O mais importante acordo climático do mundo completa 10 anos, em um cenário global no qual o futuro do planeta precisa encontrar um caminho em meio a guerras e novas tensões geopolíticas
Por Fernanda Macedo

No filme Casablanca (1942), o personagem Rick, interpretado por Humphrey Bogart, diz para Ilsa, interpretada por Ingrid Bergman, “We’ll always have Paris”, ou seja, independentemente do que aconteça no futuro, mesmo que eles não fiquem juntos, sempre terão as lembranças de um momento especial, neste caso, o tempo que passaram em Paris. É uma forma poética de dizer que certas experiências são tão marcantes que permanecem vivas na memória, mesmo que tudo o mais mude.
Dez anos depois de um grande marco na cooperação global contra a crise climática, no qual quase todos os países do mundo adotaram o Acordo de Paris na COP 21, em 2015, esse momento parece uma memória distante.
De lá para cá, a sensação é que as COPs mais falharam do que avançaram. A lentidão nas decisões e o lobby crescente de setores como os combustíveis fósseis fizeram o planeta perder muito tempo. Mas também houve avanços.
O contexto geopolítico dos últimos anos se tornou mais complexo. A saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, anunciada em janeiro de 2025 pelo presidente Donald Trump (pela segunda vez), tirou da mesa de negociações o maior emissor histórico de gases de efeito estufa do mundo, responsável por cerca de 20% de todas as emissões globais acumuladas até hoje.
[Assista aqui a vídeo sobre a emissão histórica dos países]
E além disso, a crescente polarização política, tensões entre grandes potências, crises econômicas e conflitos regionais têm dificultado o avanço de acordos climáticos ambiciosos e a implementação efetiva das decisões já tomadas.
As guerras e conflitos regionais que se intensificam pelo mundo têm disputado atenção com a agenda climática global. Em um cenário de instabilidade geopolítica, como os conflitos na Ucrânia e Palestina, os recursos financeiros, políticos e diplomáticos acabam sendo redirecionados para questões de segurança e defesa, reduzindo o foco e o investimento em ações climáticas.
Segundo Cíntya Feitosa, líder especialista em Estratégias Internacionais sênior no Instituto Clima e Sociedade (iCS), o cenário geopolítico atual desafia a construção de confiança e torna mais difícil a coordenação global necessária para avançar em acordos ambiciosos.
“Muitos países têm priorizado discussões de segurança, vantagens comerciais e agendas domésticas, o que reduz a propensão a aceitar compromissos que exijam sacrifícios de curto prazo ou transferências financeiras. Isso se traduz em negociações climáticas mais fragmentadas e em dificuldade de operacionalizar instrumentos coletivos [por exemplo, financiamento de adaptação]”, diz.
Nesse cenário, o que esperar do aniversário de 10 anos do Acordo de Paris na COP 30?
Avanços e fracassos das COPs
A ressaca após a histórica assinatura do Acordo de Paris durou algumas COPs. A dificuldade em fechar o chamado “Livro de Regras” e em avançar no tema do financiamento climático gerou a sensação de falta de progressos significativos em vários anos. Alguns dos maiores avanços foram a criação do Fundo de Perdas e Danos, formalizado na COP 27 (2022), o reconhecimento da necessidade de transição dos combustíveis fósseis na COP 28 (2022) e a conclusão das regras do Artigo 6 (mercado global de carbono) na COP 29 (2023).
“Institucionalização e progresso técnico existem, mas falta velocidade, financiamento previsível e mecanismos robustos de implementação. E nisso a COP 30 pode apoiar e muito. É uma oportunidade de revisar os últimos 10 anos agora que todo o framework de transparência do Acordo está em prática, e refletir sobre os próximos 10 anos de implementação”, afirma Feitosa.
Ano após ano [e COP após COP] o mundo viu seu clima se tornar mais e mais extremo, em todos os continentes. Queimadas na Amazônia, inundações no Rio Grande do Sul, incêndios na Sibéria, na Califórnia, incêndio no Chile, no México, geleiras desaparecendo na Suíça. Dilúvio em Dubai, reserva de água na Espanha seca, o furacão Milton, ondas de calor em Paris.
Enquanto isso, as salas de negociações da COP frustravam expectativas ao não chegar a consensos em temas como financiamento climático. Desde a COP 15 (Copenhague, 2009), países desenvolvidos prometeram US$100 bilhões por ano até 2020 para apoiar países em desenvolvimento. Na COP 21 (Paris, 2015), esse compromisso foi estendido e ficou claro que deveria ser revisto antes de 2025, criando a expectativa de uma Nova Meta Coletiva Quantificada (NCQG). Porém, essa meta nunca foi plenamente cumprida.
Os países em desenvolvimento pedem US$ 1,3 trilhão por ano até 2035 para mitigação e adaptação. Ano passado, a COP 29 fixou US$ 300 bilhões por ano até 2035 como meta a sugestão de se criar um “roteiro” para chegar a US$ 1,3 trilhão por ano.
Sem financiamento adequado, o planeta não conseguirá implementar as NDCs, nem investir em agendas específicas, como adaptação ou perdas e danos. A lacuna financeira amplia desigualdades e compromete a meta de limitar o aquecimento global a 1,5 grau.
No ano do aniversário de uma década do Acordo de Paris, os países deveriam apresentar suas novas NDCs à UNFCCC. O resultado, no entanto, foi abaixo do esperado. O total de NDCs submetidas até 30 de setembro de 2025 foi de 64 países, que representam apenas 30% das emissões globais de 2019, segundo a UNFCCC.
Essas novas NDCs projetam uma redução média de 17% nas emissões até 2035, em relação aos níveis de 2019 (variação entre 11% e 24%), mas isso ainda está muito aquém da meta de 60% de redução necessária para limitar o aquecimento global a 1,5°C, segundo o IPCC. Apenas 7 dos países do G20 submeteram novas NDCs até o prazo. Ou seja: apenas um terço dos grandes emissores globais enviou NDCs novas até setembro de 2025. Isso não inclui a China nem a União Europeia em sua totalidade. Por outro lado, considera os Estados Unidos (por conta da NDC submetida pela administração Joe Biden em 2024, antes de Trump anunciar a saída do Acordo de Paris).
Mesmo com o anúncio da nova NDC da China fora do prazo, as previsões não melhoraram significativamente. A China é o maior emissor do mundo, com cerca de 31% das emissões globais. Sua meta para 2035, anunciada durante a Assembleia Geral da ONU em Nova York, em setembro de 2025, prevê queda de 7% em relação ao pico. Em escala global, deixaria o corte total em torno de 20% a 22% até 2035, ainda muito distante da faixa de 60% necessária para limitar o aquecimento a 1,5 grau, segundo o Política por Inteiro.
Segundo Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, “a gente teve um ano colecionando evidências da falta de liderança política. Diferente de outras COPs, faltaram sinais claros de todas as grandes economias em relação à ambição, em relação ao financiamento, tanto das suas próprias ações climáticas quanto da cooperação internacional. Então, eu acho que o fato das NDCs do G20 terem atrasado tanto, e só uma delas, que é do Reino Unido, realmente estar alinhada com o 1,5 grau, eu acho que isso expõe o quanto a COP já foi impactada por essas tensões comerciais, pelos conflitos e as disputas geopolíticas”.
Uma vez apresentadas as novas NDCs, a COP 30 deverá olhar para a viabilidade e implementação setorial dessas metas. Além disso, no tema do financiamento climático, que foi o centro das últimas COPs, o desafio será avançar na mobilizar dos US$ 1,3 trilhão por ano até 2035, considerando esforços como o Fundo Tropical Forests Finance Facility (TFFF). O tema da adaptação, até hoje um dos mais negligenciados das COPs, deve finalmente ter mais relevância e a expectativa é tornar a adaptação mensurável e rastreável, algo que nunca foi concretizado desde o Acordo de Paris, além de triplicar os recursos disponíveis para esse tema.
Mas, para além das salas de negociação das COPs, os desafios desse momento abarcam as grandes tensões geopolíticas e a dificuldade de cooperação dos países.
Esperança no multilateralismo
Em 2022, os gastos militares globais atingiram o recorde de US$ 2,24 trilhões, superando significativamente os compromissos climáticos anuais e a expectativa de mobilizar US$ 1,3 trilhão por ano até 2035. Embora pareçam agendas diferentes, a verdade é que os países em guerra ou em situação de fragilidade têm menos capacidade de adaptação, recebem menos financiamento climático per capita e enfrentam impactos mais severos de eventos extremos como secas, enchentes e ondas de calor.
Segundo a 20ª edição do Global Risks Report do Fórum Económico Mundial, os conflitos armados e tensões geopolíticas estão corroendo o multilateralismo. Elas fragmentam alianças, aumentam a desconfiança entre Estados e reforçam narrativas nacionalistas que priorizam soberania e segurança energética, justamente quando a cooperação global é mais necessária do que nunca.
Por isso, o Brasil, como Presidência da COP 30, tem buscado promover a cooperação global pelo clima. Foram criados os Círculos da Presidência da COP 30, espaços de diálogo estratégico paralelos às negociações formais da ONU, que reúnem lideranças em temas-chave para garantir que a COP30 seja mais inclusiva e orientada para resultados.
Foram criados quatro círculos: o Círculo dos Presidentes de COPs, para resgatar aprendizados e fortalecer a governança climática global; o Círculo dos Ministros das Finanças, para discutir financiamento climático e mobilizar recursos financeiros para a transição justa; o Círculo dos Povos, que inclui representantes indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e afrodescendentes para garantir que saberes e direitos dos povos originários sejam integrados às decisões; e o Círculo do Balanço Ético Global, liderado pelo presidente Lula e pelo secretário geral da UNFCCC, António Guterres, que busca uma bússola ética para as negociações, baseada em uma série de Diálogos Regionais.
Esses círculos não substituem as negociações formais entre os países, mas influenciam a agenda e podem fortalecer compromissos políticos e sociais. “Fortalecer o multilateralismo e valorizar a diversidade não são meras escolhas, são um imperativo ético”, afirmou a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva durante a apresentação do Relatório Global do Balanço Ético Global (BEG), na Pré-COP30, em outubro, em Brasília. Esse relatório será entregue aos negociadores e tomadores de decisão da COP30 como um instrumento de orientação ética.
Após rumores de que os EUA enviariam uma equipe para atrapalhar as negociações da COP30, a Casa Branca confirmou que não haverá representantes de alto nível no evento, o que aliviou parte dessas preocupações dos líderes internacionais. Porém, além dos EUA, a COP30 terá outras ausências. Haverá 143 países representados, mas apenas 57 chefes de Estado confirmaram presença nos eventos oficiais. Xi Jinping, presidente da China, maior emissor de gases de efeito estufa do planeta hoje, também não irá pessoalmente, embora envie uma delegação. Ainda assim, a União Europeia deve comparecer, reforçando sua posição como líder na agenda climática.
“Ninguém seguiu abertamente, explicitamente, os Estados Unidos até agora. Não houve nenhuma retirada do Acordo de Paris, o que em si é positivo e acho que já denota que a liderança brasileira tem conseguido exercer um papel de coesão. Isso é ótimo mas, por outro lado, a gente sabe que alianças, por exemplo, na questão da energia suja, são muito fortes. Então, acho que isso vai ser super importante acompanhar”, reforça Unterstell.
Enquanto Trump vai à ONU para chamar a mudança climática de “a maior farsa já perpetrada contra o mundo”, a ministra Marina Silva aposta que a COP 30 será uma retomada da mobilização global pelo clima.
“Que a COP30 possa se constituir como o grande mutirão da implementação dos acordos até aqui alcançados. Que o BEG e os demais círculos de mobilização da COP 30 possam contribuir para que ela entre para a história das COPs como a base fundante de um novo marco referencial. O marco referencial que ajudou a evitar os pontos de não-retorno: tanto do clima quanto do multilateralismo climático”, concluiu a ministra em seu discurso na Pré-COP 30.
Se no filme Casablanca os personagens enfrentam o dilema de escolhas éticas em tempos de guerra, do bem coletivo acima do desejo individual, na COP 30 os países terão de transcender disputas e nacionalismos para reconstruir confiança e cooperar em um cenário fragmentado. Em ambos os casos [na arte e na vida], a questão central é: quem estamos dispostos a ser diante de uma crise que define o futuro?

