Mudar para um lugar desconhecido faz desaparecer as referências, os “pré-conceitos”, e abre outro mundo dentro de nós mesmos
Mudar não é fácil, mas mudança é sempre bom. É o que dizem. Pois no último mês fiz o que recomenda muito poema e livro de autoajuda: de uma só tacada, cortei o cabelo curto, mudei de cidade e comecei a aprender uma nova língua.
Mudar de cidade é um pouco como começar um namoro. Não como quando você está totalmente apaixonado, mas como quando você conhece uma pessoa e sente algo que ainda não sabe o que é, e se aproxima para ver no que vai dar. Você olha de soslaio, não exatamente desconfiado, mas tentando conhecer melhor aquele ser desconhecido ali na sua frente. E finge estar à vontade, quando na verdade está absolutamente perdido.
Quando você chega numa cidade nova, você não conhece nada, nem ninguém, não sabe ir à padaria e faz oito vezes o mesmo retorno e não chega na pista contrária. E que tal você aproveitar o momento para aprender uma nova língua? Recomendo. Aumenta ainda mais a dose de estranhamento e desconforto. Você balbucia feito um bebê e não completa uma simples frase. Seus desafios complexos da vida moderna de repente se restringem ao mais primitivo deles – a linguagem. E nossas cabeças racionais com nível superior completo piram quando a gente gagueja para contar até 10 ou não consegue formular uma pergunta decente para descobrir onde é o banheiro.
Mas chegar a um lugar desconhecido faz desaparecer suas referências das coisas e das pessoas e, com elas, seus “pré-conceitos”. E essa é uma experiência interessante. É um pouco como um gringo chegar na rua Helvetia [1] em São Paulo, e, achando lindas as antigas casas, pensar em morar ali. Diferente de um paulistano que olha para outro paulistano e, pelo andar, o jeito de vestir e falar, já desenha de cara um estereótipo – e como é difícil fugir de estereótipos.
[1] Rua da região do Centro de São Paulo conhecida como Cracolândia
Eu acho de uma enorme filosofia uma cena do filme Pretty Woman – sim, quele mesmo com a Julia Roberts e o Richard Gere –, quando ele a surpreende no banheiro escondendo alguma coisa. Nervoso e pensando ser drogas, ele a obriga a mostrar o que tem escondido. Ela charmosamente abre a mão, que revela uma caixinha de fio dental. Ele diz, estupefato: “É muito difícil alguém me surpreender”. No que ela responde, graciosa: “Que estranho, pois as pessoas me surpreendem o tempo todo!” Que maravilha essa o da duas visões de mundo, logo ali, no hollywood facinho.
Pois, quando está num lugar sem referências, você pode brincar de Julia Roberts. E as pessoas podem te surpreender o tempo todo. Porque, sem elementos, você não espera nada das pessoas. E isso abre seu mundo. Você puxa papo com quem jamais conversaria em sua cidade natal. Interessa-se pelo antes ininteressável. Seu olhar é atraído por coisas que você nem sabia que enxergava. Aos poucos, você mesmo vai começando a usar uma roupa que não usava, a fazer coisas que não fazia – que nem sequer sabia que sabia fazer.
Em uma cidade nova seus sentidos são aguçados sem você perceber. Se a cidade é mais ensolarada, o sol bate na sua pele e você o sente como da primeira vez. Se morava em um lugar barulhento e muda para uma região mais quieta, aquilo te traz mil significados, te remete a lembranças que você nem sabia que guardava. Outro dia perguntei, em um impulso de mãe irritada, ao meu filho de 5 anos: “Por que você não para de falar 1 minuto desde que a gente mudou para essa casa?!” “Porque eu tenho medo do silêncio, mãe.” Mudar apura teus sentidos para aquilo que você não sabia que estava lá.
Há muito tempo, fiz uma oficina de clown – que é um jeito sério de chamar o palhaço. E essa oficina de clown era de uma seriedade absoluta. O primeiro e inesquecível exercício era colocar o nariz de palhaço. Pode soar anedota, mas a experiência é marcante. Você não pega e simplesmente coloca o nariz. Você é levado a um processo de se imaginar enxergando o mundo pela primeira vez. E quando coloca o nariz vermelho, você olha tudo à sua volta como um bebê que acabou de nascer.
É a partir daí, dessa ideia absolutamente simples, que você começa a abrir-se para as possíveis e impossíveis palhaçadas que pode criar. Você se abre para uma parte nova de você.
Mudar de cidade é uma chancezinha, ainda que temporária, de nascer de novo.
[E o que isso tudo tem a ver com sustentabilidade? Aparentemente, nada. Eu só quis mudar o jeito de fazer essa coluna, desta vez.]
*Pesquisadora do GVces e mestre em Desenvolvimento Sustentável pela London School of Economics and Political Science