Pequenos produtores indígenas e ribeirinhos da Amazônia se aproximam de investidores que buscam transparência e garantia de impacto positivo à biodiversidade e as pessoas da floresta
É crescente o fluxo financeiro global para clima e biodiversidade, mas o alto potencial de investimentos no Brasil é travado – entre outros fatores – pela falta de sistemas confiáveis que garantem origem e práticas sustentáveis de modo a conectar indígenas e pequenos agricultores a quem quer financiá-los para impulsionar a renda e manter a floresta de pé. Investidores buscam maior nível de transparência, credibilidade e clareza dos reais impactos dos aportes na qualidade de vida das comunidades – desafio que motivou a startup 3Agro a aliar soluções da bioeconomia e tecnologia digital para mudar os padrões da agricultura regenerativa.
“O objetivo é tornar a atividade verificável e rastreável por meio de um sistema global inovador como forma de destravar financiamentos, em conexão com as pessoas que protegem a floresta e o clima do planeta”, afirma Taynaah YepáRio Reis, CEO da startup. Programadora com mestrado em governança ambiental na Suíça e especializações em Harvard e MIT, nos EUA, ela trocou o mundo das fintechs por inovações digitais aplicadas à agricultura familiar, em especial na Amazônia.

“É grande a demanda por ajudar na proteção da floresta, mas muitos não sabem como”, acrescenta a empreendedora. Como neta de indígena curandeira guarani e batismo na etnia tucano, do Amazonas, a sensibilidade para o tema vem do berço. O pai, Luiz Antônio Reis, foi um dos criadores do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que em 30 anos mobilizou R$ 700 bilhões para pequenos produtores. Na startup, o desafio é integrá-los a protocolo de rastreabilidade e carbono, orientado pela biodiversidade e impacto positivo às pessoas na floresta. “Queremos mudar o jogo, porque atualmente o mundo busca regenerar a natureza usando ferramentas fragmentadas, dados não verificáveis em modelos que excluem as populações que fazem o trabalho”.
A tecnologia é essencial para replicar e aumentar a escala das soluções, como o Passaporte Vivo, criado pela 3Agro. Muito além dos aplicativos climáticos comuns no mercado, a inovação funciona como um multicadastro com registros detalhados do perfil de cada comunitário, práticas de produção, fontes de renda, histórias de vida, saberes tradicionais e potencialidades de cada território, entre outros itens que são monitorados por relatórios de impacto. Segundo Taynaah, os pequenos agricultores indígenas e ribeirinhos administram grande parte da fauna e flora da Amazônia, mas carecem de identidade, rastreabilidade ou acesso aos mercados de carbono ou de biodiversidade.
“Protegem a floresta, mas permanecem invisíveis”, reforça a empreendedora, ao destacar o complexo trabalho de inteligência digital da 3Agro no suporte a financiadores e investidores que querem compensar impactos ao clima e à natureza melhorando a vida de quem preserva. Em fase inicial, o sistema abrange cerca de 300 produtores de açaí em Inhangapi (PA), com expectativa de expandir para 3 mil comunitários, incluindo 23 etnias indígenas no Amazonas.
Como estratégia de agregação de valor e acesso a mercados, o apoio inclui a certificação pelo selo de Indicação Geográfica, concedida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) a produtos ou serviços que têm qualidades únicas devido à sua localização de origem – a exemplo do solo, do clima e do saber-fazer local.
Fazer investimentos chegarem a quem precisa sem intermediários
O negócio da startup tem como base um protocolo digital que atribui a cada agricultor, parcela de terra e dados verificáveis em captura de carbono, restauração da biodiversidade e Inclusão social – tudo rastreável da floresta à prateleira, por meio de tecnologia blockchain e Inteligência Artificial (IA). Cada propriedade ganha passaporte digital exclusivo, com QR code que mostra toda a jornada de impacto e certificações, pronto para acesso do comprador ou para compor relatórios de sustentabilidade.
A partir desses registros, o modelo operado pela 3Agro permite emissão de créditos de carbono e biodiversidade para investimento direto nas comunidades, sem intermediários. Em outro produto da empresa, o Passaporte Verde, voltado a investidores individuais, qualquer pessoa pode calcular a pegada de carbono e biodiversidade e obter indicações de como compensá-las por meio de apoio financeiro com aumento da renda e qualidade de vida nos territórios.
O maior diferencial é entender o real impacto da compensação. Com aportes a partir de R$ 5, o usuário escolhe projetos em diversas frentes, como viveiros de mudas, cultivo de plantas medicinais, aquisição de internet por satélite, equipamentos para brigadas contra incêndios e turismo étnico para rituais de cura e convívio com comunidades, por exemplo. A plataforma prevê o cadastro de pelo menos 30 mil investidores individuais, na expectativa de impactar 10 mil famílias em 2026 com renda-média mensal de R$ 3,5 mil.
O terceiro produto da 3Agro é o Navegador de Sustentabilidade, no qual o alvo são empresas. O sistema mapeou 150 legislações voltadas ao tema no mundo, de forma a prestar consultoria a corporações sobre como se adaptar às normativas e compensar a pegada ambiental com efetividade e transparência. “A construção de confiança sobre os impactos dos investimentos é um dos principais ativos em jogo”, enfatiza Taynaah, que se prepara para fazer eco do novo modelo mundo afora. “Muitas pessoas estão completamente desconectadas da natureza e não sabem que suas decisões impactam o meio ambiente”.
“Pelas minhas origens”, completa a empreendedora, “resgatar sabedorias ancestrais é uma missão, um desafio que requer solução tecnológica complexa, capital e assistência técnica para evoluir e sensibilizar as pessoas. Não basta plantar árvores, mas semear corações, melhorar condições de vida e segurança alimentar para que as pessoas que protegem a floresta permaneçam de pé junto com ela”.
Ao integrar o programa Sinergia Investimentos, da Jornada Amazônia, a 3Agro conectou-se a potenciais investidores que têm propósitos de impacto positivo e iniciou trocas com outras startups para possíveis parcerias no futuro. A empreendedora é taxativa: “Não queremos reinventar a roda; o trabalho em rede é chave porque não conseguiremos fazer tudo isso sozinhos”.

