Olha Isso!
“Eu sou porque eu erro”, escreveu Santo Agostinho no século V, provavelmente inspirando a famosa frase de René Descartes envolvendo o pensar no lugar do errar. Se arrependimento matasse, dificilmente teríamos problema com a superpopulação. Tenho minha cota de grandes erros cometidos, que eventualmente voltam à tona para me atormentar. Em 2001, recém-graduado, inadvertidamente contribuí para atrasar a formação de projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) em cogeração de energia no Brasil. Como muitos, racionalizo o feito tentando me convencer de que fiz o melhor, dadas as circunstâncias e as informações de que dispunha no momento, de que tinha boas intenções etc. Mas será essa a melhor estratégia para lidar com nossos erros?
A jornalista Kathryn Schulz, autora do livro Por Que Erramos?, acha que não. Lembra que o sentimento ruim não é o de estar errado, mas de percebermos nosso erro. Para ilustrar, recorre ao desenho animado do Papa-Léguas, no qual o coiote, perseguindo-o, acaba ultrapassando o limite do abismo e, por alguns segundos, anda sobre o ar. Estar errado, nesse sentido, é como estar certo. É quando o coiote olha para baixo e se dá conta do erro que, finalmente, cai. Para evitar a queda, nosso cérebro faz de tudo para que não fiquemos conscientes do erro, colocando-nos num estado de negação (veja sua palestra TED). Para Kathryn, há um “paradoxo do erro”: para que o evitemos (os erros futuros, pelo menos), é preciso abraçar a possibilidade de estarmos errados.
Em Cem Dias entre Céu e Mar, Amyr Klink menciona que uma das piores coisas de velejar sozinho era não ter outra pessoa a quem culpar quando cometia um erro. Os psicólogos sociais Carol Tavris e Elliot Aronson, autores de Mistakes Were Made (But Not By Me), destacam os mecanismos psicológicos que nos ajudam a conviver confortavelmente com nossos erros. Em primeiro lugar, trata-se de um processo inconsciente e universal. Entram em ação o viés de confirmação, a tendência de favorecer informações que confirmem nossas crenças, e a dissonância cognitiva, por meio da qual nosso cérebro despreza evidências de nossos erros e altera ou cria novos fatos que ajudem a justificá-los. Este é o grande perigo: ao negar o erro, nossa tendência é de continuar cometendo-o.
O economista Tim Harford argumenta que, por mais que consideremos óbvia a importância do aprendizado a partir de erros nossos e de outros, na prática ainda não sabemos valorizar o componente instrutivo do erro (veja sua palestra TED). Nas escolas, frequentemente aprendemos que, para cada problema, há sempre uma resposta correta; as demais – erradas – são punidas. Na política, votamos naqueles que demonstram ter certeza sobre o que fazer para “resolver os problemas da educação, da saúde, da segurança”, embora muitos dos aprendizados na política aconteçam por tentativa e erro, avanços e retrocessos e experimentação. Mas o “complexo de Deus” está mais disseminado do que supomos, afetando também os eleitores, e o que estes esperam dos políticos.
Dez anos depois do episódio descrito no início, voltei a trabalhar na FGV e pude, pelo GVces, dar minha contribuição positiva (ainda que modesta) no combate à mudança climática. O que eu aprendi lá atrás evitou que repetisse aqueles erros. Outros certamente virão. Espero conseguir percebê-los, refletir sobre e aprender com eles.
*Fabio F. Storino é dountor em Administração Pública e Governo[:en]Olha Isso!
“Eu sou porque eu erro”, escreveu Santo Agostinho no século V, provavelmente inspirando a famosa frase de René Descartes envolvendo o pensar no lugar do errar. Se arrependimento matasse, dificilmente teríamos problema com a superpopulação. Tenho minha cota de grandes erros cometidos, que eventualmente voltam à tona para me atormentar. Em 2001, recém-graduado, inadvertidamente contribuí para atrasar a formação de projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) em cogeração de energia no Brasil. Como muitos, racionalizo o feito tentando me convencer de que fiz o melhor, dadas as circunstâncias e as informações de que dispunha no momento, de que tinha boas intenções etc. Mas será essa a melhor estratégia para lidar com nossos erros?
A jornalista Kathryn Schulz, autora do livro Por Que Erramos?, acha que não. Lembra que o sentimento ruim não é o de estar errado, mas de percebermos nosso erro. Para ilustrar, recorre ao desenho animado do Papa-Léguas, no qual o coiote, perseguindo-o, acaba ultrapassando o limite do abismo e, por alguns segundos, anda sobre o ar. Estar errado, nesse sentido, é como estar certo. É quando o coiote olha para baixo e se dá conta do erro que, finalmente, cai. Para evitar a queda, nosso cérebro faz de tudo para que não fiquemos conscientes do erro, colocando-nos num estado de negação (veja sua palestra TED). Para Kathryn, há um “paradoxo do erro”: para que o evitemos (os erros futuros, pelo menos), é preciso abraçar a possibilidade de estarmos errados.
Em Cem Dias entre Céu e Mar, Amyr Klink menciona que uma das piores coisas de velejar sozinho era não ter outra pessoa a quem culpar quando cometia um erro. Os psicólogos sociais Carol Tavris e Elliot Aronson, autores de Mistakes Were Made (But Not By Me), destacam os mecanismos psicológicos que nos ajudam a conviver confortavelmente com nossos erros. Em primeiro lugar, trata-se de um processo inconsciente e universal. Entram em ação o viés de confirmação, a tendência de favorecer informações que confirmem nossas crenças, e a dissonância cognitiva, por meio da qual nosso cérebro despreza evidências de nossos erros e altera ou cria novos fatos que ajudem a justificá-los. Este é o grande perigo: ao negar o erro, nossa tendência é de continuar cometendo-o.
O economista Tim Harford argumenta que, por mais que consideremos óbvia a importância do aprendizado a partir de erros nossos e de outros, na prática ainda não sabemos valorizar o componente instrutivo do erro (veja sua palestra TED). Nas escolas, frequentemente aprendemos que, para cada problema, há sempre uma resposta correta; as demais – erradas – são punidas. Na política, votamos naqueles que demonstram ter certeza sobre o que fazer para “resolver os problemas da educação, da saúde, da segurança”, embora muitos dos aprendizados na política aconteçam por tentativa e erro, avanços e retrocessos e experimentação. Mas o “complexo de Deus” está mais disseminado do que supomos, afetando também os eleitores, e o que estes esperam dos políticos.
Dez anos depois do episódio descrito no início, voltei a trabalhar na FGV e pude, pelo GVces, dar minha contribuição positiva (ainda que modesta) no combate à mudança climática. O que eu aprendi lá atrás evitou que repetisse aqueles erros. Outros certamente virão. Espero conseguir percebê-los, refletir sobre e aprender com eles.
*Fabio F. Storino é dountor em Administração Pública e Governo