Entrevista com Carlos Tautz, da Plataforma BNDES que acompanha o trabalho do BNDES e um contraponto de quem está dentro do grande banco nacional
Algumas das maiores indústrias do Brasil e as grandes obras de infraestrutura do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) contam com financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), assim como vários empreendimentos em países da América do Sul – e muitos causam sérios impactos socioambientais.
Por sua importância como indutor das políticas de desenvolvimento do País, em 2007 um grupo de entidades da sociedade civil começou a monitorar as ações do banco. A Plataforma BNDES – como o grupo se autodenominou – defende que o banco deve ser transparente, acessível ao controle social e também priorizar a superação das desigualdades e a promoção de desenvolvimento social e ambientalmente sustentável. A seguir, entrevista com Carlos Tautz, um dos coordenadores do Instituto Mais Democracia, entidade integrante do grupo operativo da Plataforma.
Como a Plataforma avalia o desempenho do BNDES em seu papel de financiar o desenvolvimento?
O banco não possui uma política de informação que permita à sociedade saber o que ele está financiando. O programa BNDES Transparente tem informações limitadas sobre empréstimos a empresas privadas. Somente com a Lei de Acesso à Informação (Lei N. 12.527/2011, em vigor desde maio deste ano, obriga órgãos públicos a fornecer informações sobre suas atividades a qualquer solicitante) conseguimos algo inédito, o acesso a um contrato de financiamento (no contrato, há detalhes da operação, tais como condicionantes socioambientais e contrapartidas).
Em boa medida, a lei nos garante o que pedíamos, mas queremos mais. Queremos mudar o tipo de projeto que o banco financia. Ele foi desenhado para atender grandes financiamentos, não tem capacidade nem interesse de atender os pequenos, como as agroindústrias familiares, que são um investimento com impacto positivo na distribuição de renda.
Esse tipo de investimento não é papel de outras instituições, como o Banco do Brasil e a caixa?
Também é papel dessas outras instituições, mas não há razão nenhuma para o BNDES não fazer, pois a sobreposição de papéis entre instituições é uma coisa comum. O problema é que o “S” é um apêndice incômodo no nome do banco, que não é preparado para dar atenção ao desenvolvimento social. Ao BNDES interessam, principalmente, as garantias de retorno dos investimentos que faz.
Quais são as demandas da Plataforma em negociação com o BNDES?
Nenhuma. Esse é outro problema, não há nenhum nível de diálogo com a sociedade civil. Algumas entidades que integram a Plataforma mantêm diálogos individuais, como o Movimento dos Sem Terra, que negocia com o banco um empréstimo para as suas agroindústrias.
Em 2007, quando Luciano Coutinho assumiu a presidência do banco, nós apresentamos todas as demandas da Plataforma (acesse o documento entregue), mas, até agora, o banco só atendeu à de dar visibilidade limitada aos projetos privados. Tentamos criar grupos de trabalho sobre hidrelétricas e políticas de financiamento à cana para produção de etanol. Nas duas, o banco protelava decisões e marcava novas reuniões, de tal forma que desistimos desse tipo de diálogo.
Na ausência de diálogo, como a
Plataforma atua?
Algumas organizações estão propondo
que o banco seja responsabilizado civil
e criminalmente, de forma solidária,
pelos impactos ambientais gerados pelos financiamentos que a instituição viabiliza. Além disso, a Plataforma quer se aproximar das populações localmente atingidas pelos grandes projetos financiados pelo banco, como a Hidrelétrica de Belo Monte. Vamos propor também a reabertura do diálogo com o banco.
CONTRAPONTO
Política de transparência começou em 2005
O BNDES contesta a afirmação de que não possuía política de informação pública anterior à vigência da Lei de Acesso à Informação. Segundo o banco, seu site passou a divulgar a partir de 2005 as operações realizadas com estados e municípios, com a descrição do projeto e o valor solicitado pelos governos estaduais e prefeituras.
Prosseguindo sua abertura, lançou em 2008 o projeto BNDES Transparente, que inicialmente tornou disponível para consulta as 50 maiores operações por área de atuação do banco e, em seguida, estendeu o acesso a todas as operações de financiamento, diretas e indiretas (a informação apresenta nome da empresa, descrição resumida do projeto e valor do empréstimo, sem detalhes do contrato).
“A agenda de responsabilidade social do BNDES tem um de seus pilares nos instrumentos de transparência sobre as informações estratégicas da corporação”, informa o banco, por meio de sua assessoria de imprensa.
Quanto à crítica relativa à prioridade para as grandes empresas, o banco diz que a participação dos financiamentos de menor porte vem crescendo paulatinamente nos últimos cinco anos. Em 2007, os desembolsos para as micros, pequenas e médias empresas (MPME) representaram 24,8% do total liberado, R$ 16 bilhões em valores absolutos. Neste ano, até julho, o BNDES já liberou quase o dobro do total de recursos daquele ano – R$ 24,9 bilhões, uma fatia de 37% do total de desembolsos no período.
Para o BNDES, sua atuação também tem gerado efeito positivo no emprego. Levantamento feito por economistas do banco aponta que, no último trimestre de 2011, os desembolsos de R$ 47,3 bilhões foram responsáveis pela geração e/ou manutenção de 1,7 milhão de empregos diretos e indiretos no País.
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