Para abordar a questão levantada no título, precisamos examinar três perguntas. O que é ser sustentável? A que distância está o etanol dessa condição? O que faremos para chegar lá? Nenhum produto ou empresa pode sustentar-se isoladamente. É preciso que sua cadeia de valor se sustente. Por sua vez, a cadeia de valor depende da sociedade. E a sociedade, de quem depende? Dos sistemas naturais. Já que tudo está interligado, ser sustentável no caso do etanol é contribuir com a sociedade, ajudando-a a respeitar as regras do jogo do planeta. Se o uso do combustível de cana nos ajudar, que se fortaleça cada vez mais.
Além de viável economicamente, nosso etanol é menos poluente, pode ser produzido com razoável preservação da biodiversidade e até, em alguma medida, provir da agricultura familiar – temos exemplos no Brasil. E a questão da segurança alimentar? Vejamos alguns números: os canaviais ocupam o equivalente a 1% da área das propriedades rurais, 2,3% das áreas de pastagem, 5% da área cultivada nacional e 0,5% da superfície total do País.
Considerando a subutilização das áreas agrícolas, há ainda bastante espaço para crescer sem afetar a disponibilidade de alimento. E o desmatamento? Pelos mesmos números, vemos que o etanol pode aumentar muito apenas em áreas agrícolas subutilizadas, sem avançar sobre a mata.
E como saberemos a que distância da sustentabilidade está nossa produção de etanol? Para responder a esta segunda pergunta, precisamos de sistemas de certificação que identifiquem o que ocorre nos sistemas produtivos. Apesar da superioridade do álcool de cana-de-açúcar em relação ao de outras culturas, a postura dos produtores não é homogênea. Há fazendas ecologicamente tão ajustadas que chegam a atrair e abrigar animais ameaçados. Mas não são muitas.
Algumas usinas preparam os funcionários para a crescente mecanização. Outras, porém, nem os registram. Há ainda as denúncias de trabalho análogo ao de escravo que continuam a surgir em diversos setores do agronegócio e incluem o de etanol.
Alguns produtores mantêm áreas de reserva e preservação, respeitando a lei. Outros a combatem. A redução ou mesmo a eliminação do uso de agrotóxicos ocorre, mas não é regra. Em resumo, para o consumidor saber o que está comprando só há uma solução: conhecer a origem do produto. A melhor forma de fazê-lo? Exigindo certificado.
Vários institutos de pesquisa, empresas privadas, mesas-redondas e governos vêm se envolvendo na qualificação da produção de etanol. Os critérios da mesa-redonda organizada pela Escola Politécnica Federal de Lausanne, por exemplo, abrangem os biocombustíveis de forma genérica e, com isso, contemplam o etanol.
Os critérios Better Sugar Cane Initiative (BSI), com uma boa diversidade de participantes, tratam da cana-de- açúcar. A organização não governamental Rainforest Alliance estabeleceu critérios para o tema, definidos com muito cuidado. O Inmetro também tem desenvolvido um sistema com a participação de especialistas renomados. Quanto ao benefício climático do etanol brasileiro, o professor Isaias Macedo, do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe), da Unicamp, mostrou que é inigualável. Além disso, algumas iniciativas empresariais trazem transparência a esse mercado. Entre os muitos critérios já existentes ou por nascer, ainda não se sabe qual será adotado de forma ampla.
Mas algum deles nos ajudará a conhecer a distância que separa a produção de etanol da sustentabilidade, caso a caso.
Como estamos falando em soluções, vamos à terceira pergunta: qual a estratégia para chegar à sustentabilidade? Vejamos três pontos importantes: para que os sistemas de certificação sejam de fato aplicados, o fator fundamental é a demanda. É preciso que os compradores exerçam a responsabilidade de procurar etanol de acordo com certas características, sob os pontos de vista de qualidade do produto e da produção.
Quanto mais diversas as partes envolvidas na definição dos critérios para atestar a qualidade, tanto melhor. Para oferecer seus benefícios às prementes questões de energia e clima, o etanol precisa ser usado de forma ampla. Ou seja, tornar-se uma commodity global.
Além disso, um mercado internacional grande e sustentado beneficiaria o Brasil, que exportaria mais etanol e tecnologia. Se ajudasse, portanto, países da África e da América Latina a produzir o álcool com critérios de sustentabilidade, o Brasil estrategicamente ajudaria a si mesmo. Ao mesmo tempo, alguns dos povos mais sofridos do mundo teriam grande oportunidade de melhorar suas condições econômicas e de vida. O clima do planeta agradeceria.
Os europeus questionam a sustentabilidade do nosso etanol, aparentemente tentando defender o produtor local, cujos custos são muito altos. Os suecos, porém, sugerem uma estratégia tributária interessante para resolver o impasse: manter os impostos de importação quando o etanol brasileiro servir à mistura obrigatória na gasolina, mas eliminá-los quando abastecer carros flex. Dessa forma, o produtor europeu teria proteção em uma grande fatia do mercado e o produtor brasileiro, por sua vez, teria isenção tarifária para atender o mercado em outra fatia que tende a crescer muito: o de automóveis bicombustíveis na Europa.
Essa divisão tornaria o debate técnico, pois as questões de proteção de mercado seriam tratadas no âmbito tributário. Responder às três perguntas do primeiro parágrafo é fundamental. As respostas serão sempre complexas, multifacetadas e multidisciplinares. O Brasil pode destacar-se ainda mais como potência na produção, uso e exportação de etanol, mas precisa encarar a sustentabilidade de frente, com coragem.
*Leciona no MBA de Gestão da Sustentabilidade da FGV e é sócio-diretor da consultoria Eternare