Pesquisadores divergem sobre o real benefício do etanol extraído da celulose, enquanto programas apostam na tecnologia para reforçar o protagonismo do Brasil em biocombustíveis
Por Alessandra Pereira
Uma travessia pelo Estado de São Paulo é como cruzar imenso canavial. Pouco tempo atrás, as plantações de cana-de-açúcar ainda se revezavam com as de soja e um tanto de pastagens. Agora, grande parte do gado pasta em outros campos, enquanto a cana se alterna com mais cana, em sucessivas paisagens monotônicas.
Inevitável pensar no conflito alimentos versus energia.Não é de hoje a tecnologia que busca extrair etanol da celulose, em um processo que vai muito além da fermentação da sacarose – chamado de primeira geração, pelo qual se alimenta a frota de veículos flex fuel no Brasil, a partir do caldo da cana. Condições adversas como as dos alemães na Segunda Guerra Mundialos levaram a desenvolver técnicas para retirar álcool da madeira. Nos dias de hoje, a guerra é com um mundo de recursos naturais finitos e a busca de novas, abundantes e menos poluentes fontes de energia. Que ocupem menos espaços, necessários para produzir alimentos e preservar a vegetação nativa, reduzam os impactos ambientais e promovam ganhos para os detentores dessa tecnologia e seus produtores.
O pulo-do-gato, portanto, estaria nas novas gerações do etanol, extraído da planta inteira – de qualquer espécie -, a partir da quebra da cadeia da celulose e das moléculas que a recobrem (a hemicelulose), em formas mais simples de açúcares, aproveitados em seguida no processo de fermentação. No caso da cana, permitirá dobrar a produção de álcool com a mesma área plantada.
Essa quebra pode ocorrer por meio de ácidos – hidrólise ácida, conhecida como de segunda geração – ou de enzimas – hidrólise enzimática, chamada de terceira geração (ver infográfico). Nesses dois casos, em lugar do uso de apenas um terço do potencial energético de uma planta como a cana, aproveitam-se a totalidade, incluindo-se então o bagaço e a palha. Resíduos da produção de alimentos também podem se converter em energia, jogando por terra o conflito entre as duas grandes demandas da humanidade.
As técnicas são conhecidas, mas persiste o desafio de torná-las economicamente viáveis.Há ainda uma quarta geração a ser desenvolvida, em que as plantas são manipuladas geneticamente para promover, elas mesmas, a quebra da celulose. Outro campo de pesquisa é o mapa genético de fungos, para torná-los capazes de produzir, em maior quantidade, enzimas necessárias para digerir a celulose.
Ignacy Sachs, ecossocioeconomista da École des Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris, vislumbra essas tecnologias como aliadas na criação de um novo modo de organização produtiva, em que sistemas integrados de diversos tipos de cultura resultam em mais energia e alimentos de forma socialmente includente, com criação de mercados e empregos, e ambientalmente correta, capaz de gerar um modelo inovador e sustentável muito além da velha monocultura.
Para ele, o etanol celulósico é a grande revolução tecnológica dos próximos anos. “A possibilidade de aproveitar todos os resíduos vegetais, as árvores e as gramíneas de crescimento rápido para a produção do etanol celulósico reduz drasticamente a pressão dos biocombustíveis sobre os solos agricultáveis escassos.” E o Brasil, diz, tem capacidade para assumir um papel proativo no debate sobre o futuro dos biocombustíveis e demonstrar a compatibilidade da expansão da produção com a segurança alimentar em nível mundial.
Sem consenso
Entretanto, outros especialistas questionam se as novas ge- rações do etanol são tão promissoras como parecem e o quanto valeria a pena o Brasil apostar nelas. Luiz Horta Nogueira, professor da Universidade Federal de Itajubá, sul de Minas Gerais, é um dos que defendem que o uso do bagaço da cana na produção de mais etanol não seja prioridade para o País. Para ele, o aproveitamento da planta para gerar energia elétrica é uma alternativa mais interessante. “O principal mercado para o etanol brasileiro ainda é o interno, cuja demanda já é atendida, enquanto o Brasil tem problemas mais graves a resolver, como a oferta de energia elétrica.” Hoje, a maioria das usinas queima o bagaço para a produção interna de energia elétrica. E uma parcela menor, apenas 3% das usinas representadas pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), vende o excedente para a rede. Por enquanto, a energia gerada à base do bagaço e da palha da cana representa 3% da matriz elétrica brasileira, mas a expectativa da Unica é de que chegue a 15% nos próximos oito anos. Segundo Nogueira, que estuda o tema há 20 anos, a opção pelo uso da cana na produção de etanol de segunda geração também não se justifica em termos econômicos: daqui a uma década, estima, o custo do etanol de celulose será parecido com o do álcool ‘convencional’, produzido à base de caldo da cana.
“Não digo que não devemos pesquisar o etanol celulósico. Mas sou receoso em afirmar que essa é uma saída para o Brasil”, diz Nogueira. “A agenda do etanol é americana e européia. Vamos atrás por colonizados que somos”, completa.
Para Fernando Reinach, diretor da Votorantim Novos Negócios, a discussão deveria estar centrada em se o etanol será o combustível de preferência e se o melhor uso para o bagaço e a palha é realmente a fabricação de álcool. “Não é consenso no País de que esta seja a melhor opção”, afirma.
Segundo ele, no Brasil, as tecnologias de produção de energia elétrica e a de etanol de celulose vão competir pelo uso do bagaço da cana. A vantagem do uso para a bioeletricidade é que a tecnologia já existe. A escolha dependerá ainda da política de energia brasileira para os próximos anos. “Do ponto de vista ambiental, é preferível usar a cana para gerar energia limpa e renovável a utilizar energia nuclear ou petróleo.” Há ainda outra questão, de fundo comercial. Para que ampliar tanto a produção de etanol, recorrendo-se às novas gerações tecnológicas, se o Brasil não consegue exportar o excedente, diante de barreiras tarifárias nos EUA e exigências socioambientais européias, só para citar alguns embaraços? O fracasso da Rodada de Doha frustrou ainda mais as negociações do Itamaraty pela queda de barreiras ao álcool. Haverá tanta demanda interna pelo combustível que justifique o aumento da produção?
“É estratégia brasileira transformar o etanol em commodity global e ter mais produtores e consumidores”, responde Esdras Sundfeld, chefe de Pesquisa e Desenvolvi- mento da Embrapa Agroenergia.
Outra justificativa vem da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp): “O maior interesse mundial pelo etanol impulsiona o aumento da produção,
o que traz desafios na busca de maior produtividade e novos processos de conversão para entender e superar impactos ambientais, econômicos e sociais”, anunciou a entidade, ao divulgar o lança- mento do Programa de Pesquisa em Bioenergia (Bioen).
O programa representa um salto nas pesquisas realizadas no País sobre etanol celulósico. É fruto de uma ação conjunta entre a Fapesp, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e a empresa Dedini, que deverão investir R$ 173 milhões de recursos em pesquisas até
2013. Entre os principais objetivos estão obter o etanol a um custo competitivo, o melhoramento genético da cana para aumentar a produtividade e a avaliação dos impactos econômicos, sociais e ambientais dos biocombustíveis.
Outra iniciativa, considerada estratégica pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, é a criação do Centro de Tecnologia do Bioetanol (CTBE), a ser construído a partir de setembro em Cam- pinas e vinculado ao Laboratório Nacional de Luz Síncrotron. O CTBE vai instalar uma planta piloto para o desenvolvimento da pesquisa em hidrólise enzimática.
O País também busca, nos vizinhos, aliados no desenvolvimen- to tecnológico. Pesquisadores brasileiros, da Argentina, da Bolívia, do Chile, do Paraguai e do Uruguai, pertencentes a instituições vinculadas ao Programa Cooperativo para o Desenvolvimento Tecnológico, Agroalimentar e Agroindustrial do Cone Sul (Procisur), reuniram-se pela primeira vez em meados de julho para discutir a articulação de uma agenda regional de pesquisa e desenvolvimento de etanol lignocelulósico – ou seja, à base de bagaço de cana-de- açúcar, de resíduos florestais e biomassa de gramíneas.
Um dos objetivos do encontro foicolocar em contato os institutos de pesquisa agropecuária desses países. Até março de 2009, o grupo deve fazer um levantamento detalhado das capacidades de pesquisa em cada membro, para depois defi nir uma agenda de Pesquisa & Desenvolvimento comum a toda a região – estima Sundfeld, da Embrapa Agroenergia, órgão que vaicoordenar as atividades no Brasil. O grupo se reunirá no- vamente em março. “Esse é um tema de interesse para o Cone Sul e prioritário para o País”, afirma.
Espaço para todos
A despeito das barreiras comerciais vivenciadas hoje pelo Brasil, Marcos Buckeridge, do Instituto de Biociências da USP e um dos coordenadores do Bioen, acredita que o potencial do etanol celulósico está na produção de um combustível limpo, que substitua gradativamente os de origem fóssil, como a gasolina.
“O mercado é tão grande que nem o Brasil nem os EUA conseguirão produzir tudo o que será necessário no futuro”, pondera. “A oportunidade para o País deve ir além de fabricar bioetanol, e incluir a venda das tecnologias que viabilizarão a produção, como o desenvolvimento de enzimas e os processos de hidrólise ácida e enzimática”, prevê.
Embora haja uma competição com os EUA no desenvolvimento da tecnologia e busca das patentes, alguns cientistas americanos e brasileiros têm trabalhado em cooperação. Em junho passado, pesquisadores do Bioen reuniram-se com americanos e mexicanos, em Mérida, no México, para discutir o futuro da bioenergia nas Américas. Em 2010, será a vez de São Paulo sediar o evento. Somente em 2007, os EUA investiram cerca de US$ 1 bilhão, mil vezes mais do que o Brasil.
“Mesmo que a tecnologia seja desenvolvida fora do País, será aplicada aqui no Brasil”, afirma Fernando Reinach. “É o país mais viável para a produção de etanol de celulose, porque nossa principal matéria-prima, o bagaço da cana, está disponível em maior quantidade e é mais barata do que outras, como milho e beterraba”.
A empresa brasileira Dedini foi a pioneira em hidrólise ácida (segunda geração), ao patentear, em 1995, a Dedini Hidrólise Rápida (DHR), mas que ainda não é viável comercialmente. A expectativa da Dedini é torná-la disponível em escala industrial em quatro anos. O País, no entanto, ainda tem um longo caminho a percorrer na terceira (hidrólise enzimática) e quarta gerações. Para esta última, falta seqüenciar o genoma completo da cana-de-açúcar e mapear os genes da parede celular da planta, tecnologia que não estará disponível antes de dez anos, estima Buckeridge.
O nó da madeira
Enquanto boa parte dos cientistas e da indústria aposta no bagaço e na palha da cana, um grupo de pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP) dedica-se a estudar diferentes espécies de eucalipto para a produção de etanol de celulose. “O eucalipto é potencialmente mais viável que o bagaço da cana”, diz Carlos Labate, professor do Departamento de Genética. Labate cita as duas principais vantagens.
O eucalipto tem mais biomassa: 20 a 25 toneladas de massa seca ao ano por hectare cultivado, ante as 10 a 12 toneladas por hectare/ano da cana. A quantidade de açúcares fermentáveis que se transformarão em álcool também é duas vezes maior nesse tipo de árvore do que na cana-de-açúcar.
Algumas empresas de biotecnologia e do setor de papel estão investindo na produção de árvores transgênicas, que produziriam mais celulose e seriam fonte de biocombustíveis. No Brasil, a Aracruz Celulose informou, por meio da assessoria de imprensa, que iniciou análises nesse campo, mas por enquanto não há o que divulgar.
Na última Conferência das Partes (COP9), realizada em maio na Alemanha, ONGs protestaram contra a decisão dos países signatários da Convenção da Diversidade Biológica da ONU de manter pesquisas e produção de árvores transgênicas, já que os riscos do cultivo desse tipo de plantação são desconhecidos. Bem menos polêmica é a busca de fontes de etanol em sementes de árvores nativas introduzidas nas plantações de cana, uma das linhas de pesquisa do Bioen. “Vamos produzir bioetanol e ao mesmo tempo regenerar a biodiversidade”, diz Buckeridge, do Instituto de Biociências.
Pesquisadores divergem sobre o real benefício do etanol extraído da celulose, enquanto programas apostam na tecnologia para reforçar o protagonismo do Brasil em biocombustíveis
Uma travessia pelo Estado de São Paulo é como cruzar imenso canavial. Pouco tempo atrás, as plantações de cana-de-açúcar ainda se revezavam com as de soja e um tanto de pastagens. Agora, grande parte do gado pasta em outros campos, enquanto a cana se alterna com mais cana, em sucessivas paisagens monotônicas.
Inevitável pensar no conflito alimentos versus energia. Não é de hoje a tecnologia que busca extrair etanol da celulose, em um processo que vai muito além da fermentação da sacarose – chamado de primeira geração, pelo qual se alimenta a frota de veículos flex fuel no Brasil, a partir do caldo da cana. Condições adversas como as dos alemães na Segunda Guerra Mundial os levaram a desenvolver técnicas para retirar álcool da madeira. Nos dias de hoje, a guerra é com um mundo de recursos naturais finitos e a busca de novas, abundantes e menos poluentes fontes de energia. Que ocupem menos espaços, necessários para produzir alimentos e preservar a vegetação nativa, reduzam os impactos ambientais e promovam ganhos para os detentores dessa tecnologia e seus produtores.
O pulo-do-gato, portanto, estaria nas novas gerações do etanol, extraído da planta inteira – de qualquer espécie -, a partir da quebra da cadeia da celulose e das moléculas que a recobrem (a hemicelulose), em formas mais simples de açúcares, aproveitados em seguida no processo de fermentação. No caso da cana, permitirá dobrar a produção de álcool com a mesma área plantada.
Essa quebra pode ocorrer por meio de ácidos – hidrólise ácida, conhecida como de segunda geração – ou de enzimas – hidrólise enzimática, chamada de terceira geração (ver infográfico). Nesses dois casos, em lugar do uso de apenas um terço do potencial energético de uma planta como a cana, aproveita-se a totalidade, incluindo-se então o bagaço e a palha. Resíduos da produção de alimentos também podem se converter em energia, jogando por terra o conflito entre as duas grandes demandas da humanidade.
As técnicas são conhecidas, mas persiste o desafio de torná-las economicamente viáveis.Há ainda uma quarta geração a ser desenvolvida, em que as plantas são manipuladas geneticamente para promover, elas mesmas, a quebra da celulose. Outro campo de pesquisa é o mapa genético de fungos, para torná-los capazes de produzir, em maior quantidade, enzimas necessárias para digerir a celulose.
Ignacy Sachs, ecossocioeconomista da École des Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris, vislumbra essas tecnologias como aliadas na criação de um novo modo de organização produtiva, em que sistemas integrados de diversos tipos de cultura resultam em mais energia e alimentos de forma socialmente includente, com criação de mercados e empregos, e ambientalmente correta, capaz de gerar um modelo inovador e sustentável muito além da velha monocultura.
Para ele, o etanol celulósico é a grande revolução tecnológica dos próximos anos. “A possibilidade de aproveitar todos os resíduos vegetais, as árvores e as gramíneas de crescimento rápido para a produção do etanol celulósico reduz drasticamente a pressão dos biocombustíveis sobre os solos agricultáveis escassos.” E o Brasil, diz, tem capacidade para assumir um papel proativo no debate sobre o futuro dos biocombustíveis e demonstrar a compatibilidade da expansão da produção com a segurança alimentar em nível mundial.
SEM CONSENSO
Entretanto, outros especialistas questionam se as novas gerações do etanol são tão promissoras como parecem e o quanto valeria a pena o Brasil apostar nelas. Luiz Horta Nogueira, professor da Universidade Federal de Itajubá, sul de Minas Gerais, é um dos que defendem que o uso do bagaço da cana na produção de mais etanol não seja prioridade para o País. Para ele, o aproveitamento da planta para gerar energia elétrica é uma alternativa mais interessante. “O principal mercado para o etanol brasileiro ainda é o interno, cuja demanda já é atendida, enquanto o Brasil tem problemas mais graves a resolver, como a oferta de energia elétrica.” Hoje, a maioria das usinas queima o bagaço para a produção interna de energia elétrica. E uma parcela menor, apenas 3% das usinas representadas pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), vende o excedente para a rede. Por enquanto, a energia gerada à base do bagaço e da palha da cana representa 3% da matriz elétrica brasileira, mas a expectativa da Unica é de que chegue a 15% nos próximos oito anos. Segundo Nogueira, que estuda o tema há 20 anos, a opção pelo uso da cana na produção de etanol de segunda geração também não se justifica em termos econômicos: daqui a uma década, estima, o custo do etanol de celulose será parecido com o do álcool ‘convencional’, produzido à base de caldo da cana.
“Não digo que não devemos pesquisar o etanol celulósico. Mas sou receoso em afirmar que essa é uma saída para o Brasil”, diz Nogueira. “A agenda do etanol é americana e europeia. Vamos atrás por colonizados que somos”, completa.
Para Fernando Reinach, diretor da Votorantim Novos Negócios, a discussão deveria estar centrada em se o etanol será o combustível de preferência e se o melhor uso para o bagaço e a palha é realmente a fabricação de álcool. “Não é consenso no País de que esta seja a melhor opção”, afirma.
Segundo ele, no Brasil, as tecnologias de produção de energia elétrica e a de etanol de celulose vão competir pelo uso do bagaço da cana. A vantagem do uso para a bioeletricidade é que a tecnologia já existe. A escolha dependerá ainda da política de energia brasileira para os próximos anos. “Do ponto de vista ambiental, é preferível usar a cana para gerar energia limpa e renovável a utilizar energia nuclear ou petróleo.” Há ainda outra questão, de fundo comercial. Para que ampliar tanto a produção de etanol, recorrendo-se às novas gerações tecnológicas, se o Brasil não consegue exportar o excedente, diante de barreiras tarifárias nos EUA e exigências socioambientais europeias, só para citar alguns embaraços? O fracasso da Rodada de Doha frustrou ainda mais as negociações do Itamaraty pela queda de barreiras ao álcool. Haverá tanta demanda interna pelo combustível que justifique o aumento da produção?
“É estratégia brasileira transformar o etanol em commodity global e ter mais produtores e consumidores”, responde Esdras Sundfeld, chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Agroenergia.
Outra justificativa vem da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp): “O maior interesse mundial pelo etanol impulsiona o aumento da produção, o que traz desafios na busca de maior produtividade e novos processos de conversão para entender e superar impactos ambientais, econômicos e sociais”, anunciou a entidade, ao divulgar o lançamento do Programa de Pesquisa em Bioenergia (Bioen).
O programa representa um salto nas pesquisas realizadas no País sobre etanol celulósico. É fruto de uma ação conjunta entre a Fapesp, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e a empresa Dedini, que deverão investir R$ 173 milhões de recursos em pesquisas até 2013. Entre os principais objetivos estão obter o etanol a um custo competitivo, o melhoramento genético da cana para aumentar a produtividade e a avaliação dos impactos econômicos, sociais e ambientais dos biocombustíveis.
Outra iniciativa, considerada estratégica pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, é a criação do Centro de Tecnologia do Bioetanol (CTBE), a ser construído a partir de setembro em Campinas e vinculado ao Laboratório Nacional de Luz Síncrotron. O CTBE vai instalar uma planta piloto para o desenvolvimento da pesquisa em hidrólise enzimática.
O País também busca, nos vizinhos, aliados no desenvolvimento tecnológico. Pesquisadores brasileiros, da Argentina, da Bolívia, do Chile, do Paraguai e do Uruguai, pertencentes a instituições vinculadas ao Programa Cooperativo para o Desenvolvimento Tecnológico, Agroalimentar e Agroindustrial do Cone Sul (Procisur), reuniram-se pela primeira vez em meados de julho para discutir a articulação de uma agenda regional de pesquisa e desenvolvimento de etanol lignocelulósico – ou seja, à base de bagaço de cana-de-açúcar, de resíduos florestais e biomassa de gramíneas.
Um dos objetivos do encontro foi colocar em contato os institutos de pesquisa agropecuária desses países. Até março de 2009, o grupo deve fazer um levantamento detalhado das capacidades de pesquisa em cada membro, para depois definir uma agenda de Pesquisa & Desenvolvimento comum a toda a região – estima Sundfeld, da Embrapa Agroenergia, órgão que vai coordenar as atividades no Brasil. O grupo se reunirá novamente em março. “Esse é um tema de interesse para o Cone Sul e prioritário para o País”, afirma.
ESPAÇO PARA TODOS
A despeito das barreiras comerciais vivenciadas hoje pelo Brasil, Marcos Buckeridge, do Instituto de Biociências da USP e um dos coordenadores do Bioen, acredita que o potencial do etanol celulósico está na produção de um combustível limpo, que substitua gradativamente os de origem fóssil, como a gasolina.
“O mercado é tão grande que nem o Brasil nem os EUA conseguirão produzir tudo o que será necessário no futuro”, pondera. “A oportunidade para o País deve ir além de fabricar bioetanol, e incluir a venda das tecnologias que viabilizarão a produção, como o desenvolvimento de enzimas e os processos de hidrólise ácida e enzimática”, prevê.
Embora haja uma competição com os EUA no desenvolvimento da tecnologia e busca das patentes, alguns cientistas americanos e brasileiros têm trabalhado em cooperação. Em junho passado, pesquisadores do Bioen reuniram-se com americanos e mexicanos, em Mérida, no México, para discutir o futuro da bioenergia nas Américas. Em 2010, será a vez de São Paulo sediar o evento. Somente em 2007, os EUA investiram cerca de US$ 1 bilhão, mil vezes mais do que o Brasil.
“Mesmo que a tecnologia seja desenvolvida fora do País, será aplicada aqui no Brasil”, afirma Fernando Reinach. “É o país mais viável para a produção de etanol de celulose, porque nossa principal matéria-prima, o bagaço da cana, está disponível em maior quantidade e é mais barata do que outras, como milho e beterraba”.
A empresa brasileira Dedini foi a pioneira em hidrólise ácida (segunda geração), ao patentear, em 1995, a Dedini Hidrólise Rápida (DHR), mas que ainda não é viável comercialmente. A expectativa da Dedini é torná-la disponível em escala industrial em quatro anos. O País, no entanto, ainda tem um longo caminho a percorrer na terceira (hidrólise enzimática) e quarta gerações. Para esta última, falta seqüenciar o genoma completo da cana-de-açúcar e mapear os genes da parede celular da planta, tecnologia que não estará disponível antes de dez anos, estima Buckeridge.
O NÓ DA MADEIRA
Enquanto boa parte dos cientistas e da indústria aposta no bagaço e na palha da cana, um grupo de pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP) dedica-se a estudar diferentes espécies de eucalipto para a produção de etanol de celulose. “O eucalipto é potencialmente mais viável que o bagaço da cana”, diz Carlos Labate, professor do Departamento de Genética. Labate cita as duas principais vantagens.
O eucalipto tem mais biomassa: 20 a 25 toneladas de massa seca ao ano por hectare cultivado, ante as 10 a 12 toneladas por hectare/ano da cana. A quantidade de açúcares fermentáveis que se transformarão em álcool também é duas vezes maior nesse tipo de árvore do que na cana-de-açúcar.
Algumas empresas de biotecnologia e do setor de papel estão investindo na produção de árvores transgênicas, que produziriam mais celulose e seriam fonte de biocombustíveis. No Brasil, a Aracruz Celulose informou, por meio da assessoria de imprensa, que iniciou análises nesse campo, mas por enquanto não há o que divulgar.
Na última Conferência das Partes (COP9), realizada em maio na Alemanha, ONGs protestaram contra a decisão dos países signatários da Convenção da Diversidade Biológica da ONU de manter pesquisas e produção de árvores transgênicas, já que os riscos do cultivo desse tipo de plantação são desconhecidos. Bem menos polêmica é a busca de fontes de etanol em sementes de árvores nativas introduzidas nas plantações de cana, uma das linhas de pesquisa do Bioen. “Vamos produzir bioetanol e ao mesmo tempo regenerar a biodiversidade”, diz Buckeridge, do Instituto de Biociências.
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