Após o êxito da mobilização de grupos na coleta e plantio de sementes nativas para salvar nascentes em São Félix do Xingu (PA), reduto do agronegócio com impactos à água usada por produtores e populações locais, a experiência na Amazônia inspirou novas articulações regionais e se espalhou no País como modelo que une geração de renda, empoderamento social e diversidade de espécies na restauração ecológica.
O movimento culminou na criação do Redário – articulação entre redes de coletores de sementes nativas que atuam na base da cadeia de restauração em larga escala. Hoje são 27 agrupamentos, no total de 1,5 mil coletores nos vários biomas (67% mulheres) – incluindo o pioneiro, a Rede de Sementes do Xingu, que sozinha reúne 647 grupos de coletores, entre os quais seis etnias indígenas. Em 2024, os integrantes do Redário forneceram quase 100 toneladas de sementes, somando perto de 15 mil hectares de restauração desde 2006.
Há outras 20 redes de coletores que aguardam para entrar na iniciativa. “O modelo permite compartilhar protocolos técnicos, indicadores e métodos de ação, possibilitando trabalhar a cadeia da restauração de forma integrada e não segmentada, com mais condições de resultados no chão”, explica Rodrigo Junqueira, secretário executivo do Instituto Socioambiental (ISA), instituição coordenadora do Redario. Em 2025, além de abranger novos coletivos, o plano é fortalecer a governança para a iniciativa se tornar uma organização independente.
O arranjo em “rede de redes” viabiliza recursos técnicos, logísticos, eficiência comercial e de gestão, comunicação e segurança jurídica. E tem contribuído com o aumento da escala e a qualidade da restauração ecológica por meio de relações comerciais baseadas no diálogo, respeito mútuo e equilíbrio de poder. “Muito além dos resultados no enfrentamento da crise climática, o modelo traz a dimensão da dignidade, qualidade de vida e direito à voz para comunidades e povos tradicionais que dominam o conhecimento no manejo das sementes”, destaca Junqueira.
O papel das redes de coletores de sementes tem sido reconhecido por políticas públicas estaduais e federais, como o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), que prevê o modelo como um dos agentes para o País cumprir a meta climática de restaurar 12 milhões de hectares de florestas até 2030, no âmbito do Acordo de Paris. Segundo Junqueira, diante do fluxo financeiro previsto em novos projetos de restauração, “é preciso fortalecer esses arranjos produtivos para os recursos chegarem na ponta”.
Na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, a Associação Cerrado de Pé simboliza o vínculo social da restauração de ecossistemas, ao mobilizar produtores que mudaram o padrão de vida. “Ex-madeireiros que derrubavam árvores hoje dependem delas para coletar e vender sementes”, conta Claudomiro Cortes, líder da organização, com vendas em torno de R$ 1 milhão por ano. No total, são cerca de 700 coletores, parte deles do território quilombola Kalunga.