Tudo começou com uma nova unidade de extração de óleos vegetais, que impulsionou o extrativismo à época em declínio e favoreceu a demanda por matéria-prima, inclusive de produtores que plantaram andiroba e não colhiam as sementes porque não tinham para quem vender. Hoje, na região de Santarém (PA), a iniciativa do Ecocentro, com estrutura inaugurada em junho de 2024 pelo Projeto Saúde & Alegria após seis anos de construção, representa um antigo sonho que se torna realidade para melhorar a produção, ampliar conexões com o mercado e mudar o patamar da bioeconomia em território sob pressão do desmatamento.
No cerne da estratégia está a retomada da Cooperativa dos Trabalhadores Agroextrativistas do Oeste do Pará (Acosper) que estava desativada e foi fortalecida para centralizar uma rede de produtores, atendidos por unidades de beneficiamento com padrão de qualidade para fornecimento à indústria. São cerca de 250 cooperados da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, Floresta Nacional do Tapajós e assentamentos agroextrativistas, reunindo populações indígenas, ribeirinhos e quilombolas.
Com financiamento do Fundo Amazônia, WWF, Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ) e empresa Natura, a estrutura possui unidade de destilação de óleo de copaíba, depósito de borracha nativa e entreposto de processamento e envase de mel de abelha nativa sem ferrão com selo de inspeção. Uma indústria de polpa de frutas está sendo equipada e licenciada para inauguração em março e há espaço para novos empreendimentos à medida que outras espécies de sementes sejam fornecidas pelos extrativistas com a perspectiva de uma maior demanda de mercado por bioprodutos.
“O grande desafio é a qualidade da matéria-prima, algo que historicamente os produtores locais não estão acostumados porque são reféns de preços baixos”, explica Davide Pompermaier, coordenador do programa Economia da Floresta do Saúde & Alegria. A iniciativa apoia os fornecedores com assistência técnica e equipamentos, como secadores de sementes, para os insumos chegarem com as especificações necessárias à fábrica.
“Estamos ativando cadeias produtivas e mudando a relação dos produtores com a cooperativa, que não é somente uma processadora ou revendedora de produtos, mas tem o papel orientar a produção no campo, contribuindo no processo de planejamento”, ressalta Pompermaier.
O trabalho inclui apoio à gestão da cooperativa e acesso a parcerias de comercialização, com planos de no futuro se tornar uma central de negócios abrangendo vários coletivos em rede. Após testes de produção no ano passado, a previsão é atingir vendas de R$ 700 mil em 2025, e aos poucos superar desafios tecnológicos para faturar anualmente R$ 6 milhões, em quatro anos.
A expectativa é de recuperação econômica após os impactos da mudança climática que fizeram a produção despencar, como no caso do mel, na seca de 2024. Para Pompermaier, “sistemas agroflorestais sem irrigação já são muito difíceis”, por isso diversificar e integrar a agenda de produção é bastante positivo,avalia. Ele lembra que nas comunidades tradicionais mais isoladas a logística é bastante difícil: “É necessário investimento em infraestrutura pelo governo, como transporte, acesso à internet e energia elétrica”.
Para compensar o custo logístico de levar os óleos vegetais da cooperativa em Santarém até o parque produtivo da empresa Natura, em Benevides, na Região Metropolitana de Belém, o plano é estabelecer parceria para a remuneração na forma de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA).
“Reativamos a cooperativa que estava sucateada como forma de fortalecer organização social e enfrentar a pressão do agronegócio com a entrega de áreas dos moradores para a expansão da monocultura da soja na região”, afirma Manoel Edivaldo Matos, presidente da Acosper. Com investimento de R$ 5 milhões na construção e equipamentos do galpão, os produtores foram capacitados em boas práticas e atraíram parcerias, inclusive para fornecimento de sementes a grandes projetos de empresas de restauração florestal. “Aumentou a confiança e a autoestima”, ressalta Matos, ao lembrar que no passado a maioria dependia somente da farinha de mandioca para o sustento.