O negócio que aposta na qualidade do produto na natureza e inova para abrir nicho de mercado
Açaí não é tudo igual. A ciência já comprovou que o fruto in natura pode apresentar perdas no sabor e teor nutricional após a colheita, a depender do tempo até a fabricação da polpa congelada a ser distribuída ao mercado. Dá para imaginar o tamanho do desafio, diante das dificuldades de logística em longas distâncias e de estruturas produtivas compatíveis com regras de qualidade em muitas regiões da Amazônia. Ao identificar o gargalo, a empreendedora Anelise Stahl, à frente da startup Maçaix, vê oportunidades e aposta no negócio em torno das soluções, com maior renda para os extrativistas e valorização da floresta em pé.

“Promovemos boas práticas nas comunidades ao longo da cadeia produtiva para oferecer os reais atributos do fruto, criando e desenvolvendo o mercado de açaí premium de especialidades, assim como ocorreu no Brasil e no mundo com os cafés, vinhos e azeite de oliva”, revela Stahl, participante o programa Sinergia Investimentos, no âmbito da Jornada Amazônia, no qual teve apoio na articulação com atores do ecossistema de inovação para explorar o novo nicho de mercado.
Grande parte do açaí consumido no País, na forma de commodity, é adquirida pelas indústrias junto a atravessadores, muitas vezes sem considerar o tempo de degradação do fruto in natura. Segundo pesquisas da Embrapa, 48 horas após a colheita o produto e suas propriedades já se encontram completamente degradados – em apenas 12 horas, as alterações começam a ocorrer.
Na garantia da qualidade, o centro das atenções está na principal categoria de nutrientes do açaí, as antocianinas – potentes antioxidantes que neutralizam radicais livres e trazem diversos benefícios à saúde. Com a estratégia de criar o selo de açaí de colheita especial, a startup buscou parceria com a Embrapii e a Universidade Federal do Pará para o desenvolvimento de um método instantâneo para medir a concentração de antocianina. Isso se fará por um aplicativo de celular manuseado pelos ribeirinhos: bastará apontar a câmera para o fruto e obter o resultado quanto a possíveis perdas do nutriente antes do processamento em polpa.
“Nascemos com o propósito de enxergar o açaí com outros olhos”
Após um passado de negócios associando marcas, comportamento e sustentabilidade em Santa Catarina, Stahl descobriu um novo campo de oportunidades quando provou pela primeira vez o açaí na Amazônia, em comunidade ribeirinha do Amapá. “Foi um choque constatar aqueles sabores autênticos, tão diferentes do açaí modificado que consumimos no Sul”, conta a empresária. Ela chegou a abrir uma rede de franquia, mas depois da pandemia optou por mudar a estratégia para atingir um público mais cativo que entende a proposta de conexão com a Amazônia.

Com fábricas em São Paulo, a Maçaix adquire o açaí congelado junto a fornecedores amazônicos com estruturas de beneficiamento próximas das áreas de colheita, aumentando a rapidez e reduzindo riscos de deterioração no transporte do fruto. Com a polpa de alta qualidade, são produzidos blends de sorbet exportados principalmente para o Chile, Espanha e Portugal – no total, 20 toneladas mensais. No Brasil, o produto é vendido por ecommerce, além de operações de showroom mantidas pela empresa em Belo Horizonte, Porto Alegre e São Paulo.
“Falta maior maturidade e percepção do mercado interno de que o açaí tem diferenças”, avalia Stahl, com planos ambiciosos no exterior. Até 2034, a empresa busca liderar o segmento de açaí de especialidade, com potencial de representar 3% do setor como um todo no mundo. Em 2024, o mercado global de açaí atingiu US$ 1,6 bilhão e a projeção é chegar a US$ 3,4 bilhões em dez anos. “Nossa meta é de um faturamento mensal de R$ 1,69 milhão até fevereiro de 2029 (57 t/mês), consolidando posição no mercado viável e escalável”, estima a empreendedora. Nesta trajetória, há potencial econômico de inovações em subprodutos, a exemplo de um poderoso extrato antioxidante obtido do caroço de açaí, já patenteado pela empresa em cooperação com o Instituto Nacional de Tecnologia (INT).

Com a expansão do mercado externo e o impulso do selo de qualidade, a expectativa é de duplicar ou até triplicar o valor agregado do produto, com benefícios para as comunidades. Como política de preços justos, os produtores extrativistas recebem hoje 15% a mais que os valores normalmente pagos por atravessadores sem considerar boas práticas. “Nascemos com o propósito de enxergar o açaí com outros olhos”, reforça Stahl.
Para garantir os atributos de sustentabilidade e evoluir na nova fronteira do açaí, a Maçaix homologa fornecedores de polpa que operam próximos às comunidades como a Tribo Superfoods – startup de Igarapé-Miri (PA), especializada em entregar os melhores ingredientes e insumos da biodiversidade para a fabricação de produtos por outras empresas. Capacitação e organização dos produtores, certificação orgânica e de qualidade, eliminação de trabalho infantil, preço justo e rastreabilidade são as principais frentes de ação. A origem do açaí em agrofloresta, com diversificação de espécies vegetais, implica em rendimento de polpa superior ao da monocultura.
“Garantir o tempo entre colheita e indústria de no máximo 12 horas para o produto não perder cor, aroma, paladar e nutrientes é fundamental”, afirma Maurício Pantoja, CEO da empresa, que também participou do programa Sinergia Investimentos, onde estabeleceu conexões com a Maçaix, para a qual venderá 120 toneladas nas safras 2025-2026. Ambas integram agora o Parque de Inovação e Bioeconomia da Amazônia, criado pelo governo do Pará, em Belém.
É um trabalho difícil e complexo, pois requer aproximação com produtores rurais e extrativistas para engajamento em técnicas que nunca adotaram antes”, completa Pantoja, com clientes também no Nordeste e no Espírito Santo, e vendas de açaí em pó para a Dinamarca.

