Implantação de parques em áreas estratégicas e pomares nos corredores urbanos buscam reverter o domínio do cinza na capital paulista e atrair novas espécies de aves
Por Ana Cristina D’Angelo
De fora, todo mundo acha que não há. Mas quem está em São Paulo – para pegar o exemplo de um grande centro urbano – sabe que sim, pássaros podem te acordar de manhã e – como não – há belas árvores nas ruas.
A questão é que, tendo em vista a repetição neste país, há uma desigualdade na distribuição da natureza na cidade e a velha dificuldade de manutenção dos espaços verdes que vão abrigar as aves e outras vidas que não somente a da buzina estridente ou a da fumaça de carro.
São Paulo existe com todos seus problemas e barulhos. E como a cidade é alvo quando a discussão é sobre poluição e aglomeração urbana, não são poucos também os esforços no sentido da mudança. A cobertura vegetal da cidade corresponde a 21% do seu território, mas esse número é zero em muitas regiões, o que provoca ilhas de calor, bolsões já citados no premonitório e catastrofista Não Verás País Nenhum, de Ignácio de Loyola Brandão.
O Programa 100 Parques, da prefeitura paulistana, é um esforço para ampliação do verde nos limites urbanos. Em janeiro de 2008 foi feito um levantamento das áreas que poderiam ser transformadas em parques e que careciam de espaço público. Foram implantados até agora 17: três na Zona Oeste, sete na Leste, três na Norte e quatro na Sul. No passado, o ritmo de iniciativas como esta era desanimador. Entre 1915 e 1960, somente três parques foram criados em São Paulo, justamente quando a população subiu para cerca de 3 milhões de habitantes.
“São Paulo nunca teve diminuição do espaço público – que engloba praças, parques, áreas de preservação -, o problema é a manutenção; os lugares ficam degenerados pelo uso excessivo”, diz o professor Silvio Soares Macedo, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Junto com alunos e bolsistas da universidade, Macedo desenvolve o projeto Quapá, que pretende ser um banco de dados sobre parques, praças e calçadões do Brasil.
Sobre a capital paulista, o professor comenta que há diferenças nas gestões dos parques e praças. Há alguns que podem ser exemplares, como o Parque da Juventude e o Villa-Lobos. Praças que poderiam ser geniais, como a que fica próxima ao Teatro Cacilda Becker e outras na região do Butantã, estão praticamente abandonadas. Na construção do banco de dados, Macedo e os alunos também anotam os diferentes usos dos espaços públicos.
No Centro da cidade, parques e praças conservam a cultura do encontro, enquanto nos bairros os espaços adquiriram uma funcionalidade: local de prática de esportes, lazer para as crianças, passeio com o cachorro. Em ambos os casos, há de ser considerado o uso do espaço de maneira não planejada pelos sem-teto, usuários de droga e marginais.
No tópico sobre as calçadas, o Quapá aponta uma mudança que pode interessar ao cidadão. Havia uma lei que determinava a largura de 1,5 metro, a prefeitura cumpria e o pedestre andava apertado. Agora a medida passou para 2,5 metros o que, segundo o professor, caminha na direção de voltarmos a chamar o pavimento de passeio, como falavam os mais velhos. Ele considera ideal a largura de 3 a 4 metros.
Um pomar no rio na Marginal Pinheiros, o projeto Pomar Urbano chama a atenção pela ousadia: devolver a flora e fauna a uma das regiões mais poluídas e movimentadas da cidade. O projeto completou dez anos em janeiro e é mantido com dinheiro público e privado. Empresas interessadas adotam trechos da margem do rio e implantam o pomar com apoio técnico do governo; a mão de- obra é formada por bolsistas, que recebem treinamento para a jardinagem. A ideia é plantar árvores que possam atrair aves que viviam na região anteriormente.
Essa arborização adequada, com espécies nativas, realmente estimula e muito a presença das aves, diz o biólogo Guto Carvalho, da Avistar Brasil – Encontro Brasileiro de Observação de Aves. “Um conceito importante é a criação de corredores de fauna nas cidades, usando, por exemplo, as marginais ou as avenidas, devidamente arborizadas em conjunto com os parques, que contribuem com a movimentação, busca por alimento e migração das aves”.
A despeito dos programas de arborização urbana, Carvalho chama a atenção para a abordagem em conjunto com as empresas de eletricidade, que disputam o espaço aéreo com as árvores. “Normalmente as concessionárias precisariam de mais consciência com relação à arborização urbana, a trabalhar projetos de pesquisa de espécies adequadas, ou passar a usar fiação subterrânea.” A conscientização das pessoas, acrescenta Guto, também é ponto importante. Pequenos canteiros e jardins atraem as aves e facilitam a reprodução de algumas delas. No Pomar Urbano, alunos de escolas e interessados em geral podem fazer visitas, pesquisar tipos de árvores e receber orientações dos especialistas.
Uma das espécies que estão se reproduzindo em São Paulo, por exemplo, é o papagaio-verdadeiro, ave natural de biomas como Cerrado e Pantanal. Segundo Guto, isso é fruto de escapes de cativeiros. Outras dignas de nota são as maritacas, cuja população tem crescido bastante na cidade. “Foram introduzidas como resultado de solturas e se estabeleceram no meio urbano, frequentando frutíferas, paineiras e diferentes árvores. São barulhentas e passam todo dia nos mesmos horários pelos céus da cidade”, diz.
Além disso, a cidade recebe costumeira visita do falcão peregrino, um vagante predador que voa pelo mundo todo a procura de suas presas. Gosta de uma pombinha. O carcará é outra espécie comum, ave de rapina grande, com um bico laranja e com ponta da asa branca, o que facilita sua identificação.
No entanto, a destruição de Mata Atlântica e Cerrado no Estado provocou o desaparecimento de inúmeras espécies. O alerta é do professor da Unesp Edwin Willis, pesquisador e autor de um livro sobre as aves do Estado de São Paulo. “Pegamos literatura e os museus disponíveis, além da observação in loco, e construímos a publicação. É possível saber que muitas espécies simplesmente sumiram com o crescimento da capital e outras começaram a se proliferar mais rápido que o normal”, aponta.
Willis agora estuda o comportamento das aves nas fronteiras das cidades, as rotas de fuga e reprodução das espécies. Para melhor observação das aves em São Paulo, Guto Carvalho aconselha acordar cedo, período em que as aves estão mais ativas. “Quando o sol começa a esquentar, vão se escondendo”, explica. Quem não tem um parque na vizinhança pode observar aves atraindo-as para perto de casa. Fazer um jardim ou plantar uma árvore na calçada agradará pássaros e gente.
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Focos de Jardinagem – Pipocam movimento s para criar jardins, hortas e mutirões ecológicos
Mudar a paisagem urbana sem esperar muitos recursos que não as próprias mãos, e tendo em mente a ideia de ocupação e embelezamento das cidades. Os movimentos de jardinagem libertária pipocam pelo globo e têm os registros e divulgação das ações na internet.
O primeiro grupo que inspirou ações semelhantes foi o Guerrilla Gardening (www.guerrillagardening.org), do britânico Richard Reynolds. Em 2004, começou a plantar flores, à noite, secretamente, em áreas proibidas ou cercadas de Londres. Usou a web para registrar seus feitos, ensinar e incentivar essa espécie de guerrilha com plantas. O site virou um ponto de encontro de interessados do mundo inteiro que também compartilham seus bombardeios de flores. Reynolds escreveu um livro com dicas do que cresce nos terrenos baldios e de como mudar a cara da sua redondeza.
No Brasil, a ideia ganhou a versão Jardinagem Libertária (www.jardinagemlibertaria.wordpress.com). Um dos grupos mais atuantes é de Curitiba, que propõe mutirões ecológicos, bicicletadas, manejo de hortas e confecção de mudas. No site também há histórias interessantes de jardinagens libertárias de outros tempos, da ligação de escritores e pensadores com o tema, além de cursos e eventos para os guerrilheiros das plantas.
Implantação de parques em áreas estratégicas e pomares nos corredores urbanos buscam reverter o domínio do cinza na capital paulista e atrair novas espécies de aves
De fora, todo mundo acha que não há. Mas quem está em São Paulo – para pegar o exemplo de um grande centro urbano – sabe que sim, pássaros podem te acordar de manhã e – como não – há belas árvores nas ruas.
A questão é que, tendo em vista a repetição neste país, há uma desigualdade na distribuição da natureza na cidade e a velha dificuldade de manutenção dos espaços verdes que vão abrigar as aves e outras vidas que não somente a da buzina estridente ou a da fumaça de carro.
São Paulo existe com todos seus problemas e barulhos. E como a cidade é alvo quando a discussão é sobre poluição e aglomeração urbana, não são poucos também os esforços no sentido da mudança. A cobertura vegetal da cidade corresponde a 21% do seu território, mas esse número é zero em muitas regiões, o que provoca ilhas de calor, bolsões já citados no premonitório e catastrofista Não Verás País Nenhum, de Ignácio de Loyola Brandão.
O Programa 100 Parques, da prefeitura paulistana, é um esforço para ampliação do verde nos limites urbanos. Em janeiro de 2008 foi feito um levantamento das áreas que poderiam ser transformadas em parques e que careciam de espaço público. Foram implantados até agora 17: três na Zona Oeste, sete na Leste, três na Norte e quatro na Sul. No passado, o ritmo de iniciativas como esta era desanimador. Entre 1915 e 1960, somente três parques foram criados em São Paulo, justamente quando a população subiu para cerca de 3 milhões de habitantes.
“São Paulo nunca teve diminuição do espaço público – que engloba praças, parques, áreas de preservação -, o problema é a manutenção; os lugares ficam degenerados pelo uso excessivo”, diz o professor Silvio Soares Macedo, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Junto com alunos e bolsistas da universidade, Macedo desenvolve o projeto Quapá, que pretende ser um banco de dados sobre parques, praças e calçadões do Brasil.
Sobre a capital paulista, o professor comenta que há diferenças nas gestões dos parques e praças. Há alguns que podem ser exemplares, como o Parque da Juventude e o Villa-Lobos. Praças que poderiam ser geniais, como a que fica próxima ao Teatro Cacilda Becker e outras na região do Butantã, estão praticamente abandonadas. Na construção do banco de dados, Macedo e os alunos também anotam os diferentes usos dos espaços públicos.
No Centro da cidade, parques e praças conservam a cultura do encontro, enquanto nos bairros os espaços adquiriram uma funcionalidade: local de prática de esportes, lazer para as crianças, passeio com o cachorro. Em ambos os casos, há de ser considerado o uso do espaço de maneira não planejada pelos sem-teto, usuários de droga e marginais.
No tópico sobre as calçadas, o Quapá aponta uma mudança que pode interessar ao cidadão. Havia uma lei que determinava a largura de 1,5 metro, a prefeitura cumpria e o pedestre andava apertado. Agora a medida passou para 2,5 metros o que, segundo o professor, caminha na direção de voltarmos a chamar o pavimento de passeio, como falavam os mais velhos. Ele considera ideal a largura de 3 a 4 metros.
Um pomar no rio na Marginal Pinheiros, o projeto Pomar Urbano chama a atenção pela ousadia: devolver a flora e fauna a uma das regiões mais poluídas e movimentadas da cidade. O projeto completou dez anos em janeiro e é mantido com dinheiro público e privado. Empresas interessadas adotam trechos da margem do rio e implantam o pomar com apoio técnico do governo; a mão de- obra é formada por bolsistas, que recebem treinamento para a jardinagem. A ideia é plantar árvores que possam atrair aves que viviam na região anteriormente.
Essa arborização adequada, com espécies nativas, realmente estimula e muito a presença das aves, diz o biólogo Guto Carvalho, da Avistar Brasil – Encontro Brasileiro de Observação de Aves. “Um conceito importante é a criação de corredores de fauna nas cidades, usando, por exemplo, as marginais ou as avenidas, devidamente arborizadas em conjunto com os parques, que contribuem com a movimentação, busca por alimento e migração das aves”.
A despeito dos programas de arborização urbana, Carvalho chama a atenção para a abordagem em conjunto com as empresas de eletricidade, que disputam o espaço aéreo com as árvores. “Normalmente as concessionárias precisariam de mais consciência com relação à arborização urbana, a trabalhar projetos de pesquisa de espécies adequadas, ou passar a usar fiação subterrânea.” A conscientização das pessoas, acrescenta Guto, também é ponto importante. Pequenos canteiros e jardins atraem as aves e facilitam a reprodução de algumas delas. No Pomar Urbano, alunos de escolas e interessados em geral podem fazer visitas, pesquisar tipos de árvores e receber orientações dos especialistas.
Uma das espécies que estão se reproduzindo em São Paulo, por exemplo, é o papagaio-verdadeiro, ave natural de biomas como Cerrado e Pantanal. Segundo Guto, isso é fruto de escapes de cativeiros. Outras dignas de nota são as maritacas, cuja população tem crescido bastante na cidade. “Foram introduzidas como resultado de solturas e se estabeleceram no meio urbano, frequentando frutíferas, paineiras e diferentes árvores. São barulhentas e passam todo dia nos mesmos horários pelos céus da cidade”, diz.
Além disso, a cidade recebe costumeira visita do falcão peregrino, um vagante predador que voa pelo mundo todo a procura de suas presas. Gosta de uma pombinha. O carcará é outra espécie comum, ave de rapina grande, com um bico laranja e com ponta da asa branca, o que facilita sua identificação.
No entanto, a destruição de Mata Atlântica e Cerrado no Estado provocou o desaparecimento de inúmeras espécies. O alerta é do professor da Unesp Edwin Willis, pesquisador e autor de um livro sobre as aves do Estado de São Paulo. “Pegamos literatura e os museus disponíveis, além da observação in loco, e construímos a publicação. É possível saber que muitas espécies simplesmente sumiram com o crescimento da capital e outras começaram a se proliferar mais rápido que o normal”, aponta.
Willis agora estuda o comportamento das aves nas fronteiras das cidades, as rotas de fuga e reprodução das espécies. Para melhor observação das aves em São Paulo, Guto Carvalho aconselha acordar cedo, período em que as aves estão mais ativas. “Quando o sol começa a esquentar, vão se escondendo”, explica. Quem não tem um parque na vizinhança pode observar aves atraindo-as para perto de casa. Fazer um jardim ou plantar uma árvore na calçada agradará pássaros e gente.
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Focos de Jardinagem – Pipocam movimento s para criar jardins, hortas e mutirões ecológicos
Mudar a paisagem urbana sem esperar muitos recursos que não as próprias mãos, e tendo em mente a ideia de ocupação e embelezamento das cidades. Os movimentos de jardinagem libertária pipocam pelo globo e têm os registros e divulgação das ações na internet.
O primeiro grupo que inspirou ações semelhantes foi o Guerrilla Gardening (www.guerrillagardening.org), do britânico Richard Reynolds. Em 2004, começou a plantar flores, à noite, secretamente, em áreas proibidas ou cercadas de Londres. Usou a web para registrar seus feitos, ensinar e incentivar essa espécie de guerrilha com plantas. O site virou um ponto de encontro de interessados do mundo inteiro que também compartilham seus bombardeios de flores. Reynolds escreveu um livro com dicas do que cresce nos terrenos baldios e de como mudar a cara da sua redondeza.
No Brasil, a ideia ganhou a versão Jardinagem Libertária. Um dos grupos mais atuantes é de Curitiba, que propõe mutirões ecológicos, bicicletadas, manejo de hortas e confecção de mudas. No site também há histórias interessantes de jardinagens libertárias de outros tempos, da ligação de escritores e pensadores com o tema, além de cursos e eventos para os guerrilheiros das plantas.
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