Nem bem um estudo da Universidade de Stanford comparando alimentos orgânicos e convencionais saiu do forno e comentaristas de plantão na mídia global puseram mãos à obra. Usaram um dos resultados da pesquisa – o de que os orgânicos não são mais nutritivos do que os convencionais – para mandar a seus leitores, com o que parece um certo prazer, um belo “eu te disse”.
“Olho para meu filho de nove meses, sua cara melada de abóbora e ameixas orgânicas, e suspeito que caí em uma grande fraude contra a classe média”, escreveu Harry Wallop no britânico The Telegraph, acrescentando que com a publicação do estudo a ciência está a seu lado para desbancar s orgânicos.
O estudo em questão – intitulado “São alimentos orgânicos mais seguros ou saudáveis do que alternativas convencionais?: Uma revisão sistemática” – foi realizado por dois centros de pesquisa de Stanford e publicado na revista Annals of Internal Medicine na terça-feira.
Trata-se de uma revisão da literatura – artigos publicados em revistas científicas no passado – sobre as qualidades de alimentos orgânicos e convencionais. No total, os pesquisadores analisaram 17 estudos sobre os efeitos de diferentes alimentos no corpo humano e 223 estudos sobre os níveis de nutrientes e contaminantes em diversos alimentos.
Apenas 3 dos estudos examinaram os efeitos clínicos da ingestão de alimentos orgânicos e convencionais em casos, por exemplo, de alergias. Com poucos dados em mãos, não foi possível apontar diferenças significativas. Os resultados indicaram também que não há grande diferença nutricional entre orgânicos e convencionais.
No geral, os pesquisadores apontaram um risco de contaminação por resíduos de pesticidas mais baixo para os alimentos orgânicos do que para os convencionais; risco similar de contaminação por E. Coli; e risco maior de contaminação por bactérias resistentes a três ou mais antibióticos nos convencionais do que nos orgânicos.
Ou seja, no quesito acúmulo de pesticidas e de antibióticos, o artigo reafirma a superioridade dos orgânicos. Mas se o consumidor usou a mídia convencional para se informar, há grandes chances que tenha encontrado principalmente manchetes como “Estudo desmascara mitos sobre orgânicos versus alimentos convencionais”.
Raros foram os casos de análises um pouco mais demoradas. Em uma delas, intitulada “Comida orgânica não é mais nutritiva, mas esse não é o ponto”, o editor da The Atlantic, Brian Fung, reaviva nossa memória:
“[…] devemos lembrar que os orgânicos começaram principalmente como um argumento sobre o meio ambiente. Da perspectiva do Departamento de Agricultura dos EUA, comprar orgânicos é respeitar a terra de onde sua comida vem. […] É também uma declaração sobre saúde pública. Em nenhum lugar isso é mais claro do que no caso dos antibióticos […] Reduzir as chances de a sociedade inadvertidamente criar uma superbactéria é uma boa razão para comprar alimentos orgânicos”.
Há outra razão para comprar orgânicos, especialmente se o consumidor opta não pelos produtos industrializados, mas pelas feiras e mercados locais. Além de travar conhecimento com os agricultores que produzem o que ingerimos, ajudamos a manter a agricultura e a economia locais.
Mesmo que se queira comparar as qualidades nutricionais de orgânicos e convencionais, um estudo como o de Stanford seria irrelevante, destacou a pesquisadora australiana Liza Oates. “Há um número enorme de fatores que afetam os níveis do nutrientes na comida”, afirmou. “É quase inevitável que tentar isolar um fator, como o método de cultivo, para explicar diferenças nutricionais se torne problemático”.
Talvez a polêmica em torno do estudo de Stanford tenha como consequência inesperada alertar os produtores de que é hora de realinhar o conceito de orgânico para evitar que seja desfigurado. Para o leitor atento, entretanto, o caso traz um alerta bem claro: a mídia convencional pode fazer mal à saúde.