Além da política de não violência, os princípios do autogoverno, autonomia e liberdade, e o da autossuficiência orientaram o então ministro Gilberto Gil a fazer um “do-in cultural, ativando pontos vitais da nação”
O parque do Ibirapuera, aldeia das árvores ancestrais em tupi-guarani, transformou-se, entre os dias 6 e 9 de setembro, em uma grande arena de diálogos, atividades artísticas, oficinas e ativismo em torno da Cultura de paz. Estava acontecendo o III Festival mundial da paz, organizado pela Rede Unipaz, com a colaboração de inúmeros voluntários, totalizando 600 atividades que compartilharam saberes e experiências.
Tive a honra de mediar o Encontro Ahimsa – Paz e Não Violência, que contou com a participação de Lia Diskin, cofundadora da Associação Palas Athena, falando sobre os princípios da ação política gandhiana; de Hamilton Faria, poeta e coordenador do Pontão de Convivência e Cultura de Paz do Instituto Pólis, apresentando os resultados da pesquisa que realizaram em 240 Pontos de Cultura espalhados pelo País; de Daniel Hilário, com sua experiência como jovem agente cultural de Cidade Tiradentes, bairro da Zona Leste de São Paulo, e de José Augusto dos Santos, com a vivência de Ecologia Espiritual da Ordem Rosa Cruz. De algum lugar, todos eles buscando trazer para a vida cotidiana os princípios éticos que os inspiram.
Quando Lia falou sobre a política de ação de Gandhi, foi interessante reconhecer que havia uma predisposição e um estado de consciência coletiva na Índia para que aquelas ações viessem a fomentar, digamos assim, toda a série de profundas mudanças que aconteceram.
Além do princípio Ahimsa da política gandhiana – da não violência –, destaco aqui outros dois: o princípio Swaraj, do autogoverno, autonomia e liberdade, e o Princípio da Autossuficiência, que naquele contexto era voltado para a construção de aldeias autossuficientes, sustentáveis. São esses os princípios que também vamos encontrar na orientação do então ministro da Cultura, Gilberto Gil, quando visualizou a importância estratégica de “fazer um do-in cultural, ativando os pontos vitais da nação”, por meio do programa Pontos de Cultura.
AGENTES DE TRANSFORMAÇÃO
A meu ver, em ambos os contextos existiam inúmeras vozes ocultas prontas para se fazerem ouvir e serem agentes da transformação da sua própria realidade. No caso dos Pontos de Cultura, são vozes principalmente de jovens de baixa renda, além de grupos dos centros urbanos e pequenos municípios, em situação de vulnerabilidade social, estudantes e professores do ensino público, comunidades indígenas, rurais e remanescentes de quilombos, agentes culturais envolvidos com mudanças ligados a redes e comunidades e, claro, artistas e mestres da cultura popular.
A pesquisa realizada pelo Pontão de Convivência, citada por Hamilton, mostrou que 83% dos jovens entrevistados já se empenharam em ações de promoção da paz e/ou possuem atividades para lidar com a violência, dos quais 77,5% deles já realizaram trabalhos para o combate à violência e à exclusão social e 57,5% lidam com o conflito e a violência no dia a dia por meio do diálogo, especialmente intercultural, intergeracional e voltado para a promoção da paz.
Daniel Hilário foi a voz viva da força que se move a partir desse ponto de acupuntura ativado de baixo para cima, ou, melhor dizendo, do seu território para outros por meio das redes que também passaram a se formar pelos Pontões de Cultura e entre estes, em todo o País, tecendo uma grande teia. Ele trouxe a sua rica e densa experiência em Cidade Tiradentes, contando que, no princípio, as inúmeras famílias que foram transferidas das favelas para esse grande conjunto habitacional da Zona Leste paulistana tinham uma relação de maior solidariedade, a qual, ao longo dos anos, foi se perdendo e dando lugar ao isolamento, ao medo e à violência.
Foram os jovens que iniciaram um importante movimento reivindicando espaços de lazer, esporte e cultura, que aos poucos foram sendo conquistados, transformando as relações e resgatando o sentimento de pertencimento e solidariedade.
Em um tempo acelerado pelo dinamismo de um crescimento sem limites, Daniel aponta como desafio da convivência a desaceleração do tempo para que possamos recuperar a gentileza e o bem-estar de estar juntos. A pesquisa, por sua vez, reforça a importância dos espaços de diálogo, seja por meio das manifestações culturais, oficinas, ou mesmo de celebrações em que a diversidade possa ser reconhecida como um valor. Em ambos os casos existem evidências quanto à redução dos índices de violência.
Quando Gandhi disse que cada um deve ser a mudança que quer ver no mundo, não fechou os olhos para as necessárias mudanças estruturais na sociedade, principalmente no que diz respeito à democracia e ao modelo de desenvolvimento. Esses temas estiveram presentes nesta mesa de diálogo e em todo o Festival da Paz. Mas precisamos reconhecer que a paz começa realmente em cada um de nós e é consequência das nossas atitudes. Que possamos ser agulhas vivas de acupuntura da paz onde quer que estejamos.
*Arquiteta urbanista, é secretária-executiva do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS)[:en]Além da política de não violência, os princípios do autogoverno, autonomia e liberdade, e o da autossuficiência orientaram o então ministro Gilberto Gil a fazer um “do-in cultural, ativando pontos vitais da nação”
O parque do Ibirapuera, aldeia das árvores ancestrais em tupi-guarani, transformou-se, entre os dias 6 e 9 de setembro, em uma grande arena de diálogos, atividades artísticas, oficinas e ativismo em torno da Cultura de paz. Estava acontecendo o III Festival mundial da paz, organizado pela Rede Unipaz, com a colaboração de inúmeros voluntários, totalizando 600 atividades que compartilharam saberes e experiências.
Tive a honra de mediar o Encontro Ahimsa – Paz e Não Violência, que contou com a participação de Lia Diskin, cofundadora da Associação Palas Athena, falando sobre os princípios da ação política gandhiana; de Hamilton Faria, poeta e coordenador do Pontão de Convivência e Cultura de Paz do Instituto Pólis, apresentando os resultados da pesquisa que realizaram em 240 Pontos de Cultura espalhados pelo País; de Daniel Hilário, com sua experiência como jovem agente cultural de Cidade Tiradentes, bairro da Zona Leste de São Paulo, e de José Augusto dos Santos, com a vivência de Ecologia Espiritual da Ordem Rosa Cruz. De algum lugar, todos eles buscando trazer para a vida cotidiana os princípios éticos que os inspiram.
Quando Lia falou sobre a política de ação de Gandhi, foi interessante reconhecer que havia uma predisposição e um estado de consciência coletiva na Índia para que aquelas ações viessem a fomentar, digamos assim, toda a série de profundas mudanças que aconteceram.
Além do princípio Ahimsa da política gandhiana – da não violência –, destaco aqui outros dois: o princípio Swaraj, do autogoverno, autonomia e liberdade, e o Princípio da Autossuficiência, que naquele contexto era voltado para a construção de aldeias autossuficientes, sustentáveis. São esses os princípios que também vamos encontrar na orientação do então ministro da Cultura, Gilberto Gil, quando visualizou a importância estratégica de “fazer um do-in cultural, ativando os pontos vitais da nação”, por meio do programa Pontos de Cultura.
AGENTES DE TRANSFORMAÇÃO
A meu ver, em ambos os contextos existiam inúmeras vozes ocultas prontas para se fazerem ouvir e serem agentes da transformação da sua própria realidade. No caso dos Pontos de Cultura, são vozes principalmente de jovens de baixa renda, além de grupos dos centros urbanos e pequenos municípios, em situação de vulnerabilidade social, estudantes e professores do ensino público, comunidades indígenas, rurais e remanescentes de quilombos, agentes culturais envolvidos com mudanças ligados a redes e comunidades e, claro, artistas e mestres da cultura popular.
A pesquisa realizada pelo Pontão de Convivência, citada por Hamilton, mostrou que 83% dos jovens entrevistados já se empenharam em ações de promoção da paz e/ou possuem atividades para lidar com a violência, dos quais 77,5% deles já realizaram trabalhos para o combate à violência e à exclusão social e 57,5% lidam com o conflito e a violência no dia a dia por meio do diálogo, especialmente intercultural, intergeracional e voltado para a promoção da paz.
Daniel Hilário foi a voz viva da força que se move a partir desse ponto de acupuntura ativado de baixo para cima, ou, melhor dizendo, do seu território para outros por meio das redes que também passaram a se formar pelos Pontões de Cultura e entre estes, em todo o País, tecendo uma grande teia. Ele trouxe a sua rica e densa experiência em Cidade Tiradentes, contando que, no princípio, as inúmeras famílias que foram transferidas das favelas para esse grande conjunto habitacional da Zona Leste paulistana tinham uma relação de maior solidariedade, a qual, ao longo dos anos, foi se perdendo e dando lugar ao isolamento, ao medo e à violência.
Foram os jovens que iniciaram um importante movimento reivindicando espaços de lazer, esporte e cultura, que aos poucos foram sendo conquistados, transformando as relações e resgatando o sentimento de pertencimento e solidariedade.
Em um tempo acelerado pelo dinamismo de um crescimento sem limites, Daniel aponta como desafio da convivência a desaceleração do tempo para que possamos recuperar a gentileza e o bem-estar de estar juntos. A pesquisa, por sua vez, reforça a importância dos espaços de diálogo, seja por meio das manifestações culturais, oficinas, ou mesmo de celebrações em que a diversidade possa ser reconhecida como um valor. Em ambos os casos existem evidências quanto à redução dos índices de violência.
Quando Gandhi disse que cada um deve ser a mudança que quer ver no mundo, não fechou os olhos para as necessárias mudanças estruturais na sociedade, principalmente no que diz respeito à democracia e ao modelo de desenvolvimento. Esses temas estiveram presentes nesta mesa de diálogo e em todo o Festival da Paz. Mas precisamos reconhecer que a paz começa realmente em cada um de nós e é consequência das nossas atitudes. Que possamos ser agulhas vivas de acupuntura da paz onde quer que estejamos.
*Arquiteta urbanista, é secretária-executiva do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS)