Quem se locomove de bicicleta sabe que a Paulicéia ainda está longe de ser a utopia real que é Portland. Mas, ainda que não seja um modelo, a cidade acolhe boas iniciativas de mobilização para a democratização das vias públicas. Um exemplo vem da Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo, a Ciclocidade, que desde 2009, tem como missão promover a mobilidade e o uso da bicicleta como instrumento para construir uma cidade mais sustentável, baseada na igualdade de acesso.
Para engajar o público na causa, uma das estratégias usadas é o bom e velho diálogo. Nesse sentido, a Associação desenvolve, desde 2011, o Ciclodebate, um projeto que propõe ser esse espaço de troca de conteúdo e conhecimento entre a população e diversos atores ligados à complexa trama da mobilidade urbana.
No encontro que inaugurou o ciclo de 2013, Página22 pegou a bicicleta e foi conferir de perto a conversa sobre como construir políticas de mobilidade nas megacidades.
O evento, que contou com a participação de Caroline Samponaro, diretora de Campanhas e Organização da Transportation Alternatives de Nova York, e Ronaldo Tonobohn, Superintendente de Planejamento da CET de São Paulo, não só valeu boas ideias e bons encontros, como também essa entrevista, concedida por Helga Lutzoff Bevilacqua, coordenadora do Ciclodebates.
Para ela, os ciclistas estão crescendo em número, mas esse aumento não se reflete, necessariamente, em mais comprometimento com a causa. “Existe cisão no movimento”, aponta. Segundo Helga, as transformações necessárias na questão do transporte e da segurança cicloviária só acontecerão mesmo quando ganharem o reforço dos cidadãos. “Todo movimento precisa de participação e da união das pessoas”.
Qual foi a razão de criar o Ciclodebate?
A ideia era reunir pessoas que falassem um pouco sobre mobilidade urbana e a participação da bicicleta na construção desse sistema, mas, principalmente da integração da bicicleta com outros modais e de que maneira a bicicleta pode ser um instrumento possível de tornar uma cidade mais humana e diversa em termos de mobilidade, com opções múltiplas de transporte eficiente, confortável e seguro.
Como está sendo a construção desse espaço de diálogo?
No começo havia uma dificuldade para conseguir uma localidade para sediar os encontros e também uma questão organizacional. A Ciclocidade é uma entidade em que os colaboradores são voluntários, então, até conseguirmos a equipe que temos hoje para atuar voluntariamente por esse projeto demorou um tempo, um tempo de construção mesmo. E somado à essa questão dos voluntários, enfrentamos o desafio de encontrar um local para realizar as conversas. Hoje a Ação Educativa é parceira e cede o auditório para os eventos, o que é fundamental para conseguirmos ter uma agenda anual de atividades.
Ao longo desse tempo de atividades, é possível dizer se o público é crescente e variado?
Olha, depende muito do tema. E por incrível que pareça é o tema que acaba tendo uma relação direta com o público que recebemos.
De qualquer forma, desde o começo do projeto, a ideia é difundir informação para todo tipo de interessado e não somente ciclistas. A ideia é possibilitar que o tema da mobilidade seja melhor explorado e, também, esclarecido em diversos pontos para as pessoas.
Mas, no geral, o resultado do público depende muito de quem é o convidado. Por exemplo, em um dos encontros que organizamos, trouxemos o com o Ernesto Galindo, do IPEA, para tratar sobre a Lei da Mobilidade Urbana editada no ano passado. Nesse dia, sentimos que o público não era predominantemente de ciclistas, mas de arquitetos e urbanistas, advogados, enfim, foi uma experiência diferente no sentido de público.
No encontro sobre a carrodependência e saúde na cidade, que contou com o Alexandre Delijaicov e o Paulo Saldiva, tivemos um público predominante de ciclistas. Carrodependentes mesmo não compareceram. (risos).
O público dessa sétima edição do Ciclodebate, que discutiu a construção de políticas de mobilidade nas megacidades também foi bastante diverso. Percebemos, inclusive, a participação de políticos na plateia. Conseguir trazer a CET para a conversa foi muito positivo, uma vez que muitos ciclistas questionam a atuação desse órgão, mas para nossa surpresa a plateia não foi predominantemente de ciclistas.
A receptividade aos convites de vocês é positiva?
Até hoje a Ciclocidade não recebeu nenhuma negativa e os palestrantes sempre se mostraram abertos ao debate. Claro que alguns casos são mais complicados que os outros, principalmente na questão das agendas ou até mesmo de tema, às vezes o convidado não se sente muito confortável naquele assunto específico e tal, mas recusa mesmo, nunca tivemos.
O Ronaldo Tonobohn é um exemplo dessa receptividade aos nossos convites. Ele assumiu recentemente a Superintendência de Planejamento da CET e aceitou conversar conosco, com o público, enfim, foi muito bacana. Nós temos uma interlocução com a CET que às vezes é aberta, mas outras vezes não. O órgão possui uma política bastante restrita de exposição pública. Então ficamos felizes com essa abertura. É um bom sinal e esperamos que isso se reflita na atuação cotidiana sobre diversos projetos e temas que cercam a mobilidade urbana.
Eu vi que vocês, na Ciclocidade, também realizam um trabalho de documentação e pesquisa de dados e informações sobre o uso da bicicleta na cidade.
Isso, temos sim um núcleo de pesquisa, coordenado pela Tais Balieiro, que tem por objetivo compilar essas informações e deixá-las disponíveis à sociedade.
A ideia é gerar uma base de dados e estatísticas sobre uso de bicicletas, planejamento cicloviário, mapeamento de infraestrutura cicloviária, bicicletários, etc. Com essas informações copiladas, encaminhamos nossos relatórios e pesquisas aos órgãos responsáveis como, por exemplo, nos casos da infraestrutura cicloviária implantada em Moema (em 2011), o dossiê sobre a Ciclovia da Eliseu de Almeida ou o relatório da pesquisa que embasou a Carta de Compromisso com a Mobilidade por Bicicletas, assinada por candidatos a vereador e prefeito (em 2012).
Agimos muito com o auxílio da Lei da Informação editada em 2011. É por meio desse canal que fazemos nossos ofícios e procuramos obter respostas.
Muitas vezes, não conseguimos obter respostas satisfatórias às questões relativas à bicicleta. Isso porque boa parte das questões ligadas ao planejamento cicloviário e a bicicleta em São Paulo estão divididas entre diversos órgãos, então, o que temos como respostas, muitas vezes, é o famoso “jogo de empurra”. Uma secretaria falando que a informação está com outra secretaria, e nessas ficamos a ver navios. Mas, independente, nossa atuação é sempre no sentido de oficiar e procurar o diálogo com todos os órgãos que estão envolvidos com a questão da bicicleta, seja a CET, seja a seja a SPTrans, Secretaria Municipal dos Transportes enfim, todos os órgãos envolvidos.
Como você sente essa “explosão” do movimento da bike?
Olha, no discurso da Caroline (Caroline Samponaro, diretora de Campanhas e Organização da Transportation Alternatives de Nova York), teve uma passagem importante, onde ela falava da questão da necessidade de mais união entre os próprios ciclistas.
Um exemplo que tem sido clássico aqui é a Bicicletada, que é decorrente do movimento Massa Crítica e um dos mais importantes para mobilizar pessoas por mais espaço e respeito às bicicletas. Dentro desse movimento já se vê divergências sobre os posicionamentos relativos à bicicleta. Alguns ciclistas são mais radicais e tomam posturas mais agressivas durante a bicicletada, outros ciclistas discordam em absoluto sobre esse tipo de atitude. Isso é uma marca dessa cisão, mas têm outras.
Tem, por exemplo, a coisa da bicicleta ter virado moda, onde você se vê mais preocupação com fashion e menos envolvimento com a questão da mobilidade, das políticas públicas, da segurança envolvendo da bicicleta. Tem o pessoal do esporte também, que entende que a bicicleta é muito mais uma forma de lazer que um meio de transporte.
Mas acredito que esse seja um processo natural da evolução democrática da organização social. A divergência e o debate são saudáveis se forem encaminhados de maneira respeitosa e construtiva. A bicicleta é um tema “novo”, portanto é natural que estejamos descobrindo como implanta-la de maneira definitiva nas cidades.
E temos que pensar em evoluir para ações mais coletivas, mais responsáveis, não dá para andar para trás. A fala da Caroline me marcou nesse sentido e achei que foi muito importante. Todo movimento precisa de participação e da união.
Quais são os planos para os próximos debates?
A Ciclocidade é uma organização nova, com apenas três anos de existência. A construção da identidade e das formas de trabalho em qualquer modelo de organização leva algum tempo para ser consolidada, mas acreditamos na participação das pessoas. Temos reuniões gerais toda segunda quarta-feira do mês e equipes de trabalho em cada uma das áreas de atuação (Pesquisa, Participação e Cultura e Formação do Ciclista). Acreditamos também na importância do vínculo formal das pessoas que apoiam o trabalho, por isso temos associados.
Após o último debate vamos dar uma reformulada no projeto visando novos apoios e voltaremos em Maio.
Entre os temas que pensamos abordar esta a questão da ciclovia Eliseu de Almeida e a questão da relação entre motoristas de ônibus e ciclistas. Outra proposta é falar sobre a relação entre ciclistas e mídia, abordando um pouco sobre como o ciclista se vê e é visto pela imprensa no geral.