commodities e produtos agroalimentares. O sistema agroalimentar, no entanto, é permeado por paradoxos e trade-offs. Mais exportações podem significar aumento dos preços de alimentos básicos no mercado interno e a visão tradicional do foco em aumento de produção agropecuária é posta em xeque pela necessidade de ampliarmos a oferta por meio da redução das perdas e do desperdício de alimentos.
A data é propícia para refletirmos sobre a situação de insegurança alimentar global, também muito em evidência no Brasil, principalmente com a pandemia da Covid-19. O aumento de famílias em vulnerabilidade, seja pela perda do emprego ou pela morte dos provedores, implica na necessidade de implementar estratégias para expandir o acesso a alimentos nutritivos e saudáveis.
Diante do paradoxo de ainda termos muita comida jogada fora em contexto de fome crescente, a redução das perdas e do desperdício de alimentos é um imperativo para ampliar a oferta e acesso a alimentos de modo sustentável. Ciência, políticas públicas alimentares, e empreendedorismo alinhado à economia circular devem caminhar juntos nesta frente.
Uma fotografia desse panorama foi mostrada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede Penssan), com o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19, realizado em 2180 domicílios nas cinco regiões – em áreas urbanas e rurais – em dezembro de 2020.
Do total de 211,7 milhões de pessoas, 116,8 milhões convivem com algum grau de insegurança alimentar e, destes, 43,4 mi não têm alimentos em quantidade suficiente (moderada ou grave). O extrato que enfrenta fome é estimado em 19,1 mi de pessoas. Os resultados estão acessíveis aqui.
Sete voltas no planeta
A mudança desse cenário passa por muitos fatores, entre os quais a ciência e a diminuição das perdas e desperdícios de alimentos. O Índice Global do Desperdício de Alimentos da ONU estima em 121 kg o desperdício de comida per capita anual levando em conta o que se descarta no varejo, food service e residências, de acordo com o estudo com dados agregados de 54 países – entre eles o Brasil – divulgado em março.
Estimativas do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e da organização inglesa WRAP (The Waste and Resources Action Programme) indicam que 931 milhões de toneladas de alimentos, ou 17% do total disponível para os consumidores em 2019, foram para o lixo nas residências, restaurantes, varejistas e outros serviços alimentares. É o suficiente para encher 23 milhões de caminhões de 40 toneladas que poderiam dar sete voltas na Terra, se fossem enfileirados.
O estudo constatou que nos países de renda média-baixa, o desperdício estimado nas famílias foi maior do que em países de alta renda, em função da dificuldade da classe média baixa em planejar as compras, falta de meios para preservar bem os alimentos e o não-aproveitamento das sobras das refeições.
Políticas públicas de alimentação urbana, que favoreçam a conexão do varejo com redes de bancos de alimentos e restaurantes populares, e ainda incentivem circuitos curtos de produção e consumo, devem ser priorizadas. No Brasil, a Lei Federal nº 14.016/20 facilita a doação de alimentos por parte do varejo e outros serviços de alimentação, ao retirar a responsabilidade civil do doador.
Educação, comunicação e tecnologia
A Embrapa busca contribuir na diminuição das perdas e no desperdício de alimentos, por meio do desenvolvimento de ativos tecnológicos com parceiros, por oferta de capacitações e por contribuições a políticas públicas de alimentação e nutrição. Um dos passos decisivos ocorreu em 2011, com a criação do curso tecnologia pós-colheita em frutas e hortaliças liderado pela Embrapa Instrumentação, com a transferência das tecnologias desenvolvidas pela Empresa e parceiros, aplicadas para a solução de problemas do setor.
Dez anos depois, já na sétima edição, a pandemia acelerou a transformação do modelo presencial para capacitação à distância, a fim de atender mais produtores, técnicos, extensionistas, atacadistas, pesquisadores, professores e estudantes ligados a pós-colheita de frutas e hortaliças – com o apoio de cerca de 40 parceiros entre universidades, instituições de pesquisa, agências de fomento, órgãos públicos e setor privado.
Além do aspecto educacional, o curso também integra as estratégias de comunicação, ao oferecer uma página especializada no tema, com vídeos, livros, conteúdo multimídia produzido a partir da ciência e do mercado. Diferentes segmentos recebem informações sobre ações práticas no combate às perdas e desperdício de alimentos, por exemplo, com a criação de cartilhas em 2020, em parceria com a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp) e a Maurício de Souza Produções – a Turma da Mônica. Todo esse material pode ser acessado gratuitamente aqui, assim como as soluções tecnológicas.
Uma delas, desenvolvida em inovação aberta, utiliza a nanotecnologia e tem conquistado o mercado nacional e internacional. É a nanoemulsão de cera de carnaúba para aplicação em frutos, que possibilita aumentar o tempo de prateleira de 10 a 15 dias em relação ao método convencional.
A emulsão com partículas nanométricas (invisíveis ao olho humano) à base de cera de carnaúba (de origem vegetal) para revestimento de frutos de mesa mantém a qualidade, com redução das perdas pós-colheita. Além do Brasil, a tecnologia acaba de ser lançada no mercado internacional, e já está sendo utilizada no revestimento de mangas e limões.
As diversas estratégias e ações articuladas pela Embrapa Instrumentação ao longo da última década demonstram que as parcerias, a partir da ciência, são necessárias e fundamentais para combater as perdas e o desperdício de alimentos. Mais do que alterar números, a soma de conhecimentos e esforços pode oferecer contribuições efetivas para a diminuição da insegurança alimentar no Brasil, para colocar comida no prato e levar alento para milhares de famílias.
*Marcos David Ferreira é pesquisador da Embrapa Instrumentação (São Carlos – SP)
**Edilson Fragalle é analista da Embrapa Instrumentação (São Carlos – SP)
***Gustavo Porpino é analista da Embrapa Alimentos e Territórios (Maceió – AL)