Você já viu os créditos do filme apresentarem o pipoqueiro? Ele vem do outro lado da cidade, pega ônibus, trem e não tem direito nem a um final felizVida de pipoca de cinema não é fácil. É salgada, é fuck. Ai, desculpa, viu? A gente fica assistindo a esses filmes em inglês, pega o palavreado e as gírias de todos eles. Mais chiques são os bombons daquela sala cult fora do shopping, cine sei lá das quantas. Antes de serem desembrulhados, já saem falando o francês de Godard.
Você acha que a gente que é pipoca de cinema tá sempre no ar condicionado, no escurinho, aprendendo idiomas, no bem bom, né? Nada… Filme brasileiro, por exemplo, ninguém quer pegar. Aquela miséria toda, puta que pariu pra lá e pra cá, seca no Nordeste, tráfico de drogas na favela, a gente faz de tudo pra evitar. Acha que a obra não vai ser valorizada pela Academia de Hollywood.
É que a nossa classe almeja o estrelato, quer assistir ao filme que vai levar a estatueta. Eu sou assim. Interesseira mesmo. Mas que pipoca não é vaidosa? O pessoal lá do saco, o saco de pipocas, deu até um apelido pra mim. Eu sou a Pipóscar, a pipoca mais pop da sétima arte.
E sabe de uma coisa? Quando eu era um grão de milho tinha alguns pavores. O primeiro deles era virar ração de frango. Nossa senhora, por santa Rita Hayworth. Meu pai Alfred Hitchcock… Que terror, ir parar em bico de galinha! É o fim da picada. Coisa mais sem graça também é virar salada pra satisfazer dondoca de dieta e descer tubo digestivo adentro com Coca-Cola Zero. Não desce.
Ainda milho, quase tive um treco quando falaram que eu seria besuntada na margarina pra me bronzear na praia de Copacabana, com óleo escorrendo pra matar a fome daquelas bocas cheias de areia. Até que uma tia minha de um velho cinema pornô lá do Centro falou:“Menina, tu é boa é pra virar pipoca”.
Aí me encontrei de verdade, sério. Aquela frase mudou a minha vida. Comecei a me imaginar no meio daqueles beijos apaixonados na última fileira do cinema, entre uma cena e outra, deixando o filme correr e os pombinhos nem se dando conta. Pura ilusão, obviamente. O que o pessoal faz mais é reclamar do preço da pipoca. Se acha caro, então vá beber água, querida! Se não valoriza esse corpinho, vá comer alface ao molho pesto, mas não culpe a pipoca.
Pipoca é desvalorizada, sim. Você já viu os créditos do filme apresentarem o pipoqueiro? Não. No entanto ele está lá na porta. Dia e noite, entra legenda, sai legenda o pipoqueiro estaciona o carrinho, esquenta pipoca doce ou salgada, pra quem quer que seja. O pipoqueiro vem do outro lado da cidade, pega ônibus, trem e não tem direito nem a um final feliz.
Pipoca então… Nem se fala. Quantas estrelas em homenagem à gente você vê na calçada da fama? Nenhuma. E a pipoca dá mais as caras no cinema do que qualquer ator dos mais bem pagos da história. Merecia um prêmio nem que fosse por assiduidade.
Olha, é uma vida tão difícil. Tenho uma amiga pipoca que tem medo do escuro. Não consegue entrar nas salas de exibição por nada. Pensa o tempo todo na hora em que vão apagar a luz. Falei outro dia pra ela cuidar disso. Ou vai acabar esfriando de vez, ficando murcha.
Está apaixonada por um lanterninha, nem isso tem futuro. Depois do brilho dos telefones celulares, o lanterninha corre o risco de perder o emprego e minha amiga, o “muso” inspirador. É uma pobre coitada, deu azar. Não nasceu pro cinema. Ficaria melhor na sala iluminada de uma reunião de negócios, prendendo no dente dos empresários igual a um fiapo de carne, esperando o fio dental fazer cócegas.
Eu não, querida. Euzinha pipoquita nasci pro estrelato. Pra ser projetada no céu. Com os efeitos especiais do Spielberg, os cenários coloridos do Almodóvar, uma trilha sonora especial e a crítica do Zé Wilker. Nasci pra fazer barulho, por isso não daria certo na época do Chaplin.
Saí da panela pra ser bajulada pela imprensa, caminhar no tapete vermelho e distribuir autógrafos. No Guerra nas Estrelas a guerra aconteceu bem longe no espaço, as estrelas estão aqui na sua frente. Euzinha sou a maior delas.
Infelizmente, não dão o devido valor às pipocas de cinema. Será que é porque a gente estala quando a audiência mastiga, atrapalhando as sessões? Será que é porque as crianças engasgam quando põem muitas na boca de uma vez? O pior é quando a pipoca está gostando da história e assistindo ao filme com toda a atenção. A gente morre na boca das pessoas. O sujeito coloca a pipoca pra dentro e a pipoca não consegue nem terminar de…
*Jornalista e autor do livro Amor do Mundo[:en]Você já viu os créditos do filme apresentarem o pipoqueiro? Ele vem do outro lado da cidade, pega ônibus, trem e não tem direito nem a um final feliz
Vida de pipoca de cinema não é fácil. É salgada, é fuck. Ai, desculpa, viu? A gente fica assistindo a esses filmes em inglês, pega o palavreado e as gírias de todos eles. Mais chiques são os bombons daquela sala cult fora do shopping, cine sei lá das quantas. Antes de serem desembrulhados, já saem falando o francês de Godard.
Você acha que a gente que é pipoca de cinema tá sempre no ar condicionado, no escurinho, aprendendo idiomas, no bem bom, né? Nada… Filme brasileiro, por exemplo, ninguém quer pegar. Aquela miséria toda, puta que pariu pra lá e pra cá, seca no Nordeste, tráfico de drogas na favela, a gente faz de tudo pra evitar. Acha que a obra não vai ser valorizada pela Academia de Hollywood.
É que a nossa classe almeja o estrelato, quer assistir ao filme que vai levar a estatueta. Eu sou assim. Interesseira mesmo. Mas que pipoca não é vaidosa? O pessoal lá do saco, o saco de pipocas, deu até um apelido pra mim. Eu sou a Pipóscar, a pipoca mais pop da sétima arte.
E sabe de uma coisa? Quando eu era um grão de milho tinha alguns pavores. O primeiro deles era virar ração de frango. Nossa senhora, por santa Rita Hayworth. Meu pai Alfred Hitchcock… Que terror, ir parar em bico de galinha! É o fim da picada. Coisa mais sem graça também é virar salada pra satisfazer dondoca de dieta e descer tubo digestivo adentro com Coca-Cola Zero. Não desce.
Ainda milho, quase tive um treco quando falaram que eu seria besuntada na margarina pra me bronzear na praia de Copacabana, com óleo escorrendo pra matar a fome daquelas bocas cheias de areia. Até que uma tia minha de um velho cinema pornô lá do Centro falou:“Menina, tu é boa é pra virar pipoca”.
Aí me encontrei de verdade, sério. Aquela frase mudou a minha vida. Comecei a me imaginar no meio daqueles beijos apaixonados na última fileira do cinema, entre uma cena e outra, deixando o filme correr e os pombinhos nem se dando conta. Pura ilusão, obviamente. O que o pessoal faz mais é reclamar do preço da pipoca. Se acha caro, então vá beber água, querida! Se não valoriza esse corpinho, vá comer alface ao molho pesto, mas não culpe a pipoca.
Pipoca é desvalorizada, sim. Você já viu os créditos do filme apresentarem o pipoqueiro? Não. No entanto ele está lá na porta. Dia e noite, entra legenda, sai legenda o pipoqueiro estaciona o carrinho, esquenta pipoca doce ou salgada, pra quem quer que seja. O pipoqueiro vem do outro lado da cidade, pega ônibus, trem e não tem direito nem a um final feliz.
Pipoca então… Nem se fala. Quantas estrelas em homenagem à gente você vê na calçada da fama? Nenhuma. E a pipoca dá mais as caras no cinema do que qualquer ator dos mais bem pagos da história. Merecia um prêmio nem que fosse por assiduidade.
Olha, é uma vida tão difícil. Tenho uma amiga pipoca que tem medo do escuro. Não consegue entrar nas salas de exibição por nada. Pensa o tempo todo na hora em que vão apagar a luz. Falei outro dia pra ela cuidar disso. Ou vai acabar esfriando de vez, ficando murcha.
Está apaixonada por um lanterninha, nem isso tem futuro. Depois do brilho dos telefones celulares, o lanterninha corre o risco de perder o emprego e minha amiga, o “muso” inspirador. É uma pobre coitada, deu azar. Não nasceu pro cinema. Ficaria melhor na sala iluminada de uma reunião de negócios, prendendo no dente dos empresários igual a um fiapo de carne, esperando o fio dental fazer cócegas.
Eu não, querida. Euzinha pipoquita nasci pro estrelato. Pra ser projetada no céu. Com os efeitos especiais do Spielberg, os cenários coloridos do Almodóvar, uma trilha sonora especial e a crítica do Zé Wilker. Nasci pra fazer barulho, por isso não daria certo na época do Chaplin.
Saí da panela pra ser bajulada pela imprensa, caminhar no tapete vermelho e distribuir autógrafos. No Guerra nas Estrelas a guerra aconteceu bem longe no espaço, as estrelas estão aqui na sua frente. Euzinha sou a maior delas.
Infelizmente, não dão o devido valor às pipocas de cinema. Será que é porque a gente estala quando a audiência mastiga, atrapalhando as sessões? Será que é porque as crianças engasgam quando põem muitas na boca de uma vez? O pior é quando a pipoca está gostando da história e assistindo ao filme com toda a atenção. A gente morre na boca das pessoas. O sujeito coloca a pipoca pra dentro e a pipoca não consegue nem terminar de…
*Jornalista e autor do livro Amor do Mundo