Entenda como funciona a gestão de água no Brasil
A Lei nº 9.433, de 1997, conhecida como Lei das Águas, fundamenta-se em conceitos modernos de gerenciamento dos recursos hídricos, como a gestão descentralizada e participativa. Além disso, a lei estabelece a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), que guia as legislações estaduais e municipais do setor. A lei reconhece a água como bem de domínio público, mas limitado e dotado de valor econômico, cujo uso deve ser regulado pelas autoridades competentes. Daí o papel fundamental dos instrumentos de gerenciamento (mais em quadro “Ferramentas“), que deveriam assegurar o uso racional dos recursos hídricos e permitir o controle social da sua gestão.
A estrutura da gestão envolve órgãos do poder público nos níveis federal, estadual e municipal, representantes da sociedade civil e dos usuários de água. Cada bacia hidrográfica é gerida por seu próprio comitê, dependendo de sua dominialidade: os rios são classificados em estaduais (caso corram dentro de apenas um estado) ou federais (se passam por mais de um estado ou fazem fronteira entre estados e com outros países), o que determina se a bacia será administrada por órgãos federais ou estaduais, ou ambos, no caso de haver nela rios federais e estaduais.
QUEM É QUEM
Saiba quais são as principais instâncias
Agência Nacional de Águas (ANA) – encontra-se no âmbito do Ministério do Meio Ambiente e é responsável por disciplinar a implantação dos instrumentos da PNRH e apoiar a gestão de recursos hídricos em toda a União. Regula e fiscaliza os usos da água e a concessão de outorgas.
Conselho Nacional de Recursos Hídricos – é composto por representantes do governo federal, dos conselhos estaduais, da sociedade civil e dos usuários de recursos hídricos, e presidido pela ministra do Meio Ambiente. No topo da hierarquia do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, toma as principais decisões relativas a ele, como mudanças na legislação e resolução de conflitos entre os conselhos estaduais.
Comitês de Bacias Hidrográficas (CBH) – principal instância de gestão do sistema. Cada bacia conta com seu próprio fórum, que reúne gestores municipais e estaduais, representantes dos usuários e sociedade civil. Assim como nos conselhos (o nacional e os estaduais), o poder público não pode representar mais que 50% da composição dos comitês. São os fiscalizadores da aplicação de instrumentos nas bacias, além de funcionarem como “casa legislativa” dos Planos de Recursos Hídricos e arbitrarem conflitos pelo uso da água na bacia.
Agências de Água – exercem a função de secretaria-executiva dos respectivos comitês de bacia. Executam as ações administrativas deliberadas pelos Comitês, como a cobrança pelo uso da água (veja em “Ferramentas”), o acompanhamento da aplicação de recursos financeiros nas bacias e a gestão de informações sobre elas.
Consórcios Intermunicipais – reúnem prefeituras e empresas ligadas às bacias hidrográficas. Planejam e executam serviços públicos de interesse comum aos municípios integrantes, além de atuarem na assessoria técnica e elaboração de estudos para usuários e poder público. Podem exercer as funções das agências de água enquanto elas não são criadas.
FERRAMENTAS
Conheça alguns instrumentos previstos na PNRH que podem ser aplicados na gestão
Planos de Recursos Hídricos – são planos diretores nacionais, estaduais ou de bacias, que contemplam o planejamento do uso, tratamento e preservação dos recursos hídricos. Por exemplo, incluem o diagnóstico futuro de disponibilidade de água em uma região e as ações necessárias, dentro de uma janela de tempo, para satisfazer a demanda.
Sistemas de Informação de Recursos Hídricos – tanto a ANA quanto as agências de água são responsáveis por fornecer e publicar números e dados consistentes sobre qualidade dos recursos hídricos, que devem orientar a elaboração e execução dos planos.
Outorga – qualquer uso de recursos hídricos (seja para captação, lançamento de efluente ou produção de energia) deve ser autorizado mediante uma outorga, com prazo final estabelecido. Ela deve ser submetida às condições do plano e pode ser cancelada se seus termos forem desrespeitados. Empresas de abastecimento precisam da outorga para captar água de uma bacia, por exemplo.
Cobrança pelo uso – nas bacias em que esse instrumento é adotado, empreendimentos que captam água ou lançam efluentes devem pagar um preço por metro cúbico que contemple o valor real do recurso, estipulado pelos comitês. O dinheiro arrecadado é aplicado prioritariamente na execução de programas e obras na própria bacia.
Enquadramento de uso – cada corpo d’água é classificado, por legislação ambiental, conforme seus usos prioritários, o que guia as estratégias de prevenção de poluição. Por exemplo, um rio em área de cultivo intensivo de soja pode não ser enquadrado para abastecer a população, por conta do risco de contaminação por agrotóxicos.
Leia mais:
O que podemos aprender com a atual crise de abastecimento, em “Nó em pingo d’água“
A difícil relação da população urbana com seus rios, em “Os lados do rio“
Em que pontos a gestão pública pode ter errado, em “A pedagogia da crise“
O que empresas têm a ver com a preservação da água (e seu próprio futuro), em “A fonte secou“
Como usar melhor o recurso natural mais precioso, em “Saídas possíveis“
Tecnologias simples e baratas que fazem a diferença em regiões áridas, em “Tecnologias ancestrais“