O turismo de natureza no Brasil cresce a olhos vistos. Mas, apesar dos impactos ambientais, ainda não se organizou para aliar lucros e conservação
O Brasil possui 22% da flora, 10% dos anfíbios e mamíferos e 17% das aves do mundo. Seus limites políticos englobam grande parte de uma das maiores florestas tropicais do planeta e 8.500 quilômetros de costa, com mais de 2 mil praias. Não para menos, o turismo tem batido recordes históricos, com a entrada de estrangeiros em níveis nunca vistos. Mas o País ainda não encarou o desafio de transformar esse ativo em um negócio sustentável, capaz de gerar um fluxo contínuo de receita que alie os lucros da exploração turística – que pode gerar impactos à natureza – com a conservação dos recursos naturais.
A prática do ecoturismo – que experimentou um boom no Brasil no início dos anos 90, revivido mais recentemente em conseqüência de um esforço de marketing em torno da ecologia e do turismo de aventura – não implica necessariamente a junção entre exploração e conservação.
A Organização Mundial do Turismo (OMT) estima que a modalidade ecológica cresça a uma taxa de 20% ao ano, quatro vezes mais do que a convencional. Apesar da robustez, o próprio conceito de ecoturismo permanece vago.
“Há provavelmente milhares de pousadas ecológicas no mundo e nenhum padrão”, diz Michael Jenkins, fundador do Forest Trends, uma entidade sem fins lucrativos com sede em Washington. “Cada uma delas tem padrões diferentes e maneiras diferentes de beneficiar a biodiversidade ou as comunidades da região.”
No Brasil, as primeiras tentativas de normatizar o setor ocorreram em 1994, quando a Empresa Brasileira de Turismo (Embratur), em parceria com a iniciativa privada, elaborou o documento “Diretrizes para uma Política Nacional de Ecoturismo”. Foi então que se definiu seu conceito oficial: “segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar das populações envolvidas”.
Alguns projetos para estimular o ecoturismo foram criados, entre eles o Conselho Brasileiro de Turismo Sustentável (CBTS) – que não prosperou – e o Proecotur, em andamento até hoje. Agências especializadas em ecoturismo surgiram e fecharam, outras se especializaram ainda mais, grandes operadoras entraram no setor e regras para normatização e certificação foram iniciadas. E o setor cresceu. O quanto? Não se sabe.
A ausência de dados por si só evidencia a falta de organização e de estratégia do setor. No ano passado, o País recebeu 6,7 milhões de passageiros provenientes de vôos internacionais – 10% a mais do que em 2004 -, que geraram faturamento recorde para o setor de turismo. Segundo o Banco Central, os estrangeiros deixaram US$ 3,861 bilhões no País, um aumento de 19,83% em relação a 2004. A Embratur afirma que boa parte do crescimento se deveu ao ecoturismo, mas o governo não possui números específicos sobre o segmento.
A evolução dos negócios relacionados ao turismo de natureza, entretanto, é visível. Basta checar a oferta de pacotes para destinos antes praticamente desconhecidos dos brasileiros, como o Jalapão, no Tocantins, ou os Lençóis Maranhenses. Mas na hora de agendar a viagem, olhando os folhetos das agências, ainda é muito difícil separar os destinos e as práticas ecológicas sustentáveis do que é apenas marketing.
“Até os grandes destinos de turismo de natureza no Brasil, como Bonito, no Mato Grosso do Sul, e a Chapada Diamantina, na Bahia, estão vendo o crescimento desordenado da atividade”, afirma o biólogo e mestre em turismo sustentável Sérgio Salvatti. Ele acrescenta que a implantação de aeroportos e grandes empreendimentos, sem a contrapartida em infra-estrutura básica de saneamento, saúde e educação, uso e ocupação do solo, assim como o envolvimento efetivo das comunidades receptoras, pode dar origem ao que chama de “ecoturismo de massa”.
A falta de articulação da cadeia como um todo mostra que o Brasil não só desperdiça a vantagem competitiva em relação a países onde a natureza é menos pródiga, como perde uma boa oportunidade de gerar recursos para a conservação de ecossistemas, serviços ambientais e biodiversidade.
Rômulo Santos, coordenador de implementação do Programa de Certificação em Turismo Sustentável (PCTS), do Instituto de Hospitalidade, diz que o Brasil está apenas começando a trilhar o rumo em que outros países ricos em biodiversidade apostaram. “A Costa Rica, por exemplo, tomou a decisão estratégica de apostar no ecoturismo há 40 anos”, lembra.
O ecoturismo é um dos pontos centrais no programa de pagamento por serviços ambientais da Costa Rica, que decolou a partir de 1997 e é considerado um dos mais exitosos do mundo. A chave está na idéia de “reconhecimento econômico”. Isto é, o Estado remunera financeiramente os proprietários de áreas naturais por quatro serviços que geram: mitigação do efeito de gases; proteção da água para uso urbano, rural e hidrelétrico; proteção da biodiversidade; e beleza cênica para fins turísticos e científicos.
Em 2006, cerca de US$ 60 milhões foram pagos pelo governo para proprietários de terra e outros US$ 825 milhões foram injetados na economia pelo ecoturismo.
A falta de organização em torno do ecoturismo, no caso brasileiro, tem efeitos não só para a natureza, mas também para as comunidades locais, lembra Roberta Cardoso. Autora de uma tese de doutorado sobre turismo sustentável que avaliou os impactos sobre as comunidades locais de dois resorts – o Praia do Forte Ecoresort e o Complexo Costa do Sauípe, ambos no litoral baiano -, ela aponta uma grande distância entre o discurso e a prática. “Eles (os resorts) praticam ações pontuais e assistencialistas que resultam em pouca, ou nenhuma, mudança positiva no bem-estar das comunidades”, diz.
É nesse cenário que entra em pauta um assunto controverso, envolvendo o Programa de Certificação em Turismo Sustentável — que conta com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), da Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), do Sebrae e do Ministério do Turismo. O objetivo é desenvolver um Sistema Brasileiro de Normas e de Certificação em turismo sustentável.
Em julho, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) aprovou a primeira regra para pequenos hotéis e pousadas. O texto traz parâmetros relativos à sustentabilidade dos empreendimentos de modo que sejam ambientalmente responsáveis, socialmente justos e economicamente viáveis. De acordo com Rômulo do Santos, 82 empresas estão em fase de implementação de sistemas de gestão e, até o fim de 2007, a meta é ter 565 meios de hospedagem nesse processo. A próxima fase é solicitar a certificação.
Para Alexandre Prado, gerente da Conservação Internacional Brasil, iniciativas desse tipo são positivas, mas só vão “pegar” quando houver mercado. “O ecoturismo no Brasil ainda está baseado no mercado interno, e os turistas nacionais não estão dispostos a pagar mais para ficar em destinos e hospedarias certificadas”, afirma.
Rômulo Santos discorda. Segundo ele, a certificação nem sempre significa custos mais altos para o turista. “Estudos comprovam que um funcionário treinado, por exemplo, diminui em 25% os custos de manutenção de um empreendimento. Há redução em outras áreas”, garante, e diz também que as 250 certificações para hotéis e pousadas desse segmento existentes no mundo mostram que cada vez mais as pessoas estão em busca de um reencontro com a natureza. “O consumidor que compra um produto orgânico, recicla o lixo, e busca o uso racional de recursos naturais, quer também um destino menos agressivo ao meio ambiente nas suas férias.”
Domingo no parque
As unidades de conservação precisam melhorar serviços para atrair turistas
O Brasil possui uma isca valiosa para atração de turistas: 61 parques nacionais de exuberante natureza. No entanto, apenas 23 estão abertos à visitação e só 15 têm infra-estrutura adequada. Nos demais, como a Chapada Diamantina e os Lençóis Maranhenses, o turismo se dá de modo desordenado.
“O ecoturismo em Unidades de Conservação (UCs) está em fase inicial no Brasil e deve muito em termos de implantação”, admite o diretor de ecossistemas do Ibama, Valmir Ortega. Implantação, explica, significa regularizar a situação fundiária, estabelecer plano de manejo, treinar equipes técnicas e implementar infra-estrutura para visitação.
Os parques oficialmente abertos ao público receberam 2,8 milhões de visitantes em 2005. O líder é o Parque Nacional de Iguaçu, no Paraná, responsável pela atração de 1,08 milhão de turistas, seguido do da Tijuca e o de Brasília.
O Ibama promete investir R$ 50 milhões anuais em melhorias até 2010/2011 com o objetivo de atrair um público de cerca de 10 milhões de pessoas no fim do período—o mesmo que recebe hoje a África do Sul. A visitação anual em parques americanos é de 70 milhões de pessoas.
A arrecadação dos parques vem da cobrança de ingressos, concessões e arrendamento de serviços. No primeiro caso, os recursos são remetidos à conta central da União. “E não há vinculação que determine que o valor seja reinvestido no próprio parque ou em outras Ucs”, diz Ortega.
A concessão para exploração de serviços—como a cobrança de ingressos, vigilância, lanchonetes, passeios e lojas de souvenirs— é uma alternativa. Iguaçu, por exemplo, arrecadou R$ 20 milhões em concessões e ingressos em 2005.
Mas a aposta do Ibama é no Fundo de Compensações Ambientais, abastecido com dinheiro de empresas cujas atividades geram forte impacto ambiental e que não passa pelos cofres públicos. “A regulamentação plena da lei do Snuc e o fundo dão segurança jurídica para os investimentos”, garante Ortega. O valor pago pelas empresas, seu destino e os benefícios gerados podem ser encontrados aqui.