O sargento Talon trabalhava no Laboratório Nacional de Los Alamos desarmando minas terrestres. E a maneira mais efetiva de desarmá-las era pisando nelas. Cada vez que encontrava alguma, ele perdia um membro do corpo em decorrência da explosão. Ao vê-lo se arrastando pelo chão com seu derradeiro membro, o coronel que supervisionava ordenou que o exercício fosse interrompido. Assistir àquela cena foi emocionalmente demais para ele – era desumano, argumentou. Seria fácil concordar com o coronel, não fosse por um detalhe: o sargento Talon é um robô.
A conexão emocional que temos com seres inanimados não começou com os robôs, apesar de ter se intensificado – e muito – com eles. Damos nomes a barcos, geralmente femininos; alguns dão nomes a carros e os tratam melhor do que a muitos humanos. E quem não simpatizou com a bola de vôlei Wilson, que no filme Náufrago se tornou amiga e confidente do personagem de Tom Hanks?
O sargento Talon foi promovido e também condecorado (três medalhas purple heart), o que também é comum no campo de batalha. Muitos robôs salvam vidas de soldados e, quando sofrem danos irreparáveis, recebem funeral, com direito a salva de tiros. Dado o modo como nós, humanos, interagimos com os robôs, Cynthia Breazeal, professora e diretora do Personal Robots Group do Massachusetts Institute of Technology (MIT), chama a robótica de “tecnologia social” (veja seu TEDtalk).
Somos biologicamente programados para reconhecer traços de “vida”, mesmo onde ela não existe. A pareidolia é um fenômeno que envolve o reconhecimento de formas vivas, como animais em nuvens e o rosto de Jesus ou da Virgem Maria em torradas. No Pleistoceno (período entre 2,59 milhões e 11,5 mil anos atrás), essa habilidade podia salvar vidas: nossos parentes das cavernas menos hábeis provavelmente acabaram devorados por tigres-dentes-de-sabre escondidos entre arbustos; aqueles que conseguiam reconhecer padrões de possíveis predadores puderam passar seus genes adiante.
Olhos parecem bastar para identificarmos um ser animado entre nós. Em experimento no refeitório da Universidade de Newcastle, alunos podiam pegar bebidas e depositar o valor equivalente em uma caixa de coleta, de maneira voluntária. Quando uma foto com um par de olhos era afixada na parede, as pessoas contribuíam três vezes mais. Em experimento subsequente, os pesquisadores observaram que as ocorrências de bandejas de comida não recolhidas nesse refeitório caíam pela metade na presença da foto (veja aqui).
Embora seja fácil para os humanos estabelecer empatia com robôs, o oposto não é verdadeiro: robôs são regidos tão somente pela programação de seu chip, e as Três Leis da Robótica permanecem apenas na ficção de Isaac Asimov. Daí a preocupação com a nova frente tecnológica da robótica: a dos “robôs assassinos”, armados e autônomos, que já chamam a atenção de organizações como a Human Rights Watch (leia mais no relatório Losing Humanity).
O uso dos drones Predator armados já seria motivo de preocupação: humanos os comandam à distância, olhando para monitores e operando joysticks; o risco é de o trauma da guerra transformar-se no prazer de se jogar um videogame. Incapazes de sentir remorso por suas ações ou de exercer juízo sobre situações não previstas, soldados-robôs retirariam das guerras o pouco de humanidade que ainda lhes resta.
*FABIO F. STORINO É DOUTOR EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GOVERNO[:en]O sargento Talon trabalhava no Laboratório Nacional de Los Alamos desarmando minas terrestres. E a maneira mais efetiva de desarmá-las era pisando nelas. Cada vez que encontrava alguma, ele perdia um membro do corpo em decorrência da explosão. Ao vê-lo se arrastando pelo chão com seu derradeiro membro, o coronel que supervisionava ordenou que o exercício fosse interrompido. Assistir àquela cena foi emocionalmente demais para ele – era desumano, argumentou. Seria fácil concordar com o coronel, não fosse por um detalhe: o sargento Talon é um robô.
A conexão emocional que temos com seres inanimados não começou com os robôs, apesar de ter se intensificado – e muito – com eles. Damos nomes a barcos, geralmente femininos; alguns dão nomes a carros e os tratam melhor do que a muitos humanos. E quem não simpatizou com a bola de vôlei Wilson, que no filme Náufrago se tornou amiga e confidente do personagem de Tom Hanks?
O sargento Talon foi promovido e também condecorado (três medalhas purple heart), o que também é comum no campo de batalha. Muitos robôs salvam vidas de soldados e, quando sofrem danos irreparáveis, recebem funeral, com direito a salva de tiros. Dado o modo como nós, humanos, interagimos com os robôs, Cynthia Breazeal, professora e diretora do Personal Robots Group do Massachusetts Institute of Technology (MIT), chama a robótica de “tecnologia social” (veja seu TEDtalk).
Somos biologicamente programados para reconhecer traços de “vida”, mesmo onde ela não existe. A pareidolia é um fenômeno que envolve o reconhecimento de formas vivas, como animais em nuvens e o rosto de Jesus ou da Virgem Maria em torradas. No Pleistoceno (período entre 2,59 milhões e 11,5 mil anos atrás), essa habilidade podia salvar vidas: nossos parentes das cavernas menos hábeis provavelmente acabaram devorados por tigres-dentes-de-sabre escondidos entre arbustos; aqueles que conseguiam reconhecer padrões de possíveis predadores puderam passar seus genes adiante.
Olhos parecem bastar para identificarmos um ser animado entre nós. Em experimento no refeitório da Universidade de Newcastle, alunos podiam pegar bebidas e depositar o valor equivalente em uma caixa de coleta, de maneira voluntária. Quando uma foto com um par de olhos era afixada na parede, as pessoas contribuíam três vezes mais. Em experimento subsequente, os pesquisadores observaram que as ocorrências de bandejas de comida não recolhidas nesse refeitório caíam pela metade na presença da foto (veja aqui).
Embora seja fácil para os humanos estabelecer empatia com robôs, o oposto não é verdadeiro: robôs são regidos tão somente pela programação de seu chip, e as Três Leis da Robótica permanecem apenas na ficção de Isaac Asimov. Daí a preocupação com a nova frente tecnológica da robótica: a dos “robôs assassinos”, armados e autônomos, que já chamam a atenção de organizações como a Human Rights Watch (leia mais no relatório Losing Humanity).
O uso dos drones Predator armados já seria motivo de preocupação: humanos os comandam à distância, olhando para monitores e operando joysticks; o risco é de o trauma da guerra transformar-se no prazer de se jogar um videogame. Incapazes de sentir remorso por suas ações ou de exercer juízo sobre situações não previstas, soldados-robôs retirariam das guerras o pouco de humanidade que ainda lhes resta.
*FABIO F. STORINO É DOUTOR EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GOVERNO