Se eu fosse o McDonald’s, lançaria o McBode, o sucesso da temporada
Andei ultimamente acamado, tudo por causa de uma velha hérnia, companheira de várias décadas. O fato é que, mesmo gozando de toda a liberdade, mais do que isso, sendo de minha absoluta confiança, e apesar de mais de 30 anos de convivência harmoniosa, a hérnia decidiu manifestar-se. Peço desculpas por contar tais intimidades. Sei que assuntos como esse, personalíssimos, não deveriam ser tratados em uma revista séria como a Página22. É que devo estar sob a influência de minhas outras atividades, entre elas a de militante das chamadas mídias sociais.
Modo geral, nós, twiteiros e facebookeiros, não conseguimos frequentar esses ambientes sem alguma exposição indevida. Você, prezado leitor, só conseguirá ser lido (ou visto) em uma mídia social se deixar colocar para fora alguma intimidade.
Alguns, a maioria, botam seus retratos. Outros (ou outras) vão mais longe. Você tem, no mínimo, de confessar sua ideologia, o que eu detesto. É incrível como os twitters e os facebooks da vida levam as pessoas a abrir-se. Percebe- se que, com um leve estímulo, algumas delas estariam dispostas a abrir as próprias pernas. Mas estávamos falando da minha hérnia e de repente… Acho que é porque, desde que me tornei jornalista, acostumei a dar asas ao meu pensamento, deixando-o voar, solto…
Uma tentativa de ser ou pelo menos parecer original e/ou criativo. Passados 50 anos, verifico que essa busca foi um exercício inútil. Recordo-me como se fosse hoje (perdão pela frase comum) do meu primeiro texto para a Edição de Esportes do Estadão, que serviria como embrião do recém-falecido Jornal da Tarde. Eu havia sido contratado como repórter de esportes, função que já exercera na Última Hora, do Samuel Wainer, e no inesquecível Notícias Populares, o jornal que deu em manchete a notícia do fim do mundo no longínquo ano de 1993, um furo mundial que a imprensa até hoje vive repetindo. Isso para não mencionar o “Bebê-Diabo” nascido em São Paulo.
Portanto, nada mais natural que um repórter de esportes ser escalado para cobrir uma competição internacional de tiro ao pombo. Antes de mais nada, devo esclarecer que esse esporte foi cortado dos Jogos Olímpicos, por insistência da Sociedade Protetora dos Animais.
E acho que dei uma modesta contribuição para o COI (Comitê Olímpico Internacional), quando fui cobrir o campeonato e descobri que “no tiro ao pombo a melhor coisa que pode acontecer ao pombo é ficar sem o rabo”.
Comecei minha matéria com essa frase. Além da revolta com o tratamento dado aos pombos, precisava justificar um aumento salarial de 90 mil para 250 mil. E era a pura verdade.
Os praticantes desse esporte, em boa hora substituído pelo “tiro ao prato”, cortavam o rabo do pombo antes de abrir a gaiola e soltá- lo. Apenas para tornar mais “emocionante” a missão do atirador.
O pombo, sem o rabo, sai destrambelhado. Ele perde o instrumental que orienta o seu voo, exatamente o rabo. E é derrubado (ou era derrubado) por um cidadão, às vezes um pai de família, munido de uma espingarda com mira telescópica. Uma baita sacanagem com os pombos, coitados.
Um poeta já escreveu que o ser humano é um cadáver adiado que procria. E um pombo no tiro ao pombo, como defini-lo? Um defunto por antecipação?
A verdade é que, em matéria de judiaria aos animais, ninguém supera o ser humano. Ainda outro dia revi a foto daquele bando de assassinos carregando o cadáver de um imenso gorila. De tão grande, o gorila exigia para sustentá-lo o esforço de oito parrudos congoleses.
E vocês sabem o que os congoleses iriam fazer com ele? Primeiro decepar as mãos do animal e vendê-las a algum comerciante de bugigangas exóticas. As mãos enormes do gorila servem como esplêndidos cinzeiros, muito procurados por turistas do mundo inteiro, sequiosos por informações sobre os mistérios do continente africano.
O que fazem com o resto do gorila eu não conto. Não quero embrulhar o estômago dos leitores de Página22.
Ainda outro dia, abro um jornalão e encontro uma página dupla falando das delícias que estão escondidas nas entranhas de um inocente porco, desde que criado com alguns cuidados. O jornal traz dicas preciosas para quem estiver disposto a destrinchar um porco, e a história começa assim: Um dia, alguém preocupado com o inverno que se aproximava encheu a tripa de um suíno com o próprio suíno, botou sal, e viu que era bom…
Nascia a cada vez mais florescente indústria de embutidos: linguiça, presuntos, codeguins… E acrescenta filosoficamente o autor do texto repugnante: depois deles, a carne nunca mais foi a mesma. E olha que o rapaz tem razão. Outro dia, vagando pelo Nordeste, experimentei a linguiça de bode. Honestamente falando, sou obrigado a reconhecer que não há coisa melhor no mundo do que uma linguiça de bode com um molhinho em cima.
Não fosse eu um cidadão formado dentro de padrões “politicamente corretos” – e se ainda por cima fosse dono do McDonald’s – comprava a bodaiada toda da região e lançava um sanduíche que seria a sensação da temporada: o McBode.
*Tão Gomes Pinto é jornalista foi um dos fundadores do Jornal da tarde e trabalhou nas revistas Veja, IstoÉ e Manchete