Só mesmo a pé para acompanhar as aparições verdes pela cidade. Pois o tempo que uma muda precisa para crescer nada tem a ver com a velocidade no asfalto
Faz pouco mais de um mês que a gente notou uns buracos retangulares na calçada de uma rua da vizinhança. Estranhamos um pouco no começo, mas logo entramos na torcida para que aquilo fosse o ensaio de um canteiro. Depois de alguns dias de suspense, apareceram as esperadas mudas de árvores. Mesmo secas de dar dó, sem nenhum raminho verde, fizeram a alegria do nosso passeio matinal. De lá para cá, tem sido uma emoção cruzar a tal rua e cada folha nova vira motivo de festa.
E só mesmo andando a pé para conseguir acompanhar as tímidas aparições verdes pelo caminho. Porque o tempo que uma muda precisa para crescer nada tem a ver com a velocidade dos carros zunindo no asfalto. Sorte a nossa, ainda existem mãos jardineiras com calma para cuidar das plantas que resistem sob a fumaceira. Há quem cuide delas por conta própria, pelo prazer de ter onde pisar com os pés descalços, e tem quem faça do nobre ofício o seu ganha-pão.
O paranaense Nelson Singer, 54 anos, já tinha aprendido com a mãe a gostar de jardins, mas ficou mais detalhista depois de fazer um minicurso [1] oferecido pela Prefeitura de São Paulo, em meados do ano passado. Há mais de 30 anos ele saiu de Pinhais, sua cidade natal com nome de árvore, para viver em São Paulo, a metrópole cimentada. Plantando uma muda aqui, recolhendo um lixo ali, ele fez ressurgir uma convidativa pracinha em plena Rua da Glória, diante de todo o caos e charme do bairro da Liberdade.
Enquanto alcança uma bola para devolver às crianças que brincam na grama ao lado, conta que o termômetro de qualidade da praça é a quantidade de babás que hoje levam bebês para passear de manhã. “Antes tinha o maior matagal e o pessoal que gosta da pedrinha (de crack) também andava muito por aqui”, lembra.
Outros 50 jardineiros são contratados pela Prefeitura para cuidar das áreas verdes do Centro e de mais 15 subprefeituras. Ex-moradores de rua e jovens sem perspectivas integram o grupo, no qual só entram desempregados com renda familiar de até meio salário mínimo. Depois de selecionados, os zeladores descobrem como fazer milagre não só com as plantas, mas com a bolsa de R$ 572,25 recebida pelo projeto, que tem duração máxima de dois anos.
Nelson mesmo completa a renda com bicos semanais na feira de carros do Anhembi e, de vez em quando, ainda improvisa uma limpeza no jardim da delegacia que fica em frente à praça. Morador de um abrigo municipal, ele faz amizade com aposentados que passeiam entre os canteiros, enquanto pensa no próprio futuro. “Tenho que arrumar alguma coisa melhor quando o programa acabar, ou então dar um jeito de ganhar na Sena”, sorri.
Piquenique
Ao passo que o trabalho dos zeladores precisa de mais fôlego para se fazer notar, outras vizinhanças arregaçam as mangas para ver brotar árvores em suas esquinas. Quem passear pelos bairros da Lapa, Alto de Pinheiros, Vila Romana e Vila Anglo, por exemplo, pode se surpreender com pequenas ilhas verdes, graças à mobilização dos próprios moradores.
A primeira a tomar uma atitude foi Alice, uma menina de 4 anos que queria festejar o aniversário na praça perto de casa. A ideia pareceu tão boa que a mãe resolveu trocar os presentes tradicionais por um parquinho novo para o espaço. Convocou amigos, empresas e a subprefeitura local e conseguiu realizar o desejo da aniversariante. Com o sucesso da empreitada, a turma começou a se reunir para ocupar mais duas praças próximas, num movimento que ganhou o simpático nome de Boa Praça.
Hoje, eles se encontram todo último domingo do mês num piquenique comunitário que tem troca de livros, projeção de filmes e ações para revitalizar os espaços. “Quando a gente termina o evento, a praça tem que estar melhor do que quando começamos”, explica Ricardo Ferraz, jornalista e integrante do movimento. Ele observa que a maioria das praças da cidade está malconservada, porque pouca gente frequenta. Ao mesmo tempo, ninguém frequenta justamente porque elas estão abandonadas. “Tentamos romper esse ciclo”, diz.
Ao se conhecer melhor, os vizinhos da região perceberam a vontade comum de ter mais espaços de convivência e partiram juntos para a ação. “Queremos que outras comunidades se organizem e sejam capazes de fazer por suas praças o que a gente faz pelas nossas”, completa Ferraz. Tem sentido: num ambiente hostil como o das grandes cidades, a nós resta tentar preencher qualquer cantinho com um pouco de vida. Depois, é hora de estender uma toalha xadrez pela grama e puxar o primeiro brinde.
*Jornalista. Nesta edição, substitui a colunista Daniela Gomes Pinto.