Inovações em bioeconomia se multiplicam no rastro das conexões entre novas startups, negócios comunitários, políticas públicas e modelos de investimento adequados à realidade da floresta. Instituições dinamizadoras desse caminho, como a Jornada Amazônia, se tornam estratégicas para fomentar negócios, superar desafios de mercado e alcançar relevância econômica para o desenvolvimento sustentável em cenário de mudança climática.
A União Internacional para a Conservação da Natureza (IUNC) define ecossistema como “o conjunto de organismos vivos e elementos não vivos que interagem em um determinado ambiente como uma unidade funcional”. Inclui plantas, animais, microrganismos, água, solo, luz e clima – cada um influenciando as propriedades do outro, todos essenciais à manutenção da vida tal como existe na Terra. O conceito, criado pelo botânico inglês Arthur George Tansley em 1935, nasceu da natureza – e hoje, 90 anos depois, opera a favor dela, adaptado ao mundo da bioeconomia inovadora na Amazônia.
Nesse ambiente de múltiplos atores, governos, instituições de ciência e tecnologia, financiadores, investidores, startups, grandes empresas, negócios comunitários, ONGs e outras organizações de fomento interagem sob os holofotes da emergência do clima e da biodiversidade. O ponteiro dessas conexões, dizem analistas, marca a atual efervescência de talentos e visão empreendedora para a competitividade da floresta em pé, com inclusão socioprodutiva.
Em cenário pós-COP30 de Belém, quando foram anunciadas novas políticas e fontes de investimento em soluções climáticas baseadas na natureza, a expectativa é a inovação voltada ao uso sustentável da biodiversidade atingir um patamar sem precedentes na Amazônia. “O desafio climático contribui na convergência de visões sobre inovação e florestas, e mobiliza soluções no sentido de transformar potencial em realidade de mercado para produtos e serviços, a partir das pessoas”, afirma Marcos Da-Ré, diretor de economia verde da Fundação Certi.
Próximo ao marco de mil startups
Mapeamento da Jornada Amazônia, iniciativa da Fundação Certi que trabalha na ativação de talentos e negócios, constrói pontes para acesso a mercados e dinamiza a bioeconomia inovadora, revela que o número de startups de bioeconomia cresceu quatro vezes desde 2018 e se aproxima ao marco histórico dos mil empreendimentos na região. Ao ritmo atual, a projeção é alcançar 2,3 mil até 2030, na construção de amplo portfólio para investidores, protagonismo local e uma maior conexão com grandes empresas que apostam na produção sustentável como centro do negócio, para além da filantropia.
“Precisamos de grandes cases inovadores de sucesso para demonstrar ao mercado que é possível atingir padrões de relevância na bioeconomia”, destaca Da-Ré. Na trajetória evolutiva dos negócios – da ideação à tração e escala – “90% deles ainda estão em fase de desenvolvimento de produtos, e se não aproveitarmos esse momento perderemos o potencial transformador”.
Entre 2023 e 2025, os programas da Jornada Amazônia apoiaram 3 mil talentos, além de 104 novos negócios em bioeconomia criados e fortalecidos, principalmente nos segmentos de Alimentos e Bebidas, Tecnologia da Informação e Comunicação, Florestal, Cosméticos, Serviços, Máquinas e Equipamentos, Fármacos e Fitofármacos. São startups de perfil jovem, faturamento crescente e tendência de uma maior intensidade tecnológica. Os dados apontam um processo de interiorização, com surgimento de novos produtos em cooperativas e negócios comunitários.
A inovação viabiliza uma maior diversificação, com mais possibilidades de uso para produtos da floresta, como tem demonstrado os indicadores. “O quadro atual mostra a vitalidade do ecossistema e o dinamismo da região”, ressalta Janice Maciel, coordenadora executiva da Jornada Amazônia.
A dimensão da diversidade, marcante na riqueza biológica e na cultura dos povos amazônicos, se destaca também nos negócios da bioeconomia. “Isso resulta de uma linhagem de empreendedores mais capilarizada, que também inclui uma forte presença de mulheres na liderança – e essa variedade de perfis é crucial, pois amplia perspectivas e proporciona soluções mais adaptáveis às complexas realidades locais”, analisa Maciel.
Um parque de inovação inédito em Belém
Um retrato dessa onda evolutiva está no Parque de Inovação e Bioeconomia da Amazônia, em Belém, inaugurado pelo governo do Pará como legado da COP30, em parceria de gestão e cooperação técnica com da Fundação Certi. A estrutura ocupa antigos armazéns portuários revitalizados, à frente da Baía de Guajará, com espaços para coworking, eventos e atividades formativas para novos negócios. No local, um laboratório-fábrica inédito no País, com equipamentos modernos compartilhados por empreendedores, permite o desenvolvimento e testes de produtos nos padrões necessários ao mercado.
Ao representar uma das ações do Plano Estadual de Bioeconomia do Pará, com investimentos de R$ 300 milhões, o parque tem a expectativa de abranger cerca de 300 startups, cooperativas e grandes empresas nos próximos anos, de modo a identificar oportunidades para explorar melhor as suas potencialidades, em conexão com tecnologias e investidores. A iniciativa se viabiliza por meio da expertise da Jornada Amazônia em sua rede de talentos e negócios, reduzindo barreiras que dificultam a chegada de bioinovações às gôndolas e fortalecendo o ecossistema da bioeconomia em evolução.
“O momento é muito propício à integração de agendas e suas competências para novo salto nesta trajetória”, ressalta Thyago Gatto, analista de mercados do Sebrae, que mapeou a existência de mais de 2,7 mil startups dos vários setores da economia na Amazônia Legal – 70% nas fases iniciais do negócio. Segmentos ligados à biodiversidade, como alimentos e bebidas, aparecem em destaque.
“É visível a maturidade do setor, evidenciada pela expansão de comunidades de inovação – como o Tucuju Valley (Amapá) e o Tambaqui Valley (Rondônia) – e por outros movimentos de conexão, a exemplo da Rede de Inovação do Baixo Amazonas, em Santarém (PA)”, pontua Gatto. Ele conclui: O desafio agora é firmar a base de startups já construída, de forma que possam prosperar pela capacidade técnica e qualidade dos produtos”, observa Gatto.
O Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia (PNDBio), lançado na COP30, estabelece conceitos, prioridades e meios de implementação, em cenário regulatório agora mais propício à tomada de decisões de fomento e investimentos, com possíveis reflexos na maturidade do ecossistema rumo a um estágio de maior relevância na economia do País.
O potencial da bioeconomia do conhecimento
Estudo do International Chamber of Commerce (ICC Brasil) revela que a “bioeconomia do conhecimento”, que integra ciência, tecnologia, saberes tradicionais e biodiversidade, pode gerar até US$ 140 bilhões para o País em ativos industriais até 2032. A análise, realizada com apoio técnico das consultorias Emerge Brasil e Systemiq, enfatiza que “o Brasil tem a maior biodiversidade do mundo, figura entre os quinze maiores produtores de ciência e lidera cadeias produtivas globais, como a agropecuária e a bioenergia. Ainda assim, grande parte da fauna e flora permanece desconhecida ou desvalorizada”.
“É necessária maior articulação da academia com o setor produtivo, aproximando atores que ainda não conversam entre si”, destaca Sandro Percário, coordenador da Rede Bionorte, iniciativa criada em 2008 pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) para o desenvolvimento sustentável da Amazônia, com 45 universidades, agências de fomento à pesquisa.
Entre outros pontos, busca-se maior participação dos 28 Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) espalhados na região no papel de mediar a transferência de tecnologias ao mercado. “Hoje só há duas patentes concedidas e negociadas com empresas por instituições amazônicas”, revela Percário, também professor da Universidade Federal do Pará (UFPA).
No Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Biotecnologia da Rede Bionorte, 611 alunos cursam atualmente doutorado em nove capitais e outros 35 municípios da Amazônia Legal, onde está sendo criada uma plataforma para suporte técnico a estudos de mercado e gestão de projetos junto a pesquisadores com visão de maior proximidade aos negócios. No cenário de interações, parceria com a Jornada Amazônia contribui na capacitação desse público em empreendedorismo para soltar amarras e prosperar na bioeconomia.
“O Brasil tem uma das maiores produções científicas do mundo, sem que isso reflita na geração de novos produtos e soluções básicas à população brasileira. As dissertações de tese precisam sair da biblioteca”, reforça José Carlos Tavares, pesquisador da Universidade Federal do Amapá e cofundador da startup Ages Bioactive. Ao captar R$ 10 milhões de investimentos, R$ 3,8 milhões da gestora de fundos KTPL, a empresa desenvolve componentes nutracêuticos a partir de plantas amazônicas, de olho no mercado de saúde e bem-estar no envelhecimento.
Com faturamento de R$ 1,5 milhão por mês, a startup tem como carro-chefe de vendas o bioativo extraído do trevo-vermelho e do açaí, destinado a evitar dores na menopausa. Outro produto, à base de urucum, já aprovado em ensaios clínicos para registro como medicamento contra doenças osteomusculares, deverá ter patente negociada junto a multinacionais farmacêuticas. “As interações no ecossistema evoluíram, mas precisam melhorar, porque a indústria possui tempos diferentes e exige rapidez como sinônimo de competividade”, acrescenta Tavares, apoiado pela Jornada Amazônia no modelo de negócio.
Arranjos inovadores
“Integração é fundamental para juntarmos papeis complementares, otimizar recursos e investimentos e ter mais resultados na escala necessária”, concorda Carlos Koury, diretor de inovação em bioeconomia do Idesam, instituição que coordena o Programa Prioritário de Bioeconomia (PPBio). O mecanismo da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) repassa investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) que as empresas são obrigadas a realizar em contrapartida dos incentivos fiscais.
A iniciativa mobilizou até hoje mais de R$ 190 milhões, com 41 empresas investidoras e 92 projetos já finalizados ou em execução no Amazonas, Amapá, Roraima, Rondônia e Acre. “Uma nova etapa da bioeconomia inovadora está chegando, com a necessidade de melhores indicadores, inclusão de negócios comunitários, expansão de biotecnologias, suporte a mercado e maior esforço dos estados da região para a efetiva promoção da bioinovação”, diz Koury.
Como reflexo dessa demanda, cerca de R$ 100 milhões da Finep, agência vinculada ao MCTI, estão sendo investidos na criação de 17 parques tecnológicos do Norte e Nordeste, entre os quais se destaca uma nova estrutura com linha de produção de bioinsumos compartilhada por startups na parceria do Idesam e Fundação Paulo Feitosa, em Manaus.
Melhores condições produtivas com plantas industriais compactadas, crédito para agregar valor a produtos e novos hubs de startups inovadoras são termômetros do atual movimento em torno da bioeconomia. “O setor já começa a atrair parcerias pela oportunidade de negócio e não pela causa”, observa Paulo Reis, presidente da Assobio, associação que reúne 128 pequenos e médios empreendimentos com cadeias produtivas da sociobioeconomia baseadas na Amazônia.
Conexões com a sociedade
A Assobio mapeou R$ 1 bilhão de investimentos já disponíveis para bioeconomia, mas permanece o desafio de olhar além do curto prazo e entender melhor o mercado para a conquista de espaço nas gôndolas. O impacto dos hábitos de consumo para manter a floresta em pé depende de uma maior sensibilização da sociedade.
Segundo pesquisa idealizada pela Assobio em parceria com a FutureBrand São Paulo, com financiamento do Fundo Vale, os brasileiros ainda veem a Amazônia como uma realidade distante, misteriosa e pouco conectada ao cotidiano. Os dados revelam que 42% dos entrevistados têm total interesse na compra de produtos da bioeconomia amazônica, mas 54% dizem não encontrá-los na região onde vivem.
“Qualquer novidade tem um custo e a bioeconomia precisa de incentivos como tiveram outros setores que se desenvolveram no País tiveram, a exemplo do automotivo, petróleo e gás, agronegócio, aviação e têxtil”, enfatiza Reis. Ele reivindica equipara o ICMS da bioeconomia (19%) ao que incide sobre a carne bovina (1%) nos estados da Amazônia.
A hora e a vez dos negócios comunitários
No nível federal, a base das cadeias produtivas na floresta busca maior fôlego com o lançamento do programa Prospera Sociobio, no qual o Ministério do Meio Ambiente (MMA) direcionará parcerias de R$ 120 milhões para impulsionar seis núcleos regionais de desenvolvimento e colocar as comunidades tradicionais no centro da bioeconomia na Amazônia. A iniciativa reunirá lideranças locais, instituições de ciência e tecnologia, cooperativas e outros atores na estratégia de definir ações para melhorias estruturais nos territórios, acesso a recursos e políticas públicas já existentes e aumento da capacidade logística.
Qualificar e expandir negócios comunitários, com aumento de escala, melhorias técnicas e autonomia no contexto das realidades locais, concentra atenções na bioeconomia. Na visão de Pedro Frizzo, diretor de operações na Conexsus, “é estratégico fortalecer organizações que surgiram da esteira de políticas públicas de combate ao desmatamento e segurança alimentar, e o caminho passa por ativar parcerias em soluções financeiras, inovação e conexões com o mercado nos setores onde as economias locais se inserem”.
Em 2024 a Conexsus mapeou as conexões de 60 negócios de 181 instituições de base nas comunidades e constatou que, das mais de 400 interações identificadas, menos de 5% abrangiam soluções inovadoras junto a universidades e empresas, por exemplo. Como desdobramento do diagnóstico, foi estabelecida parceria com a Jornada Amazônia, no âmbito da iniciativa Biorama, para construir 10 cases de bioeconomia em conexão com startups nas cadeias produtivas do açaí, castanha, cupuaçu e sementes oleaginosas.
A ideia é aproximar atores tradicionalmente distantes, gerando protótipos de soluções com potencial de investimento. “Queremos desenvolver uma nova geração de negócios comunitários sólidos, conectados ao ecossistema de inovação para canalizar capital de fomento, arranjos comerciais com empresas e novos usos de produtos em processos industriais”, revela Frizzo. Desta forma, o ecossistema se retroalimenta e avança na diversidade até atingir um caminho sem volta com prosperidade para a floresta em pé.

