A falta de contato das crianças com a natureza pode comprometer futuros ambientalistas
Por Daniela Gomes Pinto*
Vivo recentemente um dos muitos dilemas da maternidade: proibir ou não a televisão para meu filho pequeno. Mas, ao liberar – em doses homeopáticas – seu acesso à TV, eu me deparei com uma situação peculiar. Tendo à sua disposição coelhos “fofinhos” pulando freneticamente para cima e para baixo no programa infantil Bunnyworld, ou podendo acompanhar o Mickey num mundo mais colorido que loja de tintas, meu filhote praticamente exige que a telinha esteja sempre ligada no canal Animal Planet.
É difícil acreditar que do alto de seus 2 anos de vida ele esteja tão interessado nos chimpanzés que vivem em cativeiro, ou no estômago invertido do bicho-preguiça, ou naquele inseto albino africano. Mas o fato é que o pequeno não desgruda os olhos desses bichos todos. Não sei se a TV é o ópio do povo, mas, ao menos lá em casa, o Animal Planet dá barato.
Não é novidade o interesse provocado por imagens de natureza. Nossas primeiras palavras estão invariavelmente associadas a um animal, mesmo nos bebês urbanos – ou vai me dizer que au-au não está entre as dez primeiras palavras pronunciadas pelo seu filho? A fascinação – de grandes e pequenos – por animais e plantas tem até explicação científica: a biofilia.
Formulada pelo biólogo Edward Wilson, seria uma ligação emocional cravada em nossos genes e transmitida pela história evolucionária da nossa relação íntima e dependente com outros seres vivos. Para alguns, a afinidade incluiria também a natureza não-viva, como rios e montanhas.
Eu gosto de pensar que meu menino, efemeramente preservado de videogames, orkuts e afins, tem um interesse adquirido de forma ancestral pelo ambiente natural. Mas essa “sina” hereditária por si só não garante que ele seja um conservacionista no futuro.
Inato vs. construído
Uma das atividades marcantes da minha época de faculdade foi levar crianças pré-adolescentes ao Vale do Ribeira. Elas enlouqueciam ao entrar numa caverna, com lama e água até a cintura. Sempre pensei que aquela experiência dramática, de escuro e frio, de adrenalina e medo, dizia mais que mil palavras sobre a preservação das cavernas.
Pesquisadores da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, investigaram 2 mil americanos para entender a relação entre experiências infantis na natureza e comportamentos ambientalistas dos futuros adultos. E descobriram que o envolvimento de determinada criança com a natureza “selvagem” – por meio de caminhadas pelas florestas, campings e contato com animais – teve um efeito positivo e significativo em sua relação com o meio ambiente na vida adulta. Ou seja, é a sensibilidade “construída” à base de experiências no mundo natural que poderiam influenciar para valer atitudes voltadas para a conservação.
Se as trajetórias pessoais moldam aquilo que um dia poderia nos ter sido “inato”, a industrialização e a urbanização, ao restringir nossas interações diretas com a natureza, podem desviar o caminho dos ambientalistas de amanhã.
Uma pesquisa feita pela entidade britânica National Trust revelou que as crianças de hoje passam tanto tempo trancadas em casa que o mundo natural se tornou algo estranho a elas. Um terço das crianças entre 10 e 12 anos que participaram da pesquisa não foicapaz de identificar um corvo, o pássaro mais comum da Grã-Bretanha. Metade não soube diferenciar uma abelha de uma vespa. Entretanto, nove entre dez crianças foram capazes de identificar o personagem Yoda, da série Guerra nas Estrelas.
Outra pesquisa, realizada pela Universidade de Cambridge e publicada na revista Science, investigou o conhecimento de crianças de 4 a 11 anos sobre plantas e mamíferos e “espécies” do desenho Pokémon. A identificação de espécies do mundo natural foi baixa e cresceu de 32% aos 4 anos para 53% aos 8 anos. Já a identificação de Pokémons – que incluía observar dez cartões randomicamente selecionados em uma base de 150 “espécies”! – disparou, de 7% em crianças de 4 anos para 78% nas de 8 anos.
A pesquisa evidencia que crianças têm uma capacidade admirável de aprender sobre “criaturas”, naturais ou não. Mas, por terem poucas oportunidades de conhecer espécies reais, elas acabam desviando sua atenção para as virtuais, mais presentes em seu dia-a-dia.
Se as crianças têm um gosto inato de estarem próximas da natureza, deveríamos envolvê-las mais em estratégias inovadoras de aprendizado. Ajudá-las a construir, valendo-se do inato, uma trajetória de envolvimento e respeito pelo mundo natural.
De minha parte, adoro o mestre Yoda e acho que, assim como os chimpanzés e os corvos, ele pode e deve fazer parte do universo do meu filho. Mas, enquanto não o levo às cavernas do Ribeira, não há mais dilema: vou lá ligar o Animal Planet.
*Jornalista, geóloga, e mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela London Schoolof Economics and Political Science